Capítulo 85 — Confiança

— Bom… Sim, temos algo já — Ele começou, a voz rouca e firme. — Apesar de eu achar que seria mais seguro esperarmos os reforços, não temos todo esse tempo. Precisamos agir em breve… está tudo planejado para depois de amanhã.

O olhar de Garrick se fixou em Flügel, uma mistura de esperança e cautela.

— Espero ter a sua presença. Precisamos ter o máximo de força para diminuir as nossas baixas. E como você já lutou contra os monstros dele, sua ajuda será inestimável.

Flügel, em resposta a ordem de Garrick, fechou as pernas e endireitou as costas.

— Sim, senhor! — respondeu, a voz carregada de respeito. Era uma ordem do major, e Flügel, como um simples soldado, sabia que sua lealdade e obediência eram fundamentais.

Garrick, então, virou-se para o Príncipe Aleksander. — Espero ter o seu apoio também, Príncipe.
Os lábios de Aleksander se curvaram em um sorriso satisfeito. O rosto dele se iluminou com uma alegria genuína, um brilho perigoso de quem ansiava por um desafio.

— Então, está decidido. Eu irei com vocês. — o Príncipe declarou, sua voz cheia de autoridade, como se a sua palavra selasse o destino.

Garrick, no entanto, não relaxou. Ele sabia o quão volátil e perigoso era o poder que Severus possuía, mas a responsabilidade pela segurança do príncipe, agora, também era sua. O Major endireitou a postura, seu tