Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 41 — Ocupado Demais
Eu assisti Eadric partir. quando ele entrou em uma carruagem bem adornada, eu me virei para Nytheris e disse:
— Bom, eu vou tomar um banho antes de nós irmos para o quartel, estou suado e sujo de grama — Eu segui direto para o banheiro enquanto Nytheris caminhava atrás de mim, passei pela cozinha onde Sophia estava lavando a louça do café da manhã.
Nytheris ficou pela cozinha enquanto eu segui para o meu quarto, peguei uma toalha do guarda roupas e entrei no banheiro. Meus músculos tensos e doloridos relaxaram sob o calor reconfortante da água.
Depois do banho quente e revigorante, eu vesti roupas limpas e apresentáveis, elas consistiam em uma calça preta justa, botas de couro e uma camiseta cinza. Era um conjunto de roupas comuns em meu guarda roupas simples.
Olhei-me por um instante no espelho, vendo que estava bem o suficiente para sair, eu não precisava de muito para visitar o quartel general, não há muitos que se vestem de maneira formal naquele local.
Eu coloquei meu cinto habitual, mas hoje eu não iria levar nenhuma bolsa presa a ele. Hoje provavelmente eles discutiriam apenas sobre a expedição e me apresentariam aos integrantes, então não precisaria ir preparado para entrar em batalha
Saindo do quarto, eu me deparo com Elijah, com seus onze anos, ele estava bem mais crescido, seu cabelo cinza era sua característica mais chamativa, mas aqueles olhos pretos cheios de esperança e ingenuidade também ficaria gravados na mente de qualquer um.
Eu fiquei um pouco surpreso com o quanto Elijah havia crescido nos últimos anos, e uma onda de arrependimento me atravessou quando aqueles olhos cheios de infantilidade me encararam.
‘Eu ando tão ocupado que acabei nem prestando atenção no crescimento de Elijah. Mael deve estar tão maior também.’
— Flügel, você tá indo pro quartel de novo? — perguntou Elijah, sua voz infantil ecoando pelo corredor, cheia de curiosidade, mas com um toque de preocupação que me pegou desprevenido. Ele estava parado na minha frente, o cabelo cinza caindo sobre a testa, e eu notei como, apesar de ser um ano mais velho, ele parecia tão pequeno ao meu lado. Com onze anos, Elijah mal me alcançava o meu ombro, apesar do seu corpo ainda ser magro e carregar a leveza de uma criança comum, ele continha mais força que crianças comuns, Elijah treinava esgrima e possuía um ardema.
Mas, eu com meus dez anos, era mais alto, os músculos dos braços e pernas endurecidos pela poção e pelo treinamento incessante, um contraste gritante que fazia meu peito apertar ainda mais com culpa.
— É, Elijah — respondi, forçando um sorriso para mascarar o peso que suas palavras traziam. — Só uma reunião no quartel. Nada demais.
Ele franziu a testa, os olhos pretos estreitando como se tentasse ver além do que eu dizia. — Mamãe disse que você faz coisas perigosas — murmurou, chutando o chão com a ponta do sapato. — Tipo… lutar com monstros. É verdade?
O pergaminho enfiado no cinto pareceu pesar mais que um bloco de cimento e a memória da floresta, o medo que ainda me acordava suando à noite passou como um relâmpago pela minha mente. Queria mentir, dizer que era tudo exagero, mas aqueles olhos tão cheios de esperança não mereciam uma mentira.
— Às vezes — admiti, bagunçando o cabelo cinza dele para aliviar a tensão. — Mas eu sou forte, sabe? Acabei de vencer Nytheris hoje.
Os olhos de Elijah se arregalaram, a preocupação dando lugar a um brilho de pura admiração. — Sério? Nytheris? Ele é tipo… imbatível! — Ele deu um passo pra trás, me olhando de cima a baixo, como se só agora notasse o quanto eu tinha mudado. — Eu também posso te ajudar nisso! Na academia o professor disse que eu sou o melhor da turma e que estava indo muito bem na esgrima e na magia! Sério!
Eu ri, mas o som saiu mais triste do que eu pretendia. — Não viaja, seu baixinho. Você não duraria um segundo em uma luta de verdade.
