Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    — Cinco moedas de ouro por um item que você estava prestes a jogar fora? — Flügel rebateu, a voz mais firme do que esperava. — Parece que a sua definição de “precioso demais” e “sucata” muda conforme o interesse do cliente.

    Vark hesitou, o sorriso em seu rosto vacilando por um instante. Ele não contava com a perspicácia do jovem. Seus olhos piscaram, avaliando a situação.

    — Ora, ora, jovem… é que… bem, ela tem um certo valor histórico, entende? Peça única! — Vark tentou consertar, esfregando as mãos nervosamente.

    — Histórico de quem morreu nela, talvez — Flügel respondeu, o sarcasmo evidente, apontando para as amassaduras e furos. Ele não iria facilitar. — Que tal… — Fingiu pensar em quanto a armadura realmente valia — duas moedas de ouro? É um preço justo para algo que, até cinco minutos atrás, não passava de bagatela.

    O rosto de Vark se contorceu. Duas moedas de ouro eram muito menos do que ele esperava. Ele olhou para a armadura, depois para Flügel, tentando decifrar o verdadeiro interesse do garoto. Aquela peça estava lá há anos, esquecida. Qualquer lucro seria lucro, mas seu orgulho como vendedor falava mais alto que a lógica.

    — Duas?! O jovem é um negociador duro! — Vark bufou, forçando uma risada. — Não posso ir tão baixo. Que tal… quatro moedas de ouro? É o mínimo! Juro!

    Flügel cruzou os braços, os olhos fixos na armadura. Ele sentia a leveza, a resistência, o sussurro etéreo. Valia mais, disso ele tinha certeza. Mas precisava ser convincente.

    — Três moedas de ouro — Flügel retrucou sem hesitar, elevando ligeiramente a voz. — É o máximo que posso oferecer por algo que você admite ser um “incômodo” e que seria descartado. Ou eu levo por três, ou você continua com sua “bagatela histórica” no porão.

    Um silêncio tenso pairou no ar. Vark ponderou. Perder a venda inteira ou ceder um pouco? O brilho ganancioso voltou aos seus olhos, mas agora misturado com uma resignação. Três moedas ainda eram um bom lucro para algo inútil.

    — Feito! — Vark exclamou, estendendo a mão para Flügel com um sorriso forçado. — Três moedas de ouro e essa peça peculiar é sua!

    Flügel ignorou a mão estendida por um segundo, seus olhos ainda na armadura. Ele já tinha vencido. Com um aceno discreto, ele sacou as três moedas de ouro e as depositou na mão grande de Vark. O vendedor as agarrou rapidamente, seu sorriso se alargando à medida que as contava.

    Enquanto Vark se distraía com o dinheiro, Flügel se agachou novamente ao lado da armadura. Ele sentiu a energia estranha se intensificar ligeiramente, quase como se a armadura estivesse… agradecendo-lhe. Ele sabia que tinha feito um bom negócio, mas o verdadeiro tesouro não era o dinheiro economizado, e sim o mistério que ele estava prestes a desvendar.

    Ele não perdeu tempo e pegou o elmo da armadura, colocando-o na cabeça. Mesmo com uma parte amassada, ele serviu bem. A armadura era um pouco maior que o corpo de Flügel, mas ele não se importou. Com alguma dificuldade, ele logo vestiu as peças surradas, uma por uma, preferindo não sair carregando partes de uma armadura pela rua.

    Ele nem mesmo se despediu de Vark, deixando o homem contar suas moedas repetidamente, absorto em sua nova fortuna. Flügel subiu as escadas, o barulho da armadura sendo alto, rígido e estridente a cada passo.

    Assim que emergiu do porão, o tilintar da armadura recém-adquirida ecoou, alto e arrastado. À frente, Nytheris ainda se acostumava com a armadura que vestia, que, apesar de não restringir seus movimentos, era um novo fardo e algo a que ele teria que se habituar.

    Grenhard observava Nytheris, os olhos do elfo varrendo o ambiente com cautela, a guarda nunca abaixada. Quando o rangido metálico da armadura de Flügel irrompeu, todas as atenções se voltaram para ele, incluindo as dos outros clientes na loja. O rosto de Nytheris estava oculto, mas a lança negra que se formava em sua mão direita indicava que sua expressão não era nada amigável. Grenhard estava em alerta total, uma faceta que Flügel nunca havia visto no belo elfo.

    A lança de Nytheris conseguia atingir seu alvo com precisão e velocidade absurdas. Não era impossível de desviar; Flügel era ágil, com um raciocínio rápido o suficiente para prever o ataque e reagir a tempo. Seu corpo, fortalecido por poções e treinamento intenso, conseguia acompanhar a velocidade de seu pensamento.

    Ele se curvou para a direita, encolhendo o pescoço e elevando o braço até a altura da cabeça. O braço nem seria necessário para o golpe passar por cima, mas a lança estava perigosamente próxima. Rápida demais. Duas vezes mais veloz do que quando Flügel a vira em treinamento. 

    A armadura de Flügel, quase inutilizada e há muito tempo parada, diminuiu drasticamente a velocidade de reação do garoto, deixando-o sem outra escolha senão rezar para que ela resistisse ao ataque poderoso de Nytheris.

    A ponta da lança colidiu com o elmo da armadura, com uma força e velocidade aterrorizantes. Seu braço não foi rápido o suficiente para interceptar o golpe.

    O impacto foi brutal. Flügel sentiu o golpe reverberar por todo o corpo, uma onda de choque que o fez cambalear violentamente, mas ele se manteve de pé. Sua cabeça pendeu para o lado, e por um instante, tudo à sua volta girou e escureceu. Ele ouviu um estalo agudo — o som do metal resistindo bravamente, e não de seus próprios ossos. 

    A dor aguda não veio, em seu lugar, uma sensação gélida e estranha se espalhava pelo ponto do impacto no elmo, como se a armadura tivesse canalizado a energia do golpe, protegendo-o do pior.

    Um silêncio pesado tomou conta da loja. Os clientes pararam de conversar, os olhos arregalados de espanto e medo. Vark, que ainda contava suas moedas no porão, deixou-as cair no chão com um baque surdo, assustado com o barulho lá de cima. Nytheris, com uma nova lança já materializada, a manteve erguida, imóvel, a postura ameaçadora.

    Grenhard, no entanto, foi o primeiro a reagir. Seus olhos, antes alertas, agora transbordavam de fúria e confusão. Ele não reconheceu imediatamente a figura blindada diante de si, mas a proximidade do ataque de Nytheris o fez perceber rapidamente que o ser dentro daquela armadura deteriorada não era um monstro, e sim Flügel.

    — Nytheris! O que você pensa que está fazendo?! — A voz do elfo, geralmente tão calma, ecoou na loja, desesperada e carregada de raiva contida. Ele avançou em direção a Flügel.

    Flügel, ainda atordoado, conseguiu manter-se ereto, embora cambaleasse ligeiramente. A visão estava um pouco embaçada, mas ele podia ver a figura imponente e aparente confusa de Nytheris e a fúria no rosto de Grenhard, que se aproximava rapidamente. 

    A sensação gélida no elmo persistia, mas ele já conseguia sentir seus membros e a dor, surpreendentemente, era mínima, um atestado claro da proteção da armadura.

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