Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 21 — Começando pelo básico
O zumbido da Biblioteca das Eras ecoava como um murmúrio vivo, como se os livros alinhados nas estantes me avaliassem em silêncio, questionando minha presença ali. Era meu segundo dia na Academia Aera Veyris, e eu ocupava a mesma cadeira de madeira dura, o assento frio pressionando minhas pernas através da túnica surrada.
O tecido, impregnado de poeira antiga e desgaste, parecia carregar as marcas da vida que eu deixara para trás antes de chegar àquele lugar.
No bolso, o papel com meu nome — “Flügel”, rabiscado em letras tortuosas e estranhas com a ajuda de Grenhard no dia anterior — parecia mais pesado do que deveria. Era um símbolo do que eu havia conquistado, mas também um lembrete do longo caminho que ainda precisava percorrer.
Sob o teto abobadado, salpicado de estrelas artificiais que brilhavam suavemente, a biblioteca se estendia como um reino infinito. Estantes imponentes erguiam-se até se perderem nas sombras, exalando o aroma de couro envelhecido, tinta seca e um leve toque metálico. Os candelabros flutuantes lançavam uma luz dourada sobre o chão de mosaico negro e dourado, que reluzia como um espelho encantado.
Grenhard estava à minha frente, os óculos refletindo o brilho dos candelabros, a túnica azul-escura impecável, como se ele fosse uma extensão natural daquele ambiente. Em suas mãos, dois livros: um fino, de capa marrom desgastada, e outro maior, encadernado em couro vermelho, com desenhos dourados que pulsavam como brasas vivas.
— Flügel — disse ele, a voz firme, mas temperada com uma paciência que me inspirava confiança —, antes de continuarmos com as letras, você precisa compreender o que é a magia. Sente-se direito e preste atenção.
Endireitei as costas, o coração acelerando em expectativa. Grenhard ajustou os óculos e começou a falar, cada palavra carregada com a gravidade de um segredo ancestral.
— A magia é a arte de moldar a mana, a força que pulsa no mundo e dentro de você. Pense na mana como um rio: poderosa, mas indomável. Para direcioná-la, usamos palavras, frases aperfeiçoadas por magos ao longo de eras. Pronunciar as palavras certas é como abrir uma porta: a mana flui, ganha forma, e o feitiço se manifesta. Sem elas, a mana é apenas um sussurro perdido. Entendeu, Flügel?
Assenti, as palavras dele ecoando em minha mente como pedras caindo em um poço profundo. Enquanto o ouvia, inspirei fundo, sentindo o ar aquecer meu peito, como se algo vivo se agitasse dentro de mim. Eu sabia que era a mana, atraída do ambiente.
— Então… as palavras são o que faz a magia acontecer? — perguntei, minha voz vacilante.
— Exatamente — respondeu ele, um brilho de aprovação nos olhos. — Mas não basta apenas falar. É preciso pronunciar com clareza, canalizar a mana do seu corpo ao seu redor. Sem prática, o feitiço pode sair fraco ou simplesmente falhar.
Ele fez uma pausa, o olhar fixo em mim, como se quisesse que eu absorvesse o peso daquela advertência.
— Hoje, Flügel, você vai aprender um feitiço chamado bola de água. Eu sei que você já consegue realizar feitiços básicos, mas ainda não os domina com palavras. Antes disso, porém, as letras. Você precisa conhecê-las para decifrar as palavras da magia.
Grenhard abriu o livro fino — intitulado Primeiro Livro das Letras, repleto de símbolos estranhos, alguns curvados como chamas retorcidas, outros entrelaçados como galhos secos — e apontou para uma letra que lembrava uma onda partida ao meio.
— Esta é a letra do som “ma”, o início do fluxo. Repita: ma.
Inclinei-me sobre a página, os olhos semicerrados diante da forma que parecia ondular sob meu olhar.
— Ma — pronunciei, hesitante, temendo errar.
— Bom — disse Grenhard, apontando para outra letra, uma linha sinuosa cruzada por traços curtos, como um raio capturado. — Esta é “na”, o som da energia. Juntas, elas formam “mana”. Diga: ma-na.
— Ma… na — repeti, articulando devagar, as sílabas estranhas roçando minha língua. — Mana.
Grenhard assentiu, um leve sorriso surgindo no canto dos lábios.
— Agora escreva, Flügel.
Ele empurrou um papel em minha direção, junto com uma pena e um tinteiro onde a tinta preta brilhava como obsidiana líquida. Segurei a pena com dedos trêmulos e tentei reproduzir as letras. Os traços saíram tortos, desajeitados, mas Grenhard examinou o resultado, ajustando os óculos.
— Está começando a tomar forma, Flügel, mas exige prática. Vamos tentar outra: “vento”.
Ele indicou uma nova combinação de letras, cada uma mais peculiar que a anterior.
— Diga: ven-to.
— Ven… to — pronunciei, soletrando com cuidado, e escrevi, a pena raspando o papel com um som áspero.
Grenhard fechou o livro fino e pegou o de capa vermelha, os desenhos dourados pulsando com uma energia que me fez engolir em seco.
— Este é o Fundamentos da Mana — anunciou, a voz tingida de reverência. — Vou ler para você, Flügel. Escute bem, porque isso é a base de tudo.
Ele abriu o livro, as páginas crepitando como brasas suaves, e leu em um tom claro que reverberou pela sala:
— A mana é a força que move o mundo. Ela flui como um rio por seu corpo, moldada por palavras. O vento é um dos elementos mais básicos, mas precisa das palavras para se tornar magia — Ele fez uma pausa e continuou:
— E também para canalizar a mana, sem as palavras vocais seria quase impossível realizar feitiços… exceto em casos raros, como o seu.
Eu ouvia em silêncio, as palavras pesando em minha mente como portas trancadas que eu ainda não sabia abrir. Grenhard me encarou, os olhos penetrantes.
— Entendeu, Flügel? As palavras são a chave. Hoje, você vai usá-las para moldar o elemento água.
Assenti, embora uma ponta de incerteza persistisse.
— Como… guiar um rio com a voz? — perguntei, tentando agarrar o conceito.
— Exatamente — respondeu ele, o brilho de aprovação retornando aos seus olhos. — Vamos à arena de treinamento. As letras são a mente, mas os feitiços são o coração.
Descemos a escada em espiral, minhas mãos deslizando pelo corrimão de ferro negro, frio ao toque e gravado com marcas que faiscavam sob meus dedos. Após atravessarmos um corredor longo e sombrio, Grenhard abriu uma porta imponente, revelando a arena de treinamento em toda sua grandiosidade.
Era um espaço circular imenso, cercado por arquibancadas de pedra que se erguiam em camadas ao redor de um piso de pedras lisas, marcadas por runas desgastadas. A luz do sol filtrava-se por uma cúpula de vidro no teto, enquanto candelabros flutuantes pairavam, prontos para iluminar a noite.
O ar estava carregado de mana, uma energia vibrante que arrepiava minha pele. Por toda parte, aprendizes praticavam: alguns lançavam feitiços contra alvos de pedra, com chamas e jatos de água cortando o ar; outros duelavam em círculos marcados com desenhos sob eles, trocando rajadas de vento.
Grenhard me conduziu a uma área menos agitada, onde um boneco de pedra estava ali, parado para ser acertado.
— Aqui, Flügel, você vai tentar lançar a bola de água. O feitiço para a bola de água é: Ó água que corre livre, fonte pura que brilha, forme-se em minha mão e torne-se uma bola! Bola de água! — Grenhard pronunciou com proficiência, uma bola de água foi lançada contra o boneco de pedra, acertando ele precisamente.
Respirei fundo, sentindo a mana se agitar em meu corpo, ansiosa para ser moldada. Com a voz hesitante, mas determinada, eu disse:
— Ó água que corre livre, fonte pura que brilha, forme-se em minha mão e torne-se uma bola! Bola de água!
Uma pequena esfera de água tremeluziu em minha palma, instável, antes de se lançar para frente, passando pela lateral do boneco e acertando a parede atrás dele. Apesar de ter errado o alvo, Grenhard assentiu, com um leve sorriso de encorajamento nos lábios.
Sorri, um calor de orgulho aquecendo meu peito. Naquele momento, na arena de treinamento da Academia Aera Veyris, sob o olhar firme de Grenhard, eu começava a vislumbrar o poder da magia — e o meu próprio potencial.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.