Índice de Capítulo

    Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
    Aspas duplas para conversa mental: “
    Travessão para falas em voz alta: —

    Assim que o bico da enorme criatura alada se fechou, ela bateu as asas, e o vento, antes um aliado, tornou-se um inimigo furioso. A turbulência gerada por cada movimento de Severus não era apenas uma corrente de ar: era um redemoinho selvagem que sacudia tudo ao redor. 

    Árvores inteiras se curvavam sob a força do vendaval, galhos eram arrancados das árvores como se o mundo estivesse sendo varrido por uma tempestade.

    Flügel sentiu o impacto da primeira rajada atravessar seu corpo, e o ar ao redor perdeu toda a estabilidade. Ele girou no céu, desorientado, enquanto Nytheris se agarrava com força o que restava de sua camiseta, tremendo.
    — Ei! — a voz distante de Aleksander ecoou entre os rugidos do vento.

    ‘Aquele maldito está me chamando? Ele não vê que está me atrapalhando a voar?!’

    Roendo-se de frustração, Flügel praguejou mentalmente contra o mago e sua besta sagrada. Cada músculo de seu corpo estava tenso, e por alguns segundos, ele sentiu que seria lançado como um boneco até o chão.

    Foi então que instintivamente deixou a magia assumir o controle. Ele fechou os olhos por um instante e sentiu o peso do próprio corpo flutuar. Manipular gravidade não era como simplesmente cair ou subir; era como se uma mão invisível segurasse seu centro de gravidade e o puxasse para onde ele desejava.

     Ele direcionou essa força para baixo, sentindo o ar “prendê-lo” em posição, enquanto a magia de vento girava em torno de seu corpo, criando uma fina camada que amortecia o impacto das correntes violentas.

    Seu estômago revirou quando finalmente estabilizou o voo. Agora, cada batida de asas do Severus atingia sua barreira de vento como marteladas, fazendo sua mana vibrar em resposta. 

    A criatura bateu as asas, e outra onda de turbulência veio. Flügel puxou o fluxo de gravidade para frente, como se estivesse nadando contra uma correnteza invisível, sentindo o peso de Nytheris aumentar em seu ombro direito à medida que ele reforçava a magia.

    Respirar parecia difícil, mas, por fim, conseguiu firmar seu corpo em meio ao caos. Ele não estava voando com liberdade, estava lutando contra a própria tempestade que Severus criava.

    — Sou enviado do império! Os reforços que vocês de Tournand pediram! — Ele gritou, com uma alegria explícita em sua voz.

    — Pare esse seu Severus! — Flügel bradou, não escondendo a raiva em sua voz.

    O rosto de Aleksander endureceu quando ele ouviu a resposta de Flügel, mas ele murmurou algo para Severus e ele parou imediatamente, pousando sobre um grupo de árvores que cederam sob o peso esmagador da besta. 

    Ela era enorme, causando um estrago enorme em muitas árvores, seu corpo serpentino mesmo se enrolando em si mesmo, ele continuou ocupando algumas dezenas de metros.

    O tremor cessou, e a floresta, antes violentada pelo vento, pareceu suspirar em alívio. Flügel, ainda ofegante, se sentiu seguro para finalmente respirar com calma e diminuir toda a mana que ele manipulava para se manter estável. 

    Sua mente estava cheia de pensamentos, seu corpo fumegava e ele se sentia quente. Ele desceu aos poucos enquanto tentava organizar seus pensamentos.

    Se eram realmente os reforços do império, por qual motivo Aleksander tentaria matar Flügel junto com os goblins? E ele não tinha chegado rápido demais no reino de Tournand para ter vindo do império Guardião?

     Garrick lhe dissera que eles esperavam a ajuda do império em três dias, mas se passou apenas um dia desde que Garrick anunciou o pedido de reforços ao império. Uma pontada de desconfiança começou a corroer a mente de Flügel. Havia algo de muito errado ali, algo que não se encaixava.

