Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 26 — A Arte da Guerra
Após a aula de Grenhard, meu destino era o quartel localizado ao norte de Tournand. Era ali que mestre Álvaro ministrava suas instruções, tanto para mim quanto para dezenas de outros recrutas.
O quartel norte era mais do que um simples centro de treinamento — era onde todos os cadetes aprendiam não apenas a manejar armas, mas também a aplicar táticas militares, estratégias de guerra e leitura de mapas. Um local onde disciplina e suor moldavam soldados.
O sol brilhava impiedoso sobre o reino, como se estivesse testando a minha resistência ainda antes do treino. Provavelmente já era meio-dia.
“Droga, que calor…” reclamei para Nytheris, suspirando enquanto sentia o peso da luz em minha pele.
— Hoje eu vou voando, minha cabeça está doendo, e ir andando vai demorar.
Com um sutil comando mental, senti a mana fluir pelas minhas veias como um rio caudaloso. Meu corpo se tornou leve como uma pena, e uma corrente de vento surgiu ao meu redor, elevando-me acima das casas de pedra e telhados avermelhados.
O vento acariciava meu rosto à medida que avançava pelos céus de Tournand. Lá de cima, o quartel era fácil de reconhecer — uma estrutura robusta cercada por muralhas cinzentas, com torres de observação e campos de treinamento ao ar livre. O som metálico das espadas e os gritos dos instrutores já podiam ser ouvidos mesmo a uma certa distância.
Ultimamente, minha mana tinha aumentado consideravelmente, então não me preocupei em economizá-la. Atravessar o céu em alta velocidade era mais prático e, naquele calor, quase um alívio.
Eu desci em um mergulho, desativando a magia gravitacional, deixando meu corpo pegar embalo enquanto usava a magia de vento para cortar a resistência do ar. Para parar, eu fiz exatamente o contrário, retirei o peso que a gravidade exercia sobre mim e aumentei a resistência do ar ao meu redor para frear a queda.
Ao pousar na entrada do quartel, eu ajeitei a minha camiseta que estava um pouco torta e dei o primeiro passo.
Ao pisar para dentro do quartel, fui imediatamente engolido por uma atmosfera densa — não só pelo calor abafado que se acumulava entre as muralhas, mas também pelo peso da rotina militar que parecia impregnar o ar. O chão de pedra desgastada ressoava sob meus passos, riscado por anos de marcha e treinamento. Havia um cheiro forte de suor, couro e ferro, misturado ao aroma distante de carne assada vindo da cantina.
O pátio central era amplo e retangular, delimitado por áreas de treinamento. À direita, soldados praticavam duelos em plataformas elevadas, suas espadas se chocando com estalos secos.
À esquerda, um grupo realizava flexões sob gritos de um instrutor carrancudo, que agitava um bastão como se fosse uma extensão de sua própria fúria. Mais adiante, a torre de comando se erguia imponente, com bandeiras do Reino de Tournand tremulando preguiçosamente sob o vento.
Passei por um corredor coberto, onde a sombra era um breve alívio. Placas de madeira com inscrições militares estavam afixadas nas paredes — alertas, escalas, recomendações táticas. Um recruta tropeçou à minha frente carregando lanças empilhadas e quase me derrubou. Só tive tempo de dar um passo para o lado.
— Foi mal! — ele gritou, seguindo apressado.
Continuei andando até o refeitório, guiado pelo cheiro tentador. A cantina do quartel não era grande, mas sempre estava lotada. Soldados, recrutas e até alguns oficiais comiam lado a lado, suas conversas abafadas pelo som constante de talheres batendo em pratos de madeira. O teto era sustentado por vigas grossas e escuras, com pequenas janelas abertas para tentar manter o ambiente bem ventilado.
Peguei minha bandeja e caminhei pela fila. Hoje o almoço era pão preto, carne de algum animal assada com molho espesso e uma tigela de raízes cozidas. Nada refinado, mas quente e bem temperado o tipo de refeição que te dava energia para aguentar uma tarde inteira de exaustão.
Sentei-me sozinho numa das mesas próximas à parede. Evitava os grupos barulhentos e os olhares curiosos sempre que possível. Nytheris, silencioso, permanecia quieto dentro da minha mente, observando tudo como se fosse um espectador distante.
“Não vai comer hoje, Nytheris?” perguntei enquanto mastigava a carne dura, apesar de dura ela estava deliciosa para o meu estômago faminto.
“Não. Hoje eu não quero.” Nytheris respondeu em minha mente. Apesar dele sempre gostar de ficar no meu peito, hoje ele estava estranhamente mais apegado.
