Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    Como que despertado pela fúria de Grenhard, Nytheris baixou a lança e deu um passo para trás. A tensão em seu corpo diminuiu visivelmente, e a aura de ameaça que o envolvia começou a recuar, dissolvendo-se junto com a lança negra que se esvaía em uma fina fumaça.

    — Flügel, sinto muito! Eu pensei que fosse um inimigo — a voz de Nytheris soou arrastada e hesitante, quase como um eco, e carregava um tom de confusão genuína. — Eu não o reconheci. 

    Flügel absorveu as palavras de Nytheris e sua confusão se aprofundou. ‘Não me reconheceu?’ A ideia parecia-lhe impossível. Eles sempre sentiram a presença um do outro, por mais sutil que fosse, era como uma regra intrínseca à sua conexão.

    De repente, a mente de Flügel clareou para algo que ele havia sentido no porão: aquela aura estranha, quase imperceptível, que parecia residir na armadura. Aquilo seria a explicação para a confusão de Nytheris?

    Ele levantou a mão trêmula e tocou o elmo novamente, e a sensação gélida, agora, era ainda mais intensa, percorrendo seu braço. Era como se a armadura tivesse não apenas resistido ao impacto da lança, mas também absorvido sua energia, despertando algo profundo e adormecido em seu interior.

    Grenhard levantou a mão sobre a cabeça de Flügel, os lábios já se movendo para vocalizar um feitiço de cura. Ele congelou, no entanto, ao ver Flügel gesticular com a mão, um pedido para que interrompesse, e a curiosidade substituiu a urgência em seu rosto.

    — Eu… tô bem — A resposta veio abafada e fraca de dentro do capacete. Embora a armadura tivesse suportado o ataque com maestria, o violento impacto ainda pesava sobre ele, dificultando até a fala.

    Enquanto Nytheris se aproximava, Flügel endireitou-se e rapidamente retirou o elmo. O que se revelou foi um nariz sangrando e o cabelo desgrenhado, mas, crucialmente, nenhuma lesão grave.  Sua cabeça estava intacta e firmemente presa ao pescoço. Seus olhos se voltaram imediatamente para o ponto onde a lança havia atingido, observando o pequeno amassado que agora marcava o metal.

    — Ela escondeu a sua presença! Eu não sentia mais nosso vínculo, então pensei que fosse um monstro, que ele tinha feito algo com você lá embaixo e subiu aqui para matar os outros! — Nytheris gaguejou, a voz mais alta do que o normal, repleta de ansiedade, culpa e remorso.

    — E ela está tão danificada, parecia que você era um daqueles cavaleiros sem alma! Por isso eu te ataquei, me desculpa! — Suas mãos gesticulavam freneticamente no ar, enquanto ele tentava se explicar.

    — Está tudo bem, Nytheris — A voz de Flügel soou calma enquanto ele limpava o nariz, direcionando sua mana para iniciar a cura passiva.

    — Estou bem, Nytheris, não se preocupe. Você não tinha como adivinhar que era eu. O que eu não esperava é que essa armadura fosse capaz de cortar nosso vínculo e mascarar minha presença… — Seus olhos fixaram-se no elmo em sua mão. 

    No íntimo, um sentimento de triunfo o invadia, estava contente por ter confiado em sua decisão, pois sentia que, por baixo daquela camada de poeira e fuligem, escondia-se um verdadeiro tesouro.

    — Você está bem, Flügel? — Grenhard perguntou, sua voz tingida de preocupação. Para ele, era inacreditável que a armadura, apesar de todos os furos e amassados, tivesse oferecido proteção contra um ataque tão letal de Nytheris.

    Preocupado, Vark emergiu do porão em passos fortes e apressados. Em suas mãos, o homem corpulento empunhava uma maça surpreendentemente nova, cuja qualidade era visivelmente superior a qualquer outro item do acervo sujo. Sem dúvida, ele a mantinha oculta para ocasiões de perigo.

    — Cadê os ladrões?! — Vark bradou, a voz carregada de uma preocupação súbita. Seu olhar buscou freneticamente as vitrines de vidro, mas, para sua surpresa, nada parecia ter sido roubado ou danificado.

    — Está tudo bem, não aconteceu nada — Grenhard murmurou, com um encolher de ombros. Era um dia exaustivo, repleto de mais reviravoltas do que ele estava acostumado. 

    A simples visita ao submundo já o havia drenado, e o recente pavor de testemunhar a morte de Flügel o deixou física e mentalmente esgotado. Tudo o que ele queria era descansar.

    Com as palavras de Grenhard, Vark finalmente relaxou os músculos tensos. O corpulento vendedor desceu a escada do porão, apressando-se para guardar a maça e, mais importante, para juntar as moedas de ouro que caíram de suas mãos.

    Percebendo o cansaço estampado no rosto do elfo, Flügel sugeriu: 

    — Vamos embora? — Grenhard apenas assentiu em resposta. Juntos, eles se dirigiram à porta, encontrando um novo capanga de Vark ali. 

    O homem abriu caminho para os três saírem e, com um leve rangido, a porta se fechou às suas costas.

    Mergulhando-os na escuridão úmida do beco que escondia a entrada da loja. Flügel, ponderando sobre o ocorrido, optou por não vestir novamente o elmo da armadura, para que a armadura não causasse outros mal-entendidos.

    Flügel compreendeu que sua decisão de remover o elmo deveria ter sido tomada antes. A armadura, em um estado tão deteriorado, com certeza faria qualquer um pensar que seu usuário era uma criatura monstruosa.

    Além disso, ele precisava urgentemente de ar fresco. Flügel ainda não havia se livrado por completo do atordoamento, sua mão permanecia um tanto rígida e os músculos, tensos. A violenta pancada no elmo, embora amortecida, havia causado um dano em sua cabeça maior do que ele ousava admitir.

    — Mas por que você compraria essa armadura surrada? — Grenhard questionou, e seu olhar fixou-se em Flügel enquanto ele os conduzia pela mesma rota que usaram para chegar à loja de Vark.

    — Como você mesmo percebeu, ela é bastante resistente… E, para ser sincero, eu já sabia que não era sucata — Ele sorriu, o olhar distante, como se já visse a armadura em seu esplendor original, depois de arrumada e consertada.

    Finalmente livres das ruas perigosas das profundezas da favela, eles encontraram uma carruagem à espera. Todos embarcaram, e o cocheiro partiu, levando-os em direção à casa de Flügel. 

    Flügel sentia-se inquieto com Nytheris. O familiar havia mergulhado em um silêncio pesado desde que pediu desculpas, e com o rosto tampado, Flügel não conseguia decifrar o que se passava em sua mente.

    Flügel decidiu não forçá-lo a tirar o elmo na frente de Grenhard, nem conversar sobre o assunto. Ele sabia o quanto seu familiar não gostava de se abrir diante de outros. Flügel tinha certeza de que, quando estivessem a sós, Nytheris colocaria tudo para fora.

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