Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    — Deve ter sido difícil para você — Ele murmurou, seus olhos castanhos me analisando.

    — Cuidar de seus irmãos doentes não é fácil, ainda mais sendo tão pequeno.

    — Eu… não foi tão difícil — respondi, desviando o olhar.

    Aragi soltou uma risada baixa e me puxou para mais perto, me envolvendo em um abraço inesperado. O calor de seu corpo contratava com o frio da noite, e por um instante, eu senti um peso invisível se desfazer dos meus ombros.

    — Você fez um bom trabalho.

    Meu peito se apertou com aquela simples frase, e eu apenas acenei, sentindo algo quente e estranho dentro de mim.

    Depois de um tempo, Aragi afrouxou o abraço e olhou para a janela, onde a escuridão já dominava o céu.

    — É uma noite fria… uma noite perfeita para uma boa história.

    — Qual história? — perguntei, curioso.

    Aragi leva a mão ao queixo, pensativo por um instante.

    — Vamos ver… Ah, o papai gostava muito de uma historinha quando era criança. É sobre o espírito do gelo.

    Ele ajeitou o corpo, se encostando melhor na parede de madeira ao nosso lado.

    — Dizem que ele tem uma aparência bela, a de um garoto de cabelos azul-claro, olhos tão azuis quanto o mar, e pele tão pálida quanto uma folha de papel. Apesar de parecer humano, ele é um espírito — e um dos maiores.

    Fez uma pausa breve, como se quisesse me prender ainda mais à narrativa.

    — Um dia, um dragão de fogo apareceu no extremo norte. Isso mesmo, um dragão de fogo, errante. Ele estava machucado e acabou encontrando o grande espírito do gelo, Nivareth.

    Um sorriso pequeno surge no rosto de Aragi, nostálgico.

    — Assim que se encontraram, o tolo dragão atacou Nivareth sem hesitar. Apesar de serem conhecidos por sua força, as chamas daquele dragão não causaram nenhum dano ao espírito.

    Ele ergue a sobrancelha, como se dissesse “incrível, né?”

    — Furioso por ver seu ataque ineficaz, já incrivelmente ferido, o dragão apenas desistiu. Ele estava sozinho há muito tempo… Sua família o havia abandonado.

    Aragi cruza os braços, agora falando mais devagar, como se ponderasse.

    — Dragões são famosos por seu poder e sopro de fogo, mas aquele tinha um sopro fraco. Era o pior entre todos os dragões de fogo e foi expulso de sua família ainda jovem.

    Ele me olha rapidamente, certificando-se de que estou acompanhando.

    — Quando adolescente, os dragões geralmente partem para formar suas próprias famílias — desde que saibam se defender. Não que um jovem dragão de fogo seja fraco, mas… você entendeu, né?

    Assinto em silêncio, absorvendo cada palavra.

    — Então, ele vagou sozinho pelas montanhas. Voava sem rumo, quase foi morto por bandos de wyverns várias vezes. Apesar de os dragões serem mais fortes individualmente, os wyverns sempre andam em grupo.

    Aragi se inclinou um pouco para frente, os olhos ganhando intensidade.

    — Aquele dragão podia se autodenomina o mais fraco de todos, ninguém ousaria discordar. E, depois de tanto vagar, já adulto, quase morto após uma longa batalha, ele apenas seguiu o vento. Quanto mais gelado o ar, mais confortável ele se sentia.

    Ele abaixou levemente a cabeça.

    — Nunca gostou do fogo. O fogo o abandonou. Ele, um dragão de fogo, nascido para cuspir chamas, não tinha esse dom. Para os humanos, ele ainda seria forte, claro — somos frágeis — mas, entre dragões, ele era uma vergonha.

    Aragi fez uma breve pausa. Seu olhar se perdeu um pouco, como se refletisse sobre algo mais profundo.

    — E então, seguiu para o norte, rumo ao frio que penetrava suas escamas. Aquela sensação o reconfortava. Dragões de fogo vivem longe do frio — o odeiam — mas, para ele, o frio era lar.

    Ele fecha os olhos por um instante.

    — E foi assim que ele caiu, despencou do céu. Sobreviveu graças ao seu corpo resistente, mas se feriu ainda mais. E ali estava ele, diante daquela figura.

    Aragi abriu os olhos devagar, focando em mim.

    — Ele sabia que não era um humano a presença do ser à sua frente era poderosa e aterradora, mais do que qualquer outro dragão que conhecera, até mesmo seus próprios pais. Mas, para sua surpresa, aquele ser não estava bravo.

