Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 63 — Doença ou Disfarce?
O Mestre da Torre, chamado por poucos de Lorde Siegmeyer, soltou as bochechas de Flügel, ainda o encarando com aqueles intensos olhos vermelhos.
— Sim, olhos mágicos — ele repetiu, a voz arrastada e um tanto sibilante. — São manifestações raras, mas incrivelmente poderosas. Geralmente, surgem em magos com um talento inato tão grandioso que seus olhos se transformam em verdadeiros condutos para a energia mágica. Alguns podem ver auras, outros conseguem enxergar o desenho da mana em armas e artefatos, tornando-se ferreiros e alquimistas incríveis. Há até mesmo os que vislumbram segundos do futuro. Com sua aptidão, Flügel, imaginei que você já teria um.
Ele deu um passo para trás e disse: — Então me mostre a magia que você usou na floresta e me diga o que sabe sobre ela.
Flügel não perdeu tempo. Ergueu a mão direita e, no centro da palma, uma pequena esfera de escuridão absoluta começou a se formar. Não era meramente preta; era a ausência total de luz, um vazio denso que parecia sugar até o ar ao redor. A bola negra oscilava suavemente, um pulso de mana distorcida que lembrava uma chama sombria e devoradora.
— Como você faz isso? — Siegmeyer perguntou, inclinando-se, seu olhar fixo na mana negra. Só quando Flügel abriu a boca ele ficou ereto e o encarou.
— Eu imagino algo que desintegre tudo que toca, usando a magia negra como base — explicou Flügel, a voz firme, sem desviar o olhar da própria criação. — Acho que seria a mais fácil de conseguir algo assim usando a magia negra. E então, eu também imagino poder. E assim ela aparece. Magia de luz consegue contê-la, não faço ideia se é permanente, mas Thalion usou uma coluna celeste sobre ela, extinguindo-a.
Flügel disse a verdade, sem hesitação. Não havia razão para mentir, não para o Mestre da Torre. — Ela consome a mana até não sobrar mais nada. Então, quanto mais mana a coisa ou pessoa tem, mais rápido ela consome, e quando tem pouca mana, ela a consome devagar.
— Isso ajuda bastante. Qual o nome dessa magia? — Siegmeyer caminhou até sua cadeira, o movimento fluido apesar da aparente fragilidade. Sentou-se e puxou uma folha de pergaminho da gaveta da escrivaninha, começando a rabiscar algo com uma pena de forma frenética.
— Não tem nome ainda — Flügel tentou vislumbrar o que ele escrevia, mas os rabiscos eram rápidos demais e a distância, grande.
— Bom, ela precisará de um nome. Escolha um, e então preencha este formulário e me entregue pronto.
Siegmeyer estendeu a folha para Flügel assim que terminou de escrever, a voz agora carregada de uma autoridade inquestionável. — E não use nunca mais essa magia. Uma primeira vez, eu posso deixar passar, ainda mais por você ser uma criança. Mas uma segunda vez não. E você sofrerá as consequências por usar uma magia proibida.
Flügel sentiu um arrepio gélido percorrer sua espinha, o assentimento pouco mais que um ligeiro movimento da cabeça. Os olhos vermelhos de Siegmeyer, intensos e fixos, pareciam perfurar não apenas sua pele, mas sua própria alma. Era um homem perturbadoramente jovem para a posição de Mestre da Torre, e seu aspecto físico enganava: magro, pálido, com uma compleição que sugeria fragilidade.
Contudo, Flügel sabia — uma intuição que beirava à certeza absoluta — que aquele que ele via era apenas uma casca. Sob ela, pulsava um poder tão vasto e indiscernível que o deixava profundamente aflito. Era como se Lorde Siegmeyer vestisse um disfarce de enfermidade, uma artimanha elaborada para ocultar uma força além do normal, afinal, era por isso que ele era o Mestre da Torre dos Magos.
Com medo de sustentar mais aquela troca de olhares, Flügel abaixou os olhos para o papel e leu o que estava escrito com uma caligrafia perfeita e elegante:
‘Magia, efeito, nome, idade, pseudônimo, nome de família… Mas o que é isso?’
— Para que isso? — Flügel estava um pouco confuso. Havia tantas perguntas que pareciam desnecessárias para preencher, sendo que o foco era a magia, não sua vida pessoal.
— Um mago que cria magias deve patenteá-las, não? Você não gostaria que alguém roubasse suas magias depois de aprendê-las e dissesse que ele as criou, certo? — Siegmeyer respondeu, começando a se levantar da cadeira. — Mas se não quiser preencher todas elas, preencha apenas idade e, caso não queira deixar em seu nome, crie um pseudônimo. — Ele foi interrompido por uma crise de tosses violentas.
— Cof! Cof! Cof! — Siegmeyer começou a tossir sem parar, um som seco e gutural que parecia vir do fundo de seus pulmões, e ele curvou-se, apoiando-se na mesa.
Thalion chegou ao lado de Siegmeyer com passos rápidos e apressados, colocando a mão sobre as costas dele. Começou: — Luz da vida, flua e cure! — Um brilho verde emanou de sua mão direita.
A tosse de Siegmeyer começou a diminuir gradativamente até ele não tossir mais. Seu rosto estava cheio de gotas de suor por conta do esforço de tossir.
Flügel e Nytheris trocaram olhares, ambos estavam totalmente confusos e surpresos, mas por motivos diferentes.
Flügel estava impressionado, já que aparentemente Siegmeyer realmente é um doente, e não um lobo vestindo a pele de um cordeiro. E Nytheris estava impressionado com: que doença aflige o Mestre da Torre dos Magos que ele não é capaz de se curar?
Pegando um lenço do próprio bolso, Siegmeyer secou seu rosto e guardou o lenço no outro bolso. E com graça e elegância, ele se levantou da cadeira.
— Vamos, preciso da confirmação exata de onde você estava quando usou a magia que corrompe as coisas — Siegmeyer abriu a porta, e a rampa começou a subir.
Ainda sem palavras pelo ataque de tosse de Siegmeyer, Flügel decidiu não tocar no assunto, então fez uma pergunta que assolava a sua mente desde que ele viu a rampa que serve como elevador:
— Se há uma pessoa já usando ela, e você quer descer, o que faria?
— Espero, e então ela vem depois de deixar a pessoa — Siegmeyer respondeu como se fosse algo óbvio.
Flügel não respondeu. Era algo bem óbvio, funcionava exatamente como um elevador de seu antigo mundo, não que ele soubesse muito de elevadores, afinal ele morava em uma cidade do interior e não saía de casa o suficiente para entrar nos pequenos prédios que caíam aos pedaços.
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