Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 50 — Retirada
Um pilar de terra do tamanho de pequenos prédios subiu do chão e caiu sobre uma dúzia de árvores e, consequentemente, em cima de alguns monstros que não conseguiram escapar a tempo. Era uma magia de Thalion. Ele só estava esperando Flügel atirar a primeira pedra para desencadear a bola de neve.
Era exatamente como Garrick previra. Mas ele também não previra a velocidade sobrenatural com que os vultos reagiram. Antes que Borghen e Dellia pudessem avançar para esmagar o flanco, os trinta, agora talvez vinte e cinco já estavam em movimento, uma onda de vultos e garras vindo em todas as direções. O plano de uma contra-emboscada limpa se desfez em um piscar de olhos.
E com o primeiro grito de desespero de Dellia, o inferno que Flügel já conhecia havia começado.
‘Como ficamos tão encurralados em tão pouco tempo?’, Flügel pensou, desviando por pouco de uma garra que visava seu pescoço.
A resposta era simples: o plano funcionou, pelo menos até certo momento. Flügel começou a se perguntar se descer ao chão foi uma escolha sábia, mas foi uma ordem de Garrick, então talvez as coisas estivessem ainda piores do que agora.
Ele aparou um golpe com sua espada de mana, e o impacto fez seus braços tremerem. Sua armadura se consertava, mas a fadiga começava a pesar. Mesmo que seu corpo tivesse sido refinado pelas poções, aguentar tantos ataques a cada minuto e revidar a cada segundo estava forçando o seu corpo a todo momento.
Ele olhou para o lado e viu Borghen rugindo, o machado abrindo um caminho cheio de restos esmagados ou cortados, mas sendo forçado a recuar a cada inimigo que abatia para evitar a possível explosão de seus restos mortais.
Eles haviam virado a armadilha, sim. Mas agora, estavam presos dentro dela junto com o inimigo. A única saída era através da aniquilação total.
— Thalion! — Garrick gritou, apressando o velho mago.
Thalion não respondeu. De olhos fechados, o velho continuou murmurando; como um mantra, ele não parou nem por um segundo. Flügel até mesmo duvidava se o ele respirava.
Durante os intervalos mínimos de atacar, aparar, esquivar e atacar novamente, Flügel observava rapidamente o campo de batalha. Seus olhos sempre caíam em Nytheris, mesmo com o seu familiar sendo imortal e ele sentindo sua mana diminuir a cada poucos segundos para curá-lo, sua mente não conseguia deixar de se preocupar com ele.
Confirmando que ele estava bem, seu olhar caiu sobre Koto. O ladrão era o mais propenso a acabar sendo o primeiro a cair. Mas ele estava aguentando bem, desviando dos ataques, esquivando e batendo só quando era possível.
Ele sabia que não precisava checar Dellia e Garrick, e ele não tinha tempo para isso.
O que os mantinha de pé era a sorte de que os vultos esfarrapados não eram monstros com uma alta resistência. Na verdade, eles careciam disso, mas sua agilidade e reflexos sobrenaturais eram o suficiente para mantê-los longe das armas de quem eles enfrentavam, tornando-os inimigos difíceis de se acertar.
A terra começou a se remexer como se tivesse vida ao redor de Thalion. Montes começaram a se formar e então começaram a ganhar forma, uma forma humanoide. Três. Essa foi a quantidade que Flügel conseguiu contar, mas, na verdade, Thalion havia criado meia dúzia a mais do que apenas três golens. Assim que as criaturas massivas ganharam uma forma completa, elas começaram a se mover, e Thalion parou de recitar o feitiço e soltou um longo e pesado suspiro.
Com socos devastadores, os golens esmagavam os vultos, arremessando-os pelos ares como se fossem bonecos de pano. Eles estavam massacrando os vultos esfarrapados, fazendo a batalha, outrora desesperadora, pender a favor deles.
Flügel conseguiu preencher completamente os seus pulmões pela primeira vez quando dois golens correram para o seu lado, atropelando todos os vultos esfarrapados no caminho com uma facilidade que fazia Flügel sentir inveja.
Flügel aproveitou o momento de alívio proporcionado pelos golens para descansar os músculos de seus braços e pernas, mas sua mente não descansava. A batalha estava longe de terminar, e mesmo com os golens de Thalion virando a maré, algo no ar parecia errado. Uma sensação de inquietação o acometia, como se o verdadeiro perigo ainda estivesse à espreita, observando, esperando o momento certo para atacar.