Elijah estufou as bochechas e fez um biquinho fofo, mas antes que pudesse retrucar, a voz de Sophia veio da cozinha, firme, mas carregada de um tom que eu conhecia bem demais: uma mistura de amor e medo. — Flügel, vem aqui antes de sair.
Elijah hesitou, como se quisesse dizer mais, mas deu de ombros e disparou em direção ao quintal, gritando algo sobre contar a Mael que eu tinha vencido Nytheris. Fiquei parado por um instante, vendo ele sumir pela porta dos fundos, a culpa ainda pesando como uma âncora no peito. Como eu tinha deixado o tempo passar assim, sem notar o quanto ele e Mael cresceram?
Caminhei até a cozinha, onde Sophia estava secando um prato com uma força que não precisava. Nytheris estava encostado na parede, os olhos negros me seguindo em silêncio, como uma sombra que nunca me deixava. Sophia não me olhou de imediato, mas seus ombros tensos diziam tudo o que eu não queria ouvir.
— Outra missão, não é? — perguntou ela, finalmente erguendo os olhos. Eles carregavam uma dor que cortava fundo, como se ela pudesse ver as cicatrizes que a floresta deixou em mim. — Vi o Capitão Eadric conversando com você no quintal. Ele não aparece aqui por nada.
Eu engoli em seco, o pergaminho no cinto ganhando mais peso novamente.. Queria tranquilizá-la, dizer que era só uma reunião, que eu estava mais forte agora, que tinha derrubado Nytheris com a força bruta recém ganhada. Mas o meu próprio medo interno travou a minha língua.
— É só uma expedição — murmurei, desviando o olhar para o chão. — Garrick quer meu suporte. Vou ao quartel agora pra saber mais.
Sophia largou o prato na pia, o som seco ecoando na cozinha silenciosa. — Você tem dez anos, Flügel. Dez. — A voz dela tremia, cada palavra como um golpe. — Não importa o quão alto ou forte você ficou agora, você é meu filho. E desde aquela floresta… — Ela parou, os olhos marejando, e eu sentio meu peito afundar com aqueles olhos à beira do choro. — Você não é mais o mesmo.
Queria contar tudo os pesadelos, o medo, a força que me mantinha em pé apesar de tudo. Mas as palavras ficaram presas, como sempre. — Eu vou ficar bem, mãe — disse, forçando firmeza na voz. — Prometo.
Ela balançou a cabeça, voltando para a pia rapidamente, mas ela não foi rápida o bastante para esconder aquela lágrima escorrendo em sua bochecha. Nytheris se mexeu, como se quisesse dizer algo, mas apenas me lançou um olhar que dizia que ele entendia, mesmo sem falar.
Saí da cozinha, o coração mais pesado do que nunca. Nytheris me seguiu, seus passos leves como uma brisa. As ruas de Tournand estavam cheias de vida, mercadores gritando, crianças correndo, mas tudo parecia distante, como se eu estivesse preso naquela tarde na floresta onde tudo mudou.
A vitória sobre Nytheris ainda pulsava em mim, um orgulho feroz que dizia que eu não era mais aquele garoto fraco que entrou em pânico na primeira batalha real. Mas o pergaminho trazia um frio que percorria todo o meu corpo. O que Garrick queria? E por que eu sentia que essa expedição era um passo mais perto do abismo que quase me engoliu?
O portão do quartel surgiu à minha frente, o brasão de Tournand brilhando sob o sol. Soldados cruzavam o pátio, carregando caixas e armas. Respirei fundo, o ardema quente em meu peito, e cruzei o portão, com Nytheris ao meu lado.
— Flügel — disse uma voz grave, cortando o burburinho. Major Garrick estava no centro do pátio, cercado por um grupo de soldados e magos, todos mais velhos, mais experientes. Seus olhos, duros como pedra, fixaram-se em mim, e o peso da expectativa dele era quase físico. — Você chegou na hora certa. Venha. É hora de conhecer sua função de amanhã.
Nytheris ficou parado, seus olhos negros me dando um apoio silencioso. Eu estufei o peito, pronto para o que viesse. Mas enquanto seguia Garrick até a sala de estratégias, uma imagem passou pela minha mente: Elijah, pequeno e cheio de esperança, me olhando como se eu fosse um herói. E, por um instante, eu me perguntei se essa expedição me tornaria o herói que ele via ou apenas um eco do garoto que o vulto quebrou.
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