Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 28 — Feriado
Hoje era feriado. Eu finalmente poderia descansar das garras do mestre Álvaro. Em quatro dias da semana eu treinava com ele em particular — e esses três dias restantes eram o puro inferno. Ele me forçava a usar o ardema ao máximo, até o ponto em que meu corpo quase cedia.
Fazia-me balançar a espada três mil vezes em três ângulos diferentes, totalizando nove mil balanços. E ainda me obrigava a fazer flexões e correr.
Eu estava até começando a achar que aquele velho gostava de maltratar crianças.
— Ugh… — gemendo de dor, me forcei a levantar da cama. Meus músculos gritavam por misericórdia.
Olhei pela janela. O sol já banhava o reino de Tournand com seu calor reconfortante e gentil. O céu estava limpo — um ótimo dia para compras. Todos nós sairíamos hoje para fazer compras.
Troquei-me com calma, vestindo uma calça preta e leve, calcei as botas sujas de terra e coloquei uma camisa de botões. Espreguicei-me, fui até o banheiro, lavei o rosto e fui direto para a cozinha.
Lá encontrei todos tomando café da manhã, enquanto Nytheris fazia mais pancos — uma massa macia e doce, que sempre era mais gostosa acompanhada de frutas. Pancos eram o café da manhã preferido da maioria da família.
— Oh, você acordou, Flügel? — disse Sophia, me olhando por cima de Mael. Ela estava com a boca cheia de panco com uma fruta avermelhada.
— Sim. Eu vou correr, tudo bem? — anunciei, olhando para o rosto de todos, esperando Nytheris terminar de fazer o último panco e entregá-lo a Aragi.
— Não vai descansar hoje de novo? — Sophia falou com o cenho franzido. Ela sempre me dizia que eu deveria tirar meu dia de folga para descansar totalmente. Mas eu não conseguia.
Na minha vida passada, eu odiava correr. Minhas pernas doíam só de correr incríveis dez metros. Eu não queria ser sedentário daquela maneira nunca mais.
E também havia outra razão pela qual eu sempre corria, mesmo em feriados: eu havia tomado gosto pela coisa.
Exercitar meu corpo me fazia sentir vivo depois do treino. E meu dia sempre começava bem quando eu me exercitava. Eu só não gostava de chegar ao ponto de quase morrer, como sempre acontecia nos treinos exaustivos com mestre Álvaro.
— Você sabe que eu gosto de correr. Não vou longe hoje, já que vamos fazer compras, então logo estarei em casa —. Nesse meio tempo, Nytheris já havia desmaterializado seu avental e roupas caseiras, trocando para uma roupa justa, boa para correr e se exercitar.
— Voltaremos logo — disse Nytheris com um sorriso no rosto.
Despedi-me de todos e saí de casa junto com Nytheris. A casa era simples, com dois pedaços de terra no quintal onde podíamos plantar flores ou pés pequenos. O caminho até o pequeno portão era feito de pedras — pequenos ladrilhos colocados cuidadosamente.
A casa não tinha rachaduras nem aparência de um lar antigo, mas também não era perfeita. Dava para ver o que o tempo havia feito nela em certos pontos, mas não havia do que reclamar. Era uma casa muito melhor do que aquela velha casa de madeira nas favelas.
Definitivamente, também era melhor do que a casa na qual eu morri na minha vida passada. Aquela maldita casa não tinha nem portas nem descarga. Suas paredes eram todas rachadas e velhas.
Na calçada, fiz alguns alongamentos — apenas o básico para soltar os músculos doloridos e rígidos.
— Você não precisa alongar mesmo? — perguntei a Nytheris enquanto esticava minha perna direita. Os músculos doloridos da coxa gritavam de dor, mas eu me forcei a continuar o alongamento até terminar.
— Não — respondeu Nytheris simplesmente, olhando para o horizonte. Seus olhos negros, profundos como um poço sem fim, pareciam sempre atentos, mesmo quando seu rosto permanecia sereno. — Eu não tenho músculos.
— Sortudo você — murmurei, forçando um sorriso enquanto alongava a outra perna.
— Talvez…
Terminamos o aquecimento e começamos a correr lado a lado, saindo do bairro residencial. Os passos ecoavam pela rua de pedras ainda silenciosa. A maioria das pessoas dormia ou se preparava para o feriado, então as ruas estavam quase vazias, banhadas por uma luz dourada.
Nytheris corria com passos leves, mas firmes. Ele não parecia se cansar, como sempre. Tinha a postura ereta, o olhar sempre à frente, e não transpirava uma gota. Às vezes, eu me perguntava se ele fazia isso só para me humilhar.
— Vai querer fazer o percurso todo hoje? — perguntei entre respirações, depois de passarmos por uma fonte velha cercada de bancos de madeira.
— Não. Só até a ponte, depois voltamos — respondeu, sem nem perder o fôlego. A ponte ficava a uns dez minutos de corrida, o que era ideal.
Corremos em silêncio por um tempo, e o som dos pássaros começou a preencher o ar. O frio da manhã começava a ceder com o calor do sol. A cada passo, eu sentia os músculos reclamando, mas também me sentia mais leve. O ar puro, a calma, o som do vento… Havia algo reconfortante em apenas correr.
Chegamos à ponte — uma estrutura simples de pedra por onde passava um riacho de águas claras. Paramos por um instante, apoiando-nos no parapeito. A água corria serena, refletindo o azul do céu.
— Está mais limpa que o normal — comentei.
Nytheris apenas assentiu, os olhos negros observando o fluxo da água.
— Vamos voltar? — perguntei, sentindo o suor começar a se acumular na testa.
— Vamos.
O caminho de volta foi mais leve. Meu corpo já estava aquecido e a dor havia se tornado suportável. Quando avistamos a casa, pude sentir o cheirinho doce dos pancos ainda no ar, escapando pelas janelas abertas.
— Aposto que sobrou um pra mim — falei com um sorriso cansado.
— Aposto que a Sophia comeu o último — respondeu Nytheris, com a voz calma, mas com um leve tom de humor. Como era sempre ele quem fazia os pancos, ele sabia o quanto cada um os adorava.
Entramos pela porta da frente, tirando o pó das botas no tapete. O calor do interior da casa era aconchegante.
Era feriado. E, por enquanto, estava tudo bem.
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