Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 36 — Selo Carmesim
— Não mexa nisso — Nytheris advertiu, puxando meu braço para trás. — É magia de escuridão corrompida… Um tipo de magia proibida.
Ignorei o aviso e examinei a parte interna da máscara, onde não havia aquela escuridão estranha. Nas bordas, quase imperceptíveis, pequenos glifos brilhavam fracamente, parecendo reagir à minha proximidade. Eram círculos concêntricos atravessados por linhas quebradas, como um sol aprisionado por espinhos.
— Isso… parece um selo — murmurei enquanto pegava a máscara nas mãos e tocava os símbolos com a ponta dos dedos.
Os glifos arderam em carmesim, e a máscara tremeu em minhas mãos. Uma voz estridente ecoou dentro da minha cabeça: — Aquele que não pertence a este mundo, deve desaparecer!
Estremeci, e, quando ia largar a máscara, ela explodiu. Um clarão cegante engoliu minha visão.Meus ouvidos zumbiram até o silêncio tomar conta, e o mundo se dissolveu em silêncio. Quando a luz recuou, cambaleei para trás, a visão embaçada voltando aos poucos.
Olhei para baixo, e o horror me atingiu como um soco: minhas mãos estavam devastadas, a pele carbonizada, a maioria dos dedos reduzida a tocos sangrentos, os poucos que restavam mostrando ossos expostos e carne derretida pendurada em fiapos. Meus braços estremeciam, os tendões visíveis sob a pele queimada até o cotovelo.
— ARRRHHH!! — gritei, o som rasgando minha garganta, mais de pavor do que de dor. O choque entorpeceu meu corpo, mas a visão daquelas mãos mutiladas era um pesadelo vivo. Meus olhos começaram a arder, uma queimação seca e cortante que me fez tentar piscar por instinto.
Nada. Tentei outra vez, desesperado, mas os músculos ao redor dos olhos estavam inertes. Levei as mãos trêmulas ao rosto, os tocos ensanguentados roçando a superfície úmida e sensível dos meus olhos.
O pavor me atravessou como uma lâmina. Eu podia sentir os globos oculares, expostos e desprotegidos, sem as pálpebras para cobri-los. Elas tinham sido queimadas, destruídas na explosão.
— Minhas pálpebras sumiram! — gritei, a voz falhando enquanto o terror tomava conta. Eu não podia fechar os olhos, não podia escapar da visão grotesca das minhas mãos destruídas. O mundo inteiro parecia me encarar de volta, e eu não tinha como me esconder.
Nytheris apareceu ao meu lado, a mão etérea firme no meu ombro, forçando-me a deitar no chão úmido. — Calma, Flügel! — disse ele, a voz carregada de urgência. Murmurou com pressa:
— Ó rio sagrado, cure este corpo
Uma luz verde brotou de sua forma etérea, envolvendo minhas mãos e rosto. A dor começou a surgir, um fogo lento que rastejava sob a pele, mas logo se suavizou.
A magia agiu rápido: a carne queimada nas palmas e braços se fechou, cobrindo os ossos expostos com uma pele fina e rosada. Os tocos cicatrizaram, deixando bordas irregulares, mas não cresceram de volta.
Nos meus olhos, a queimação diminuiu, e senti uma pressão leve — pisquei, aliviado, percebendo que as pálpebras haviam se regenerado, finas e frágeis, mas funcionais. A luz de Nytheris enfraqueceu, e ele caiu em silêncio, os olhos negros fixos em mim.
Seu rosto carregava mágoa, tristeza, fúria e preocupação.
— Eu fiz o possível. Vamos voltar logo. — Assim que Nytheris terminou a frase, o mundo tornou-se um clarão outra vez.
— A morte não o aceita, Flügel. Retorne e aprenda com seus erros.
A luz caótica explodiu novamente, um turbilhão de cores que queimava os olhos…
— Não mexa nisso — Nytheris disse, puxando meu braço para trás. — É magia de escuridão corrompida… um tipo de magia proibida.
‘Oh, eu… retornei.’ Estava confuso. Dessa vez, não senti tanta dor, apenas voltei.
— Certo… — disse, afastando-me da máscara e do corpo. Não queria correr o risco de explodir aquela coisa novamente. E, aparentemente, o corpo também podia explodir.
