Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    O primeiro volume eu escrevi em primeira pessoa, mas a partir do segundo vou escrever em terceira pessoa.

    Eles eram, sem dúvida, um grupo poderoso. Entre eles, Flügel reconheceu um dos velhos.

    — Oh? Você cresceu, e muito — disse Thalion, ajeitando o monóculo, que agora a lente exibia uma leve coloração azulada.

    Seu olhar vagou de Flügel para Nytheris, analisando ambos em silêncio. Um sorriso discreto surgiu nos lábios do velho, mas não era um sorriso de alegria, parecia mais o de alguém que confirmou uma suspeita antiga.

    — Sabia que havia algo especial em você — murmurou, como se falasse mais consigo mesmo do que com os outros.

    Ao perceber o deslize, Thalion engasgou, tossindo com força para disfarçar.

    — Especial? — perguntou Nytheris, franzindo a testa. Seu tom era baixo, carregado de um brilho perigoso nos olhos negros como breu.

    Flügel estava tão confuso quanto ele, mas, antes que pudesse dizer algo, uma mulher alta se intrometeu. Seus olhos verdes, intensos e afiados, voltaram-se para o garoto com uma expressão de perplexidade.

    — O quê? Nosso sexto integrante é uma criança? — exclamou ela, encarando Garrick com incredulidade, o rosto contorcido numa mistura de espanto e reprovação.

    — Flügel não é uma simples criança. O garoto tem talento. Embora não supere ninguém aqui na esgrima, tenho certeza de que, se usasse magia também, daria um trabalho danado a você, Dellia — respondeu Garrick, o rosto relaxado e um sorriso largo demais para seu habitual.

    — Humph. Só acho que uma criança não deveria se arriscar assim. Desde quando colocamos recrutas tão jovens na linha de frente? — resmungou Dellia, lançando um olhar avaliativo e desconfiado a Nytheris. — E esse aí é o familiar dele? É anormal.

    — Chamá-lo simplesmente de anormal é um insulto. Ele está além de todos os padrões, afinal, é um ser senciente, apesar de ser um familiar. Para ser honesto, poderíamos considerá-lo um espírito, já que espíritos são sencientes e, ainda assim, feitos de mana. Mas isso também não seria exato, pois são os espíritos que fecham contratos com os— khug! — Thalion se curvou, interrompido por um soco nas costelas. O autor do golpe certeiro era o Major Garrick.

    Thalion tentou se endireitar, praguejando:

    — Seu…! — Foi cortado por um olhar ameaçador de Garrick.

    — Isso é para você aprender a fechar a boca! — retrucou Garrick, incrédulo com o fato de que, mesmo aos cinquenta anos, Thalion mantinha o mau hábito de sua juventude.

    Um homem de aparência esguia e doentia, com grandes olheiras sob os olhos, encarava Flügel com um olhar frio, como se calculasse quanto tempo o garoto sobreviveria em combate. Seus olhos eram peculiares, mas transmitiam lucidez e sabedoria, como se ele percebesse a força de Flügel para sua idade.

    — Pare de encarar o menino, Gundal. Você vai assustá-lo com esse seu rosto estranho — disse um homem de ombros largos, cuja presença dominava o pátio como uma montanha viva. Ele era tão alto que sua sombra alcançava os pés de Flügel, com braços que pareciam capazes de arrancar árvores do solo.

    O machado preso às suas costas assemelhava-se mais a uma arma de guerra do que a algo que alguém ergueria com facilidade. Sua postura relaxada só tornava sua imponência mais intimidante. Flügel piscou contra a luz do meio-dia, sentindo o calor do pátio subir em ondas enquanto evitava fixar o olhar no homem.

    — Borghen, deixe Gundal em paz. Vamos para a sala de estratégia — ordenou Garrick, virando-se para o grupo com a voz firme. — Todos, agora.

    Flügel seguiu o grupo, mantendo-se próximo a Nytheris. O sol do meio-dia castigava o pátio, e ele observava as roupas dos outros enquanto caminhavam.

    Garrick liderava, vestindo um uniforme cinza-escuro de oficial, o tecido reforçado nos ombros e marcado por anos de uso. Uma espada longa pendia de seu cinto, a bainha estava gravada com runas que pulsavam suavemente. Ao seu lado, Thalion usava um casaco marrom comprido, de colarinho alto e bolsos internos. O monóculo reluzia com um tom azulado.

    Dellia caminhava com passos firmes, sua armadura de couro preto brilhando ao sol. Placas de metal protegiam ombros e peito, tilintando a cada movimento. Uma capa verde curta balançava, presa por um broche de bronze. Gundal, mais atrás, trajava uma túnica preta justa, com mangas rasgadas nas extremidades. Um capuz ocultava parte de seu rosto, deixando visíveis apenas as olheiras.

    Borghen fechava o grupo, coberto por uma túnica de couro marrom com tiras de ferro nos ombros. Correias grossas seguravam o machado nas costas, e suas botas arranhadas rangiam no chão. 

    Ao lado de Flügel, Nytheris vestia uma calça preta, botas escuras e uma camisa de mangas longas também preta, enfiada na calça, destacando o contraste com sua pele branca como papel. Seus cabelos, geralmente soltos, estavam presos em um rabo de cavalo, com apenas algumas franjas caindo sobre o rosto.

    O grupo deixou o pátio e entrou num corredor de pedra polida, com lajes escuras no chão. Armas cerimoniais cruzadas adornavam as paredes, ao lado de mapas fixados em tábuas. O ar cheirava a cera e pergaminho. O som das botas ecoava, misturado ao tilintar do machado de Borghen, que quase roçava o teto.