Os golens, com seus corpos maciços de terra e pedra, continuavam a devastar os vultos esfarrapados. Cada soco era um trovão, cada passo um pequeno terremoto. Flügel viu um dos golens agarrar dois vultos ao mesmo tempo, esmagando-os contra o chão com tanta força que o impacto criou uma cratera rasa. Mas, mesmo com tamanha destruição, os vultos não pareciam diminuir em número. Era como se, para cada um que caía, outro surgisse das sombras, suas formas indistintas se misturando à penumbra da floresta.
— Thalion, quanto tempo esses golens aguentam? — Flügel gritou, desviando de outro ataque e cortando um vulto ao meio com sua espada de mana. A lâmina brilhou por um instante antes de apagar o inimigo em uma explosão de cinzas escuras.
O mago, tão energético, agora visivelmente exausto, respondeu com a voz rouca, quase engolida pelo caos ao redor:
— Eles vão durar até minha mana acabar… ou até serem destruídos.
— Vamos recuar! — Garrick ordenou, enquanto enfiava a espada na máscara de osso de um vulto esfarrapado e pulava para trás, com medo de o corpo explodir.
Agora os vultos estavam reduzidos a menos de uma dezena. O grupo se reuniu enquanto os golens cuidavam dos vultos restantes. Mesmo que os números deles tivessem caído o suficiente para nenhum deles precisar lutar mais, eles não baixaram a guarda. A densa floresta facilitava aos vultos desaparecerem entre as sombras e aparecerem nas costas deles do nada, então eles permaneceram em alerta mesmo quando a calmaria começou.
— Formação de retirada! — ele bradou. — Golens na frente e na retaguarda! Thalion, Nytheris, Koto, para o centro! Borghen, Flügel e Dellia, cubram nossos flancos! Mexam-se! Agora!
Não houve hesitação. A confiança em seu líder transformou o grupo em uma unidade coesa. Dois dos golens gigantes se viraram e começaram a marchar, seus passos pesados esmagando a vegetação e abrindo um caminho forçado pela floresta escura. O resto do grupo se encaixou na formação, movendo-se como um único organismo. Os outros golens formaram uma muralha móvel atrás deles, garantindo que nada os seguiria sem ser visto.
A marcha foi a coisa mais tensa que Flügel já experimentara. O som dos golens esmagando samambaias e galhos era um barulho reconfortante e aterrorizante ao mesmo tempo: reconfortante por abafar seus próprios passos, mas aterrorizante por mascarar qualquer som de uma aproximação inimiga.
Seus olhos, assim como os de todos os outros, perscrutavam as sombras profundas entre as árvores, procurando qualquer sinal de movimento. Uma vez, Flügel teve certeza de que viu um vulto solitário observando-os de cima de um galho grosso, mas a criatura desapareceu como fumaça antes que ele pudesse dar o alarme. Eles estavam sendo escoltados.
Após dez minutos que pareceram uma eternidade, o golem da frente parou. Eles haviam chegado a uma pequena clareira natural, cujo fundo era um paredão de rocha lisa com quase vinte metros de altura. Era um beco sem saída, mas um beco perfeitamente defensável.
— Aqui! — disse Garrick, sua voz ainda um sussurro tenso. — É o melhor que vamos conseguir.
Ele rapidamente distribuiu as ordens. Dois golens foram postados na entrada da clareira, imóveis como estátuas, seus corpos de pedra se misturando com o ambiente. Os outros se desfizeram para Thalion não ficar gastando muita mana. Só então, quando o perímetro estava aparentemente seguro, Garrick finalmente relaxou os ombros.
— Estamos seguros. Por enquanto.
As palavras foram como uma válvula de escape. Flügel sentiu uma exaustão avassaladora tomar conta de seu corpo, um peso que ele vinha ignorando no calor da batalha. Ele se encostou na parede de pedra fria e escorregou até o chão.
Ao seu lado, Thalion já estava sentado, a cabeça pendendo, a respiração fraca, mas regular. Borghen cravou seu machado no chão e se sentou sobre um tronco caído; o gigante finalmente se permitiu ter um momento de descanso. O alívio no ar era palpável, mas ninguém se desfez das armas por completo.
— Eu e Koto pegamos o primeiro turno de vigia — Garrick comandou, sua voz agora mais calma. — O resto… descansa. Não acho que vá ter mais inimigos depois de tantos, então amanhã iremos tentar avançar um pouco mais. Se houver tantos novamente, recuaremos para o reino.
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