Rapidamente reduzi meu peso a quase zero com magia gravitacional. Nytheris não perdeu tempo e entrou no meu braço, deslizando para o meu peitoral. Usando uma corrente de ar, voei para o céu.
Afastei-me um pouco, todo cuidado era pouco. Pousei na floresta e peguei o mapa no meu cinto. No chão, apanhei um pequeno graveto, queimando-o na minha mão com magia de fogo até transformá-lo em carvão. Marquei o local onde estavam a carruagem, os corpos e o Vulto Esfarrapado.
— Certo… — murmurei para mim mesmo, guardando o mapa e subindo ao céu outra vez, voando em direção ao portão menor de Tournand.
“Acho que aquilo era obra do Lich”, a voz de Nytheris cortou meus pensamentos — sobre minhas mortes, aquelas entidades e o ser que eu chamara de Vulto Esfarrapado.
“Eu também”, respondi. Era óbvio que isso já era um pensamento recorrente na minha mente. Magia de escuridão, coisas mortas e bizarras, estava na cara que era obra daquele maldito Lich.
O resto do voo foi em silêncio, apenas o barulho do vento nos meus ouvidos. Não demorei a chegar ao portão menor de Tournand.
Entrei rapidamente na base, acenando para os guardas conhecidos. O cheiro dentro da base trouxe uma nostalgia que contrastava com o turbilhão de ansiedade que eu sentia.
Na sala de comando, o Capitão Eadric conversava com outros guardas, um grande mapa ainda estendido sobre a mesa.
— Capitão Eadric — chamei, aproximando-me. Peguei o mapa da minha cintura, abri-o e coloquei-o sobre a mesa, apontando o local marcado no meu mapa e depois no mapa maior, para mostrar aos outros guardas onde ficava aquela anomalia na floresta.
— Quatro mortos, carruagem quebrada. Assim que desci para ver se havia sobreviventes, um monstro me atacou. Eu e meu familiar conseguimos matá-lo facilmente. Porém, ele não faz barulho algum, é rápido e forte. Em sua máscara há runas, assim como no corpo. Suspeito que sejam runas para uma auto destruição caso sejam tocadas. E ele provavelmente é imune aos sinos — falei tudo o que era mais importante, sem dar espaço para interrupções.
— Você conseguiu matar esse monstro? Parabéns, garoto, mas foi arriscado. Deveria ter recuado — Eadric disse, pegando a pena e molhando a ponta no tinteiro, marcando com um círculo o ponto que eu indiquei no mapa grande.
— Você está machucado, Flügel? — perguntou ele, olhando-me de baixo acima. Seus olhos suavizaram-se com pena ao verem meus olhos arregalados, ainda chocados pela desgraça que eu enfrentei.
— Não deve ter sido fácil ver pessoas mortas e lutar sozinho, mas você se saiu bem. Com certeza ganhou muitos pontos. Vá para casa. Se precisar de magia de cura, posso lançar uma de alto nível em você agora mesmo — disse o Capitão Eadric, um mago poderoso cuja magia de cura era uma das melhores do reino, sua afinidade com o elemento surpreendente.
— Estou bem, Capitão. Irei me retirar agora — respondi, forçando um sorriso e um gesto de respeito. — Obrigado pela oferta.
Virei-me e saí da sala de comando e da base. Dentro do reino, permiti-me relaxar. Meus músculos estavam tensos e rígidos; o medo daquela escuridão me engolindo toda vez que eu era cortado ainda pesava sobre mim, como um cobertor me mantendo na sombra do terror.
Forcei-me a caminhar. Minha casa não era tão longe, mas, enquanto andava, cada canto escuro me assustava. Eu via aquele rosto com a máscara de osso me encarando em cada beco e sombra.
“O que aconteceu, Flügel?” perguntou Nytheris. Ele já percebera que eu estava mais perturbado do que nunca, mesmo sem ter sofrido quase nada contra aquele monstro — apenas o susto dele surgindo às minhas costas.
“Nada…” forcei-me a parecer convincente. Também temia o que seria aquele inferno sem fim que as entidades prometeram caso eu falasse sobre os retornos.
Caminhei em direção à minha casa, ansiando por um banho e uma noite de sono. O peso do dia caía sobre meu corpo e minha mente.
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