    Garrick abriu uma porta reforçada com ferro, revelando a sala de estratégia: uma mesa ampla coberta por mapas, pergaminhos e marcadores, iluminada pela luz do meio-dia que entrava pelas janelas estreitas. Uma lareira apagada ocupava um canto.

    — Sentem-se — disse Garrick, apontando para as sete cadeiras alinhadas junto à mesa, que era inegavelmente longa.

    Flügel hesitou, observando as cadeiras. Nytheris permaneceu ao seu lado, sem se sentar, fixando o olhar em Dellia, que se jogou numa cadeira com os braços cruzados.

    Gundal ocupou a última cadeira do canto, o capuz cobrindo seu rosto de aparência doentia. Borghen sentou-se numa cadeira diferente, mais robusta e resistente, provavelmente projetada para suportar seu tamanho. Thalion fechou a porta e tomou assento perto de Garrick, o monóculo azul brilhando sutilmente.

    — Vamos ao ponto — anunciou Garrick, apontando para o mapa da floresta de Tournand. — A missão de amanhã será uma expedição. Muitos vultos esfarrapados têm aparecido, e suspeitamos que sejam criações de algum ser. Precisamos investigar antes que ele forme um exército com essas criaturas. — Garrick sentou-se na cadeira da extremidade da mesa, colocando uma mão sobre a outra, e elaborou:

    — Claro, não temos certeza de que esses monstros sejam artificiais, mas é a hipótese mais provável. Como a situação está saindo do controle, devemos agir.

    Borghen esfregou o rosto, examinando o mapa.

    — Onde eles mais apareceram? — perguntou o gigante.

    Em algum momento, a lente do monóculo de Thalion tornara-se transparente.

    Garrick indicou os locais. Flügel reconheceu um deles: a estrada de carruagens, onde ele mesmo já esteve.

    — Não sabemos o motivo, mas eles surgem onde há mais transeuntes — explicou Garrick, fazendo uma pausa antes de continuar. — Gundal chegou a investigar várias vezes, mas nunca encontrou os corpos das vítimas, apenas sangue e destroços. — Ele olhou para Gundal, esperando algum comentário, mas o homem magro permaneceu em silêncio.

    ‘Então ele seria o batedor de Tournand?’, pensou Flügel, observando o homem na outra ponta da mesa. Gundal parecia deslocado ali, como se não estivesse habituado a conviver com os outros sem um propósito sombrio. Era, de fato, uma figura inquietante.

    Dellia tamborilava os dedos na mesa, o cenho franzido em irritação contida.

    — O que mais me incomoda — começou ela, a voz cortante — é que, apesar de todo o esforço, ainda não temos nada concreto sobre essa coisa. Toda vez, o corpo se autodestrói.

    Thalion ajeitou o monóculo, agora com a lente completamente transparente.

    — Não é bem uma autodestruição simples. Trata-se de uma reação mágica de compressão de mana, um colapso forçado. — Ele fez uma pausa dramática, como se aguardasse perguntas. Diante do silêncio, prosseguiu: — Não é algo que uma criatura faça por instinto. Isso é… programado.

    Gundal emitiu um som baixo, quase um grunhido, mas não falou.

    Borghen coçou a barba, os olhos semicerrados, como se tentasse recordar algo.

    — Ainda acho que é algum tipo de golem de carne, um protótipo descartável — disse ele, olhando para Garrick. — Se for isso, logo começarão a enviar grupos maiores, com monstros mais aprimorados e tão misteriosos quanto o criador dessas coisas.

    Garrick ficou calado por um momento, com os olhos fixos no mapa. Então, com a voz firme, declarou:

    — Exatamente por isso, vamos agir antes que a situação piore. Se não podemos estudar um corpo morto, então vamos caçar um vivo.

    O silêncio que se seguiu foi denso.

    Dellia recostou-se na cadeira, cruzando os braços.

    — Caçar um monstro que explode ao morrer… Ótima ideia. Mal posso esperar para ver como isso vai dar errado.

    Thalion pigarreou.

    — Tecnicamente, a explosão ocorre devido a uma falha proposital no núcleo de mana deles. Se conseguirmos neutralizá-la a tempo, talvez possamos preservar uma amostra.

    Garrick lançou um olhar direto ao velho.

    — E como, exatamente, você sugere fazer isso?

    Thalion abriu um sorriso confiante.

    — Bem, é por isso que eu vou ficar longe da linha de frente.

    Antes que alguém pudesse responder, Flügel interveio:

    — Na verdade, nos corpos dos vultos esfarrapados, há runas que os fazem explodir. Não creio que possamos neutralizá-las. — Flügel cerrava os dentes, com o impulso de mencionar o Lich contido. Ele sabia que revelar a verdade poderia simplificar tudo, mas percebia que a omissão inicial sobre o Lich havia complicado a situação. Admitir agora que já o enfrentara atrairia suspeitas e perguntas inconvenientes.

    Quando Thalion abriu a boca para replicar, Flügel o interrompeu e continuou:

    — E, como os corpos desaparecem, seria sensato supor que lidamos com um ser que depende deles. Talvez um necromante? Ou algo mais perigoso e inteligente, como um Lich? — Seu olhar percorreu os rostos na sala, até mesmo o de Gundal, que agora se inclinava ligeiramente para a frente, ponderando o cenário.

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