Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 22 — Magia Vocal
A arena de treinamento estava cheia com a energia da mana, um pulsar que agora parecia ecoar dentro de mim, como se eu tivesse aprendido a respirar junto com ela.
Três meses haviam se passado desde que cruzei aquela porta imponente pela primeira vez: um garoto desajeitado que mal conseguia pronunciar “mana” a sem tropeçar na língua.
Agora, eu estava no centro daquele espaço vasto, cercado por arquibancadas de pedra que se erguiam em camadas escuras ao meu redor.
A luz do sol filtrava-se pela cúpula de vidro no teto, espalhando reflexos dourados sobre o piso de terra compactada e as pedras lisas, onde runas antigas brilhavam como brasas suaves. Acima, os candelabros flutuantes pairavam, suas chamas mágicas tremeluzindo em um silêncio que parecia observar cada movimento.
Minha túnica, que no começo pesava como um fardo estranho, agora se moldava ao meu corpo, marcada por rasgos sutis por causa do uso excessivo.
Nas mãos, eu segurava meu livro de feitiços — as páginas gastas de tanto serem viradas, cheias de anotações desajeitadas que tracei ao lado das palavras que Grenhard me ensinou. Todas essas sílabas, que antes pareciam pedras pesadas na minha boca, agora fluíam com uma facilidade que me surpreendia.
Eu não era mais o mesmo. O feitiço que Grenhard me apresentara meses atrás, aquele que formava uma esfera de água trêmula, agora girava na minha palma com firmeza, a água cristalina capturando a luz da cúpula como um espelho vivo, antes de eu lançá-la contra um boneco de pedra. O impacto da bola de água fez os respingos voarem para todos os lados.
Meus dedos, que tremiam ao tentar escrever as letras mágicas, agora as traçavam com uma confiança que eu mal reconhecia. Mas Grenhard, com seu paletó azul-royal normalmente impecável, nunca me deixava esquecer que cada passo conquistado abria a porta para um novo desafio.
Ele estava a poucos passos, os óculos refletindo o brilho dos candelabros, o olhar fixo em mim com aquela mistura de paciência e exigência que eu aprendera a decifrar.
— Flügel — disse ele, a voz cortando o ar com a mesma clareza que ecoara na Biblioteca das Eras. — Você fez bem com o elemento água. Hoje, quero ver o que pode fazer com o vento. Mova aquele alvo sem derrubá-lo.
Ele apontou para um bloco de madeira pequeno, equilibrado sobre uma pedra lisa a uns cinco metros de distância.
Senti a mana pulsar no meu peito, quente inquieta, como um rio que eu começara a guiar, mas que ainda escapava um pouco do meu controle.
Nos últimos três meses, eu passei dias e dias na arena, e noites na biblioteca, eu podia até mesmo sentir o cheiro de livros por horas depois de deixar a biblioteca.
Grenhard me ensinara um feitiço de vento chamado “Pulso de Ar”, que usava a frase:
“Ó sopro que atravessa os céus, corrente invisível que sacode o mundo, una-se ao meu chamado e libere sua onda furiosa.”
— Ó sopro que atravessa os céus, corrente invisível que sacode o mundo, una-se ao meu chamado e libere sua onda furiosa! Pulso de Ar! — pronunciei, minha voz clara, as palmas viradas para o bloco de madeira.
O ar se agitou rápido demais, uma rajada desajeitada que acertou o bloco e o derrubou da pedra, fazendo-o rolar pela terra compactada. Franzi a testa, a frustração subindo como uma onda, mas engoli o impulso de baixar a cabeça.
Grenhard ajustou os óculos, o olhar analítico cravado em mim.
— O que eu lhe falei para fazer, Flügel? — seu olhar estava pesado sobre mim.
— Oh, hm… você mandou eu mover o bloco de madeira sem derrubá-lo, usando magia de vento — respondi honestamente. Seu olhar era duro e assustador, mas durante esses três meses, eu descobri que Grenhard não era um cara mau — ele só não era bom em se expressar.
— Exatamente. E com a única magia de vento que você sabe, não é capaz de fazer isso, por ela ser forte demais. Então… qual será a sua solução para esse problema? — Seus olhos estavam fixos em mim, com um leve brilho de alguém que esperava que eu já soubesse a resposta.
Eu pensei por um momento. Estava até esperando que Nytheris dissesse algo, mas ele permaneceu quieto dentro de mim.
— Usar magia sem entoá-la? — respondi, usando a lógica. Na magia vocal, o feitiço já vinha predestinado em velocidade e força, mas na magia não vocal, eu usava uma certa quantidade de mana para realizar cada passo separadamente.
Isso ficou ainda mais claro para mim quando aprendi um feitiço vocal, não ter o controle sobre a velocidade e a força do feitiço me deixou confuso. Mas também entendi por que era raro alguém conseguir usar feitiços sem precisar vocalizá-los.
Eu provavelmente só consegui fazer isso por ser um reencarnado.
— Isso mesmo — Grenhard ajeitou os óculos com o dedo do meio, com um olhar de aprovação. Ele elaborou:
— Você, como um talento tão raro, não precisa ficar preso a uma única maneira de responder ao meu comando. Eu lhe disse: “mova aquele bloco de madeira usando magia de vento”, e não “usando magia de vento vocal”. A velocidade de raciocínio em um mago é um ponto vital, assim como a compreensão sobre magia.
Assenti. Sabia do que ele estava falando. A velocidade de raciocínio de um mago deveria ser altíssima. Muitas vezes, nas aulas que o exército me deu, eles disseram isso.
Um mago deve ser capaz de analisar o campo de batalha e entender o que precisa fazer antes de qualquer um.
Talvez fosse por isso que Grenhard me fazia essas perguntas, forçando-me a pensar por conta própria com frequência. Ele estava me preparando para me tornar um mago perfeito.
— Certo. Já que você entendeu isso, sem mais delongas: mova aquele bloco de madeira sem derrubá-lo, usando magia de vento — Grenhard ajeitou sua postura já perfeita. Ele realmente gostava de parecer o mais perfeito possível.
Respirei fundo, sentindo a mana percorrer todo o meu corpo, vindo de algum lugar do meu ser. Então apontei as palmas das mãos para o bloco de madeira.
Visualizei a mana se acumulando em minhas mãos. A mesma sensação de quando uso o Pulso de Ar — mas, desta vez, eu estava no controle. Eu decidia o quão forte e rápido seria o feitiço.
Eu o enfraqueci, apenas o suficiente para mover levemente o bloco de madeira, fazendo-o escorregar um pouco sobre a pedra sob ele.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.