Terminei a comida rapidamente, deixei a bandeja na bancada de devolução e saí da cantina com passos mais pesados, agora com o estômago cheio.
O próximo destino era a sala de táticas militares, localizada no segundo andar da ala leste. Subi as escadas de pedra, cruzando corredores mais silenciosos, onde as vozes dos instrutores ecoavam por trás de portas entreabertas. A sala do instrutor Darel ficava no fim do corredor, um homem severo, conhecido como um dos melhores professores sobre estratégia. Sua fama era marcada por cicatrizes no rosto e por seu amor incondicional por mapas.
Entrei na sala.
As paredes estavam cobertas por mapas de várias regiões do reino, diagramas de formações de batalha e painéis com anotações detalhadas. No centro, uma longa mesa de madeira servia como apoio para miniaturas de soldados, cavalos e barricadas. Havia já alguns alunos sentados, e o instrutor Darel organizava peças de madeira sobre um mapa de relevo.
Ele ergueu os olhos na minha direção, mas não disse nada. Apenas indicou com a cabeça para que eu me sentasse.
Sentei-me em silêncio, sacando meu caderno e uma pena. As aulas de Darel eram mais exigentes que qualquer outro treinamento físico, pois forçavam a mente a imaginar a guerra como um tabuleiro onde um erro significava centenas de mortes.
E eu gostava disso.
— Hoje, vamos revisar a Batalha dos Doze Arcos — anunciou Darel, sua voz grave preenchendo a sala.
Ele apontou para um mapa estendido sobre a mesa central. Nele, os contornos das Montanhas Édricas cercavam um vale estreito, por onde um exército inimigo havia avançado décadas atrás. Miniaturas de soldados foram colocadas em posições-chave.
— Vocês — disse ele, encarando a turma — são o general desta unidade destacada ao norte. Seu inimigo vem do sul, com tropas mais numerosas. Vocês têm menos homens, mas conhecem o terreno. Se não contiverem o avanço, Tournand seria o próximo alvo.
Fiquei em silêncio, observando os marcadores com atenção. Darel começou a caminhar lentamente pela sala, as mãos cruzadas nas costas.
— Flügel. — Sua voz cortou o ar como uma flecha.
Levantei os olhos e encarei o instrutor.
— Sim, senhor?
— Como você evitaria o cerco das tropas inimigas nesta posição aqui? — Ele indicou um estreito desfiladeiro ao sul do mapa, ladeado por árvores e penhascos. — Quero ouvir a sua resposta antes que qualquer outro abra a boca.
Minha mente começou a trabalhar rápido. Visualizei a paisagem em camadas, como se estivesse sobrevoando o campo de batalha. Lembrei das formações que tínhamos estudado nas últimas semanas. A resposta veio, crua e direta:
— Usaria o desfiladeiro como armadilha. Enviaria uma tropa menor para provocar o avanço inimigo, como se estivéssemos recuando. Quando o grosso das forças inimigas entrasse no desfiladeiro, detonaria a encosta com magia de terra e pedras soltas. Depois, atacaria pelos flancos com arqueiros e unidades móveis — respondi, tentando manter a calma.
Um breve silêncio caiu sobre a sala.
Darel arqueou a sobrancelha. Então deu um leve aceno com a cabeça.
— Correto. Mas… — ele se aproximou da mesa e reposicionou algumas miniaturas — o inimigo também pode ter magos. Se perceberem a armadilha a tempo, eles poderão neutralizar a queda de rochas ou abrir um novo caminho com magia. Como você lidaria com isso?
Pensei por alguns segundos, e então respondi:
— Eu usaria mana para criar ilusões antes do ataque real. Faria parecer que há tropas posicionadas nos flancos para distraí-los. Se isso não os deter, a segunda linha pode ser formada por usuários de magia de contenção. Enfraquecer o fluxo de mana da região… talvez com uma formação previamente preparada.
Darel permaneceu em silêncio por um instante. Então deu um leve sorriso — quase imperceptível, mais um levantar de canto de lábio que qualquer outra coisa.
— Está começando a pensar como um comandante. Continue assim e você irá longe, Flügel.
Alguns colegas me lançaram olhares enviesados, seja por raiva, inveja ou simples desconforto. Mas não me importava. Eu não estava ali para agradá-los.
A aula prosseguiu com outros alunos sendo testados, com erros e acertos. Darel não pegava leve com ninguém. Sua presença era possivelmente pior do que ficar com uma espada pressionada contra a garganta.
O tempo passou rápido. Quando o sino do quartel soou ao longe, indicando o fim da hora, todos começaram a guardar seus materiais. Levantei-me lentamente.
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