    Ele sorriu de leve, como se essa parte da história lhe aquecesse o coração.

    — “Você está machucado…” — disse o garoto, se aproximando do dragão e encostando no seu focinho. O dragão, exausto após tentar usar seu sopro pela última vez, caiu sem forças. Abriu os olhos, temeroso.

    Aragi move as mãos, esfregando o próprio queixo, como se lembrasse as exatas palavras que usaram para contar essa história a ele.

    — Então sentiu o frio reconfortante penetrando suas escamas. Antes levemente avermelhadas, agora estavam totalmente azuis. Ele se sentia curado. Mais forte do que jamais imaginou ser.

    Ele me encarou.

    — “Você também está sozinho, não é?” — continuou o garoto, olhando para o dragão. Antes, um dragão de fogo. Agora… um dragão de gelo.

    O silêncio entre nós se estendeu por alguns segundos. O som da madeira estalando ao longe quebra a pausa.

    — Dizem que o espírito do gelo, Nivareth, era um humano. Sua mãe teria se apaixonado pelo verdadeiro espírito do gelo — um amor proibido. E então, ele nasceu.

    Aragi descruza os braços, relaxando.

    — Cabelos azuis, pele fria mesmo estando vivo, olhos, cílios e sobrancelhas da cor do mar… Era claro que aquele menino não era humano. Com o tempo, seu poder começou a se manifestar sem controle, até que, um dia, perdeu o controle e congelou todas as crianças que o intimidavam por causa de sua aparência — e que até o agrediam.

    O tom da voz de Aragi abaixou levemente.

    — Depois disso, sua própria mãe o chamou de monstro. Ele foi expulso da vila sob ameaças de facas e outras armas. Vagou sozinho até o extremo norte.

    Ele fechou os olhos novamente, e respirou fundo.

    — A cada passo, lágrimas escorriam e congelavam em suas bochechas redondas. Quando não pôde mais continuar, sentou-se e chorou como uma criança. E ali, seu poder explodiu, congelando tudo ao redor.

    Aragi abriu os olhos, olhando nos fundos dos meus olhos.

    — Assim nasceu o deserto gelado do norte, chamado de extremo norte.

    Ele coçou a cabeça, pensativo.

    — Lá, o ódio por seu pai, Glacien, cresceu. Partiu em busca de vingança. Não sabia como encontrá-lo, mas sequestrou sua mãe — ainda a amava e não lhe fez mal. Mas jurou matá-la se Glacien não aparecesse.

    Aragi franziu a testa, mais sério agora.— Quando finalmente apareceu… Glacien a matou ao ser abraçado por ela. Nivareth viu sua mãe morrer. Apesar de tudo que ela havia dito, ele ainda a amava. Perdeu o controle novamente.

    O silêncio voltou. Aragi respirou fundo e elaborou:

    — Quando recobrou a consciência, o gelo era ainda mais espesso ao seu redor. Em sua mão, a cabeça de Glacien se desfazia em mana. Seu corpo estava coberto por uma armadura de gelo. Ele permaneceu imóvel, em choque, até perceber que estava sozinho. De novo. Apenas uma criança de doze anos… completamente só.

    Ele sorriu, melancólico.

    — Por isso, quando viu aquele dragão de fogo errante — que, ele sabia que aquela criatura jamais iria ao norte por vontade própria —, reconheceu nele algo familiar. Ambos haviam sido abandonados. E então, o adotou como família.

    Aragi sorri de forma boba, como se ainda fosse criança.

    — Hoje em dia, esse dragão é chamado de Pyroclast. É conhecido como o Rei dos Dragões de Gelo. Dizem que consegue falar, pensar e se comunicar como os humanos, até em outras línguas. Vive com Nivareth no extremo norte. Os dois se consideram irmãos…

    Ele fez uma pausa final, quase como quem acabara de fechar um livro invisível.

    — Bom, não sei se essa história é verdadeira, mas é linda e triste ao mesmo tempo, não acha? Essa história tem séculos. Ninguém sabe o quanto dela é real… Mas mesmo fora do continente norte, já ouvi falar de um rei dos dragões de gelo. Então, talvez, seja verdade.

    Aragi balançou a cabeça, como se concordasse consigo mesmo.

    — E dizem que ele vive há tanto tempo e desenvolveu tanta inteligência porque virou quase um espírito também. Meio dragão de fogo, meio espírito, meio dragão de gelo.

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (5 votos)

    Nota