Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    — HIIIÉÉK! — O grito estridente e agudo rasgou o ar, ecoando a cada avanço. A luta contra os goblins seria bem mais simples se Flügel pudesse usar magia, mas ali, ele se limitava à força bruta de seus punhos. Felizmente, a pouca estatura e o corpo humanoide dos inimigos, por outro lado, davam-lhe uma vantagem inesperada, tornando-os alvos mais acessíveis para seus golpes.

    Mal enxergava direito, o raciocínio nublado, movia-se por puro instinto, o corpo agindo sozinho para se defender e esmagar aquelas criaturas. Goblins mortos, fantoches do Lich, como o lobo que havia enfrentado. Seus corpos em decomposição e olhos vazios, desprovidos de alma, confirmavam a natureza grotesca do inimigo.

    O calor da enorme matriz aquecia suas costas, tão próximo que o receio de colidir com ela era quase tão real quanto os ataques à sua frente. A mente maléfica do Lich havia manipulado aqueles goblins para devorar a própria mana que ligava a matriz. Graças a essa genialidade sombria, Flügel era forçado a avançar contra os seres agachados, que se alimentavam vorazmente da energia vital do sistema.

    Seu único consolo naquela luta de punhos era a cura passiva, que ele ativou com hesitação, temendo ainda assim perturbar as matrizes. Nytheris, uma manifestação de pura mana do elemento escuridão, mantinha-se o mais longe possível; a densa concentração de mana no local não era favorável para os sigilos e poderia, inclusive, causar distúrbios nas já frágeis matrizes.

    A armadura de prata opaca de Nytheris, agora salpicada de sangue podre, era usada para pulverizar os ossos das pequenas criaturas que berravam de dor a cada impacto.

    ‘Onde está Siegmeyer?! Ele conseguiu recuar com Thalion?’ Flügel agarrou o rosto de um goblin, evitando ser mordido pelos dentes pontiagudos e sujos da criatura. Com um movimento brutal, abriu a boca do goblin até rasgar suas bochechas e deslocar o maxilar, e então usou a cabeça do infeliz para golpear outro que avançava.

    Nytheris, por sua vez, tentava desesperadamente deter os goblins que avançavam, formando uma barreira para que Thalion e Siegmeyer pudessem recuar em segurança. Incapazes de usar magia, a única opção dos dois era buscar reforços, e Nytheris se esforçava para ganhar-lhes tempo.

    Graças ao seu ardema e corpo, ambos refinados e fortalecidos pelas poções, Flügel conseguia aguentar os socos e mordidas, pelo menos o suficiente.

    Flügel desferiu um chute poderoso que lançou um goblin para longe, fazendo-o colidir contra uma árvore com um baque úmido. Girou, os olhos procurando desesperadamente por Siegmeyer. 

    A névoa escura, que antes era sutil, adensava-se ao redor da base da matriz atacada, formando uma cortina que dificultava a visão e parecia sufocar a própria luz. 

    O cheiro de decomposição, um lembrete constante da natureza grotesca de seus inimigos, tornava-se cada vez mais insuportável.

    O zumbido das matrizes principais, antes uma melodia constante, agora parecia tremer, um sinal de que sua energia era drenada rapidamente. 

    Se alguma matriz caísse, o desastre seria imenso. Flügel precisava agir, mas a horda de goblins parecia infinita. Moviam-se com uma ferocidade insana, impulsionados pela fome insaciável pela mana da matriz, ignorando a dor e os danos que sofriam.

    Um guincho agudo chamou a atenção de Flügel. Nytheris, a poucos metros, estava encurralado por três goblins que se chocavam repetidamente contra sua armadura de prata opaca. Embora a armadura se mantivesse firme, sem um arranhão, a pressão era constante.

    — Nytheris, aguente! — Flügel gritou, lançando-se para ajudar. Sua prioridade era a matriz, mas não podia deixar seu companheiro ser sobrepujado. Socou um dos goblins, sentindo o crânio da criatura ceder sob a força de seu impacto, espirrando um líquido acinzentado e viscoso.

    Enquanto a luta continuava, Flügel notou que os goblins não atacavam indiscriminadamente. Seus alvos principais eram os pontos luminosos na base da matriz, onde fios de mana mais finos se conectavam. 

    Era como se tivessem um plano, uma inteligência sombria por trás de sua ferocidade. Era óbvio que aquilo não era um ataque aleatório. 

