Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 25 — Um Novo Mundo, Uma Antiga Culpa.
Aquele sentimento inquietante que eu tinha era como uma grande bola de neve, crescendo a cada dia desde que reencarnei neste mundo.
Sim, era isso. Eu estava pensando demais sobre as escolhas que fiz, tanto em minha vida passada quanto nesta. Simplesmente abandonei meu irmão e minha mãe para me livrar das minhas próprias dores.
Nessa nova vida, estou sendo criado e cuidado por pais amorosos, irmãos bondosos, e aceitei isso como se fosse apenas uma dádiva divina. Mas… e meu irmão e minha mãe no meu mundo real?
Minha mãe sempre fazia de tudo por mim, tentava me ajudar, comprando remédios caros mesmo quando eu não apresentava sinal algum de melhora.
Como ela está? Como se sentiu ao receber a notícia de que seu filho foi encontrado enforcado sob uma árvore? E meu irmão? Como ele lidou com isso? Eu não pensei nisso na hora em que cometi tal ato.
Fui egoísta, levando em conta apenas meus próprios sentimentos, minhas dores, sem pensar nas consequências do meu ato. E agora vivo essa nova vida como se meu suicídio não tivesse deixado marcas, como se minha antiga vida simplesmente não importasse. Minha antiga família. Minha verdadeira família.
— Eu sou um bastardo egoísta… Me desculpe, mãe. Me desculpe, irmão — Um nó parecia ter se formado em minha garganta. Meus olhos lacrimosos começaram a transbordar sem parar, enquanto aquela sensação de angústia invadia o meu peito. Os soluços dificultavam a respiração.
Eu sabia que precisava aceitar o fato de que o que está feito, está feito, e que não havia nada que eu pudesse fazer. Mas eu não queria. Eu poderia ter mudado as coisas… mas não quis. O conforto de viver sem responsabilidades me hipnotizou. Ficar dentro de casa, como uma árvore incapaz de se mover, me dava segurança.
Eu praticamente tirei essa família da pobreza — não com o dinheiro que ganhei, mas com a importância que tenho para o Exército.
Mas… e a família do meu mundo real? Eu poderia ter estudado, trabalhado, tirado nós daquela maldita casa velha. Mas não pensei nisso. Não pensei em melhorar a vida da minha mãe e do meu irmão. Pensei apenas em mim. Apenas na inveja que sentia dele.
Estava tão triste que senti novamente aquela vontade imensa de morrer, de simplesmente parar de pensar. Foi isso que me matou na vida passada. Eu entendi o quão inútil tinha sido. O quanto de desgosto devo ter causado à minha família.
Para mim, aquilo era irreversível. Quanto mais eu pensava, mais percebia o quanto errei. O arrependimento por não ter feito diferente me corroía. Me matava por dentro.
Eu estava tão imerso em meu próprio julgamento que nem mesmo havia percebido que Nytheris tinha saído do banheiro. Seus braços me envolveram por trás, me embalando em um abraço gentil e reconfortante.
— Flügel, está tudo bem, cara — ele me confortou. Sua voz, um bálsamo para a minha alma culpada, salvou-me do meu próprio julgamento impiedoso.
Pela primeira vez em muito tempo, eu chorei como uma criança. Nem mesmo quando eu estava apodrecendo dentro daquela casa eu chorava assim: eu simplesmente não me importava. Meus ombros balançavam levemente a cada soluço por conta do choro.
Eu chorei mais do que nunca.
Após não ter mais lágrima alguma para derramar, senti todo o cansaço pesar sobre minha mente e meu corpo. Uma dor de cabeça aguda, olhos pesados e inchados. E aquele sentimento de arrependimento continuava em meu peito, me fazendo querer arrancá-lo para fora à força.
Nytheris me ajudou a descer da janela e me guiou até a minha cama, sem dizer uma única palavra. Eu me deitei, deixando a maciez do colchão sustentar todo o peso do meu corpo.
Nytheris me cobriu com o cobertor e se desfez em um rio de mana negra, penetrando meu peito e parando acima do meu coração. Sua presença exalava um calor reconfortante, o que me ajudou a dormir poucos segundos após deitar.
…
— Certo, você fez bem. — Grenhard disse com um sorriso enquanto olhava a folha de papel com meus problemas de matemática resolvidos. Ele sempre me dava contas para eu resolver e mostrar no dia seguinte.
— Certo, hoje você vai aprender o Estilhaço de Alvorada. É uma magia de nível perito, do elemento luz. Hoje vamos saber se você é capaz de usar tal elemento. — Grenhard ajeitou os óculos com o dedo do meio antes de continuar. — Mas antes, vou te dar outro livro para ler.
Eu assenti com a cabeça enquanto Grenhard se levantava de sua cadeira. Já estávamos na Biblioteca das Eras; nosso ponto de encontro era lá. Demorei um pouco para decorar o caminho, sempre precisava da ajuda de Nytheris para chegar.
