Capítulo 111 — O Mestre do Aço Encantado

O golpe da cauda de Severus destruiu o pico da montanha como se fosse feito de areia. Rochas do tamanho de casas deslizaram montanha abaixo, engolindo o campo em poeira e caos. O ar se tornou denso, vibrando com os gritos engolidos pelo som das pedras que se chocavam contra o chão.

No meio da tempestade de pedregulhos, uma figura despencou do céu.

Por um instante, ela era apenas uma sombra atravessando a névoa avermelhada, até que aterrissou com um impacto seco.

Com um rápido impulso, ele sacou a lâmina. O ar se partiu diante dele, como se o corte tivesse vindo antes do aço.

O pensamento foi um luxo que ele não se permitiu. Cortou por instinto, e o som seco, surdo, confirmou o acerto antes mesmo que ele enxergasse. O fio da espada encontrou algo sólido, resistiu por um breve segundo… e cedeu.

Um vento forte varreu a névoa, revelando o estrago.

Uma mão decepada jazia a poucos metros, com os dedos contorcidos. 

A nuvem de poeira se dispersou, revelando um homem curvado, cabelos grisalhos, barba por fazer e uma cicatriz que cortava de sua sobrancelha esquerda até a maçã do rosto. 

O velho respirou fundo, ajeitou a postura e forçou um meio sorriso. — Heh… devo estar fora de forma. Antigamente, uma queda dessa não seria nada… Agora até meus joelhos reclamam.

— Você deve ser o mestre do aço encantado, Garrick. — Mais adiante, a figura do Lich aguardava, o braço esquerdo pendendo sem a mão.

Garrick olhou para a mão decepada à sua frente. Era uma mão humana, pálida, vermelha por dentro, mas seca. Nenhuma gota de sangue. Abaixou-se e apanhou o membro. Em todos os cinco dedos, havia anéis. 

— Anéis mágicos, hein? E eu achando que Lichs não precisavam dessas bugigangas. 

O Lich observava em silêncio. Seus olhos, duas chamas presas em órbitas ocas queimavam com fúria. Quando falou, sua voz era feita de ecos, como se cem almas falassem juntas.

— Só um tolo desperdiçaria poder. Mas não esperava que você viria sozinho. Estava pensando que o mestre da torre dos magos também viria para a linha de frente, e te daria suporte em uma luta contra mim… Mas acho que ele nem participou desse ataque, não é? 

Garrick escutou o Lich falar enquanto retirava os anéis da mão mutilada e os guardou no saco preso à sua cintura.

— Vejo que conhece nossas forças. Creio que conseguiu isso torturando nossos soldados, não é?

Garrick jogou o membro decepado para longe.

— Quanto ao mestre da torre, tentei chamá-lo para a luta, mas ele disse que, contanto que a torre não esteja em perigo, ele não precisa se mexer. O rei não pode obrigá-lo, e enquanto a torre estiver segura, ele não move um dedo.

— Hm. — O Lich inclinou a cabeça, e o movimento foi suave, quase humano demais. — Humanos continuam previsíveis. Até os mais poderosos preferem se esconder atrás de muros e desculpas.

Garrick soltou um riso rouco.

— Engraçado ouvir isso de alguém que se trancou num corpo frio para fugir da morte.

O Lich manteve o olhar fixo nele. Seus olhos ganharam uma nova chama de raiva. — Eu não me tornei imortal porque tinha medo da morte, mas sim para ter mais tempo. Tenho algo que preciso fazer, e a longevidade de um humano tornaria impossível de eu cumprir tal objetivo. 

Garrick girou o punho da espada, apoiando o fio sobre o ombro. Runas percorriam sua lâmina e o cabo, brilhando levemente, trazendo um brilho único para o aço da espada. 

Um silêncio pesado se formou entre os dois. O vento soprou fraco, arrastando a poeira.

— Por que? Para que você está fazendo tudo isso? — Garrick perguntou, sem intenção nenhuma de ser o primeiro a dar a iniciativa para aquela batalha, mesmo já tendo dado o primeiro golpe. 

— Você não vai conseguir ganhar tempo contra mim assim. — O Lich levantou o braço esquerdo, levando a mão direita sobre o machucado, com uma única palavra sussurrada, uma luz verde brotou de sua mão, iluminando seu rosto sob o capuz e fazendo crescer outra mão. 

Cerrando os molares, o rosto de Garrick endureceu. O Lich sabia que ele estava tentando ganhar tempo.

Mudando a pegada no cabo da espada, agora, com mais firmeza e força, as runas cintilaram intensamente. 

— Não imaginei que conseguiria manter tanto tempo assim de conversa com você, meus resultados superaram as minhas expectativas —  confessou Garrick, enquanto endireitava o corpo e assumia uma postura de combate, pronto para o bote.

O Lich mal teve tempo de admirar o membro recém-regenerado.

Garrick não esperou por uma resposta. O ar, ainda rarefeito pela poeira, explodiu quando o mestre do aço encantado impulsionou o corpo. Ele se tornou um raio de prata. As runas de sua lâmina eram um rastro de luz enquanto ele fechava a distância que havia entre eles em um piscar de olhos, mirando no rosto do Lich, bem abaixo das órbitas flamejantes.

O sussurro do Lich foi breve, e então, a realidade se rasgou na frente dele.

A empunhadura que Garrick segurava para atacar mudou-se ligeiramente para a defesa. A lâmina rúnica não atingiu as órbitas flamejantes do Lich, em vez disso, rasgou a escuridão que subitamente se materializou na forma de um portal espacial diante da criatura.

Garrick grunhiu, transformando a força do golpe ofensivo em um violento bloqueio defensivo. Sua espada encontrou resistência metálica e aparou duas espadas longas que saíram da fenda e cortaram o ar em sua direção. O choque das três lâminas foi uma explosão de faíscas azuis e um grito metálico que ecoou no topo da montanha.

A força do impacto fez Garrick recuar dois passos, mas ele estava vivo. Ele forçou o olhar além do choque e viu.

Não era o Lich que havia bloqueado.

No exato local onde o Lich estava, agora se encontrava a figura colossal de um cavaleiro perfeito. A criatura de armadura negra e quatro braços havia saído da ruptura espacial, as lâminas cruzadas em ‘X’ para interceptar o ataque mortal. A aura de morte que o monstro irradiava era palpável, e seus olhos de brasa ardiam diretamente sobre Garrick.