    Uma dor de cabeça excruciante irradiou do fundo de sua cabeça. A raiva borbulhava em seu âmago, e o pensamento do Lich inflamava-a ainda mais. Essa mesma raiva fazia sua dor de cabeça aumentar, e ele a descontava em cada uma das criaturas que avançavam contra ele e contra a matriz. 

    Não sabia quanto tempo havia passado, e seu corpo não doía, o que era um alívio. Mas ele não sabia se era o anestésico da adrenalina ocultando a dor de ferimentos que ele deveria ter, ou se ele realmente não havia se machucado.

    Mas de uma coisa Flügel tinha certeza. Ele estava gostando daquilo. Ver as criaturas do Lich sucumbirem com um único soco era gratificante. Ele realmente estava se tornando mais forte. Forte o bastante para matar aquele maldito Lich. E, diante do poder que ele exercia com suas mãos nuas, algo profundo dentro de seu ser foi irrevogavelmente mudado.

    Ele estava submerso em sangue, violência e uma raiva quase palpável quando um rugido primordial rasgou o céu. O som era tão avassalador que fez os ouvidos de Flügel zumbirem, arrancando-o de seu transe de caos e fúria. 

    Até mesmo os próprios goblins hesitaram por um instante, congelados em sua fúria insana. As árvores se curvaram como juncos sob uma ventania repentina, e por entre os galhos retorcidos, uma silhueta colossal mergulhou em queda livre.

    Asas membranosas, brilhando com padrões dourados como circuitos de mana, desdobraram-se num clarão que fez o ar tremer.

    Era um Severus, uma criatura sagrada do Império, cabeça de águia gigante e corpo de serpente alada, com escamas de verde azulado cintilante e olhos que cuspiam faíscas azuis. 

    Em seu dorso, um garoto vestindo uma armadura de placas cinza-escuro ergueu um cajado de cristal negro, a ponta pulsando com runas vermelhas.

    — Aleksander Oblivayne, Primeiro Mago da Legião Carmesim! — Sua voz ecoou como um trovão gravado em metal, fazendo o próprio ar vibrar. Ele murmurou algo, e o Severus descreveu um círculo perfeito no céu, suas asas membranosas batendo em ritmo que ecoava como trovões abafados. 

    Cada movimento desenhava arcos de energia dourada no ar, tecendo uma mandala luminosa que envolveu o campo de batalha. 

    Aleksander permaneceu em pé sobre seu dorso, mas não fixo, ele dançava entre as escamas da criatura como se fosse parte dela, seu cajado de cristal negro agora erguido como um farol contra a escuridão.

    — Vórtice de Mnemosyne! — Sua voz ecoou como um comando ao Severus.

    O Severus inclinou as asas abruptamente, mergulhando em queda livre enquanto seu bico abria-se numa gargalhada sombria que distorceu o ar. Do vácuo de sua garganta, jorrou não luz, mas escuridão invertida: um feixe de anti-luz púrpura e prateada que descosturava a realidade. 

    As árvores no caminho do ataque não queimaram, nem congelaram, simplesmente deixaram de existir. Seus contornos apagados como traços a lápis sob uma borracha cósmica. 

    O feixe de anti-luz varreu a área, consumindo os goblins que estavam no caminho, reduzindo-os a nada. E, inevitavelmente, Flügel, que estava em sua trajetória, teve seu corpo atingido.

    Ele simplesmente deixou de existir, exatamente como as árvores e os goblins que o Vórtice de Mnemosyne havia consumido. Não houve impacto, nem som, apenas o vazio onde ele estivera.

    E então, o silêncio. Aquele vazio gelado que ele já conhecia tão bem. O poço onde nem os pensamentos o alcançavam. A derrota. De novo. Mas, desta vez, foi diferente. Uma aniquilação total, sem vestígios.

    As vozes que estiveram caladas por muito tempo retornaram: “A morte não o aceita, Flügel. Retorne e aprenda com seus erros. Seu propósito é mais antigo do que pensa.”

    A luz caótica explodiu, um turbilhão de cores que queimava os olhos, e ele estava de pé novamente, as botas afundando no chão úmido da floresta, no mesmo ponto exato em que havia sido obliterado. O corpo estava inteiro, seu braço tinha acabado de balançar sobre a cabeça de um goblin, amassando seu crânio.

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