    Ele pousou os pés tocando o solo úmido, e soltou Nytheris, que se afastou, ainda ofegante. Ao seu redor, a grama sob seus pés parecia mais densa, o zumbido da matriz principal, antes uma melodia distante, agora um tamborilar constante e opressor no ar.

    Flügel estava a uma distância segura, mas a perturbação nas matrizes o atingia como uma onda de choque invisível. Um arrepio gélido percorreu sua espinha, um medo primitivo de que aquela estrutura colossal, tão vital, fosse sacudida demais e se despedaçasse em um desastre cataclísmico. Se isso acontecesse, ele sabia, com uma certeza amarga, que estaria impotente para fazer qualquer coisa.

    Seus olhos se fixaram em Aleksander, que se aproximava com uma energia quase perturbadora. Havia um brilho inebriante em seus olhos e um sorriso de orelha a orelha que parecia iluminar seu rosto. 

    A felicidade dele era tão radiante que chegava a ser estranha diante do cenário caótico. Com passos apurados e ansiosos, ele alcançou Flügel em segundos, a mão esquerda estendida para um aperto, enquanto a direita segurava firmemente seu cajado. 

    — É um prazer te conhecer! Eu não fui capaz de te reconhecer e pensei que você era um monstro que tinha se rebelado contra os outros — exclamou Aleksander, com um entusiasmo que mal cabia nele. 

    — Mas te vendo agora eu sei que você é o Flügel, certo? — Ansioso demais para esperar que Flügel estendesse a mão, ele a agarrou com uma investida rápida e a balançou vigorosamente, quase empolgadamente. 

    — Você tem quantos anos? Quatorze? Quinze? Eu tenho quinze, fiz pouco tempo atrás! — Aleksander disparou, os olhos brilhando com uma curiosidade quase infantil. 

    — Eu te reconheci quando conseguiu voar e escapar do ataque de Ophiornis! Você é incrível, como conseguiu voar tão rápido? 

    Os olhos admiradores de Aleksander, fixos em Flügel, eram intensos demais para seu conforto. O rosto estava perto demais, a mão apertando a sua com uma força excessiva. Contudo, apesar do incômodo, ser alvo de um olhar tão cheio de admiração genuína não era de todo ruim, de fato, fez o ego de Flügel inflar-se ligeiramente. Essa súbita e inesperada sensação de validação conseguiu, por um breve momento, diminuir um pouco sua raiva.

    — Eu não sabia que tinha fãs por aí… — A voz de Flügel saiu fraca, quase abafada pela enxurrada de perguntas de Aleksander. 

    — Eu tenho dez anos, e não vou saber te explicar como eu consigo voar. — Ele deu um passo para trás, afastando-se o suficiente para tentar, sem sucesso, livrar a mão do aperto surpreendentemente firme de Aleksander.

    — Flügel… — A voz de Nytheris estava carregada de preocupação e cautela, com um tom adicional que Flügel não conseguiu decifrar. — Você está muito machucado, deixe-me te curar. — Ele disse, a mão pousando com delicadeza no ombro direito exposto de Flügel. Sua camiseta e capa estavam em frangalhos, e suas calças também não tinham escapado ilesas da intensa batalha que ocorrera há poucos minutos.

    Olhando para si mesmo após a observação de Nytheris, Flügel finalmente percebeu a extensão de seus ferimentos. Ele estava coberto de cortes, marcas de mordidas e com vários pedaços de pele faltando. Mesmo fracos individualmente, a quantidade massiva de goblins e a concentração de ataques em um só lugar haviam conseguido causar um estrago notável em seu corpo refinado.

    E coberto de sangue, ele finalmente entendeu por que Aleksander o havia confundido com um monstro. Seu próprio reflexo, se houvesse um espelho ali, seria de uma figura grotesca, manchada de carmesim.

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