Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    O tempo passou de forma estranha. Eu não sabia se havia se passado um dia ou uma semana desde que despertei neste corpo. As vozes ao meu redor eram constantes, falando sempre essa língua incompreensível. Aos poucos, comecei a perceber rostos, expressões, pequenos gestos. Eu queria entender… precisava entender. Mas, no momento, tudo o que eu podia fazer era observar.

    E se tudo o que eu pudesse fazer fosse isso, então eu o faria com a maior diligência possível. Eu pretendia aprender o mais rápido possível a língua desse novo mundo. Sempre que conversavam perto de mim, eu prestava atenção em cada som, na pronúncia, tentando decifrar o significado pelo contexto do que faziam.

    ‘Será que, neste mundo, há magia? Espero que sim. Eu não quero viver novamente apenas para sofrer como na minha vida passada… mas também não quero desperdiçar esta vida como fiz antes.’

    Ganhei o hábito de conversar sozinho em minha mente, talvez pela solidão de não conseguir falar ou entender os outros. Desde que reencarnei, este tem sido o período mais entediante dos meus 14 anos de vida.

    Agora eu estava dentro de um berço de madeira, claramente feito por um amador. Os panos sobre os quais eu estava deitado eram ásperos e irritavam minha pele.

    O sol entrava pela janela do quarto dos meus pais, aquecendo o ambiente com uma luz reconfortante. Eu dormia no mesmo quarto que eles, pois éramos pobres. Observando a casa, percebi que havia apenas dois quartos; meus dois irmãos dormiam juntos no outro.

    A luz quente do sol batia no meu rosto, e, por um tempo, isso foi agradável. Mas logo o calor ficou excessivo, e eu me virei no berço, tentando escapar do incômodo retângulo de luz.

    Suspirei. ‘O que eu deveria fazer…?’ Entediado, soltei um gemido e me virei para o outro lado.

    Depois de um tempo, decidi tentar usar magia novamente. Desde que despertei neste corpo, venho tentando manifestar algum tipo de poder, mas nunca senti nada. Isso era frustrante.

    Sentei-me no berço com dificuldade, apoiando as costas em uma das tábuas, que pareciam prestes a ceder a qualquer momento. Fechei os olhos e tentei me concentrar.

    Visualizei a energia correndo pelo meu corpo, como o sangue fluindo nas veias até as pontas dos meus dedos.

    Mas, como sempre, minha mente divagou.

    ‘Por que aquele ser disse que a morte não me acolherá…?’
    ‘O que era aquilo? Por que eu reencarnei?’
    ‘Quem era aquele que me observava de longe? Sinto que há uma conexão entre nós.’

    ‘Droga, pensar nisso só me desconcentra.’

    Respirei fundo, soltando o ar devagar, e voltei a focar na sensação do meu próprio corpo.

    Tentei imaginar que essa energia vinha do centro do meu peito… mas nada aconteceu. Nenhuma sensação estranha, nenhuma reação.

    Fiquei assim por horas, até perder a paciência.

    — Droga! Eu não consigo sentir nada! — resmunguei, balançando meus bracinhos gordos no ar.

    De repente, mãos grandes e calejadas me ergueram, segurando-me no ar.

    Era um homem jovem, aparentemente com 22 anos. Seu rosto era magro e pálido, e profundas olheiras se acumulavam sob seus olhos. Ele parecia exausto, desgastado pela vida. Mas, ainda assim, um sorriso leve surgiu em seus lábios.

    Ele começou a falar, mas suas palavras eram apenas sons desconexos para mim. Uma língua estranha, uma barreira invisível entre nós. Mesmo assim, pude sentir o peso de suas palavras. Seu tom era suave, quase reconfortante, mas carregado de algo mais profundo. Esperança? Cansaço? Eu não sabia dizer.

    — Flügel. — Ouvi esse som mais uma vez, vindo dele.

    Esse era o meu nome.

    Já havia escutado minha mãe e meus irmãos me chamarem assim antes, mas ouvir esse som saindo diretamente da boca daquele homem fez tudo parecer mais real.

    Ele me puxou para perto de seu peito, e seu calor me envolveu. O cheiro de madeira e ervas secas impregnava suas roupas — um cheiro simples, mas que, de alguma forma, me trouxe uma estranha sensação de familiaridade.

    Ele murmurou algumas palavras incompreensíveis enquanto sua mão áspera acariciava minha cabeça.

    Eu não entendia nada. Mas, por algum motivo, naquele instante, senti que estava seguro.

    Pelo menos por agora.

    ‘Talvez seja isso que significa ter um pai?’

    Ele me carregou até a cozinha, que, como o resto da casa, era simples e carente de móveis. A casa era composta por quatro cômodos: cozinha, dois quartos e um banheiro.

    Assim que chegamos, tentei me mover em seu abraço e apontei para a janela da cozinha.

    — Kahnd pluvlat? — Ele disse, sorrindo, e então arrastou a mesa de madeira para que ficasse sob a janela.

    Me colocou sobre a mesa, permitindo que eu olhasse para fora.

    Diante dos meus olhos, a estrada de terra, casas precárias e um muro ao fundo pintavam o cenário. O céu azul brilhava imenso acima de tudo.

    ‘Droga… eu realmente nasci na favela de um reino, hein? Que sorte a minha.’

    Suspirei.

    ‘E meu pai não é um pouco despreocupado demais? Me deixar aqui sem supervisão…’

    Fiquei assistindo às pessoas andarem pela rua de terra. Eram visivelmente pobres, com rostos pálidos pela falta de vitaminas, magros e mal vestidos.

    ‘Por que eu não nasci na nobreza de uma família rica?’

    Esse pensamento passava com frequência pela minha cabeça.

    Meu pai voltou para perto de mim, beijou minha testa, depois a de meus irmãos, e, por fim, abraçou minha mãe e também beijou sua testa.

    — Khadylha kokreia.

    — Glishuya, khadylha. — respondeu minha mãe com um sorriso.

    Depois disso, meu pai caminhou até a porta, abriu-a e saiu.

    Normalmente, ele saía mais cedo, antes mesmo do sol clarear completamente as ruas. Hoje foi um dia raro em que ele saiu pouco antes do almoço.

    Não entender nada do que eles falam é frustrante. Mas, pelo contexto, talvez khadylha significasse ‘eu te amo’? Seria bom guardar essa palavra. Se eu decorar expressões assim, talvez consiga aprender o idioma mais rápido.

    Minha mãe continuou na cozinha, preparando algo em uma panela de ferro sobre o fogo brando. O cheiro era familiar, a mesma sopa aguada que eu já havia visto antes. Meus irmãos estavam sentados perto da mesa, brincando com alguma coisa no chão, enquanto eu ainda estava sobre a mesa, observando a rua pela janela.

    O sol já estava mais alto, tornando o calor desconfortável. Não queria ficar ali por muito mais tempo. Tentando me arrastar para longe da luz, acabei me desequilibrando um pouco, e minha mãe rapidamente veio me segurar, murmurando algo em sua língua desconhecida.

    Ela me pegou no colo, me embalando levemente, sua voz suave murmurando palavras que eu não compreendia. O gesto era reconfortante. Mesmo sem entender, o tom transmitia carinho, talvez até preocupação.

    Depois de alguns minutos, ela me levou de volta para o quarto e me colocou no berço. Pela forma como ajeitou os panos ao meu redor, parecia querer que eu dormisse. Mas dormir era a última coisa que eu queria.

    Minha mente estava inquieta. Eu precisava entender este mundo. Aprender sua língua, descobrir se existia magia.

    E, acima de tudo, descobrir o porquê de eu estar aqui.

    ‘Mas, bom, como ela me arrumou tão bem assim, eu irei descansar um pouco… apenas um pouquinho.’ Sem nem mesmo perceber, eu acabei dormindo. Talvez fosse por estar no corpo de um bebê, mas acabei dormindo muito facilmente.

    E então, sou acordado pela mão quente da minha mãe. Um pouco de saliva escorria pelo canto da minha boca.

    ‘Droga, eu acabei dormindo sem perceber…’ resmunguei em meu pensamento, bocejando nos braços da mulher. Seus cabelos eram castanhos, seus seios pequenos e seu rosto bonito.

    Ela me colocou sobre a pequena tábua que havia no quarto. Parecia com uma tábua de passar roupas, mas eu duvidava que neste mundo houvesse algo como energia elétrica, então provavelmente era usada para dobrar roupas e, ocasionalmente, para trocar as minhas fraldas.

    Depois de trocar minha fralda, que era feita de tecidos velhos, e me vestir com uma nova fralda limpa, ela se sentou na própria cama baixa — mais baixa que o berço, com um colchão fino e panos ásperos. Começou a me amamentar.

    ‘Droga, ser bebê é um inferno, é tão vergonhoso ter que chupar no peito dela para eu não acabar morrendo de fome.’

    Depois de me alimentar, ela me colocou novamente no berço, já que o sol estava se pondo e, normalmente, eu durmo depois da alimentação. Ela saiu do quarto, provavelmente para fazer o jantar.

    ‘Eu não vou dormir agora!’ gritei em minha mente, tentando resistir ao instinto do meu corpo frágil que pedia sono.

    Me sentei no berço, apoiando minhas costas em uma das tábuas. Estava decidido a tentar outras maneiras de usar mana, ou o que quer que existisse neste mundo.

    ‘Certo… vou tentar apenas fazer uma bola na minha mão, não importa o que seja.’ Lembro-me de tentar isso na minha vida passada… sempre esperando descobrir poderes extraordinários em mim.

    Respirei fundo e me concentrei. Queria que algo se formasse na palma da mão direita. O que quer que fosse, queria que se condensasse ali.

    Após alguns minutos tentando visualizar, nada aconteceu. Então, comecei a pensar em algo negro se condensando ali.

    Depois de mais alguns minutos imaginando essa imagem, comecei a suar, como se estivesse me esforçando. As pontas dos meus dedos e o interior do meu braço formigavam.

    Então, com hesitação, forcei-me a abrir os olhos e tentar ver o resultado, com medo de não encontrar nada.

    Ali, na palma da minha mão direita, havia algo: uma coisa em forma de estrela-do-mar, mas mais parecida com uma névoa densa, quase etérea. Eu estava respirando fracamente, com medo de que o vento da minha respiração fizesse aquela névoa negra se dissipar.

    — Que porra é essa? — Deixei escapar, surpreendido, soltando palavras desconexas pela garganta.

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