— Vamos ver… — Grenhard ficou parado em frente a uma estante, indeciso sobre qual livro pegar. Eram dois: um aparentemente de línguas e outro sobre os magos mais importantes historicamente.
Grenhard pegou o da esquerda, de capa marrom; era bem grosso e grande. — Leia este livro — disse, me entregando-o. — É um livro sobre línguas. Vai te ensinar sobre a história da língua dos humanos e também sobre outras.
— Oh, certo, obrigado. — Falei, pegando o livro, abrindo-o na primeira página e folheando rapidamente só para conferir o conteúdo. — Tem prazo para eu terminar? — perguntei, levantando a cabeça e olhando nos olhos de Grenhard.
— Sim, mas não será de três dias. Como esse livro é maior, te darei uma semana para lê-lo, e depois quero um resumo do que aprendeu.
Balancei a cabeça concordando, fechei o livro, peguei minha mochila e o guardei.
— Certo, então venha, vou te ensinar sobre o feitiço de luz — Grenhard começou a andar, guiando-me até a área de treino da academia Aera Veyris.
Assim que chegamos, ele nos levou ao local de sempre, mais para o canto, com o mesmo boneco de pedra.
— Certo, preste atenção e depois repita, tudo bem? — Grenhard olhou para mim, vendo se eu prestava atenção, e então continuou:
— O encantamento é: Fragmento do dia nascente, rasgue a penumbra, queime a escuridão e brilhe onde meus olhos desejarem.
Estilhaço de Alvorada!
Assim que terminou de recitar, uma luz em forma de cristal longo, mas pequeno, saiu de sua mão e bateu no boneco de pedra. Ele não sofreu dano, mas o estilhaço foi incrivelmente rápido.
— Agora é sua vez. Tente repetir o feitiço exatamente como eu disse — disse Grenhard, dando um passo para o lado.
Assenti, levantei a mão direita e recitei com clareza:
— Fragmento do dia nascente, rasgue a penumbra, queime a escuridão e brilhe onde meus olhos desejarem. Estilhaço de Alvorada!
Senti a mana se reunir, quente e leve. Um pequeno feixe de luz formou-se na minha palma e disparou como um cristal brilhante. Voou reto até o boneco, mas se dissipou antes de tocar a pedra.
— Muito bem, já que conseguiu ativar o Estilhaço de Alvorada, podemos ir além — disse Grenhard, cruzando os braços. — Você entende o que essa magia realmente faz?
— É um projétil de luz. Rápido, mas fraco. Serve mais para distração ou para impedir o avanço do inimigo — respondi.
— Quase isso. O Estilhaço de Alvorada é uma magia de precisão. Não é sobre força, mas sobre acertar pontos vulneráveis: olhos, articulações, lacunas em armaduras. Foi criada para duelos entre magos e cavaleiros — explicou ele. — Contra um monstro de pele grossa, não vai adiantar. Mas contra um soldado, pode decidir uma luta em segundos.
Fiquei em silêncio, assimilando a informação.
— Agora anote isto — continuou Grenhard, tirando um pequeno caderno do bolso e jogando-o para mim. — Existem três categorias básicas de feitiços: destrutivos, funcionais e condicionais.
— Certo — falei, abrindo o caderno e pegando uma pena.
— Destrutivos são autoexplicativos: fogo, explosões, lâminas de vento, tempestades. Ligados a combate direto.
— Funcionais seriam teleporte, barreiras, detecção? — perguntei.
— Exato. E condicionais dependem de alguma circunstância, como “ativar sob impacto” ou “reagir à presença de mana de outro”. São mais complexos, normalmente exigem conjurações longas ou círculos mágicos — disse ele, desenhando um círculo no chão com o pé. — Este, por exemplo, é um selo de vigilância. Fica invisível após ativado e acende quando alguém pisa, criando um grande clarão para detectar inimigos.
Observei o símbolo, memorizando os traços.
— Certo, agora você irá tentar, Nytheris — disse Grenhard, olhando para ele.
Nytheris deu um passo à frente e olhou para Grenhard.
— Nunca tentei usar magia de luz. Não sei se consigo.
— Use o encantamento do Flügel — disse Grenhard, calmo. — Deixe a mana fluir. Não tente controlar demais.
Nytheris ergueu a mão e respirou fundo:
— Fragmento do dia nascente, rasgue a penumbra, queime a escuridão e brilhe onde meus olhos desejarem. Estilhaço de Alvorada.
Nada aconteceu.
Silêncio.
Ele tentou de novo, concentrou a mana, mas nenhuma resposta: nem brilho, nem faísca.
Grenhard olhou para Nytheris como se já esperasse aquilo e disse em tom calmo:
— Você é feito do elemento escuridão, então não será compatível com magia de luz. Mas isso só significa que se dá muito bem com escuridão.
Nytheris acenou e retornou ao meu lado. Desde ontem à noite, está mais calado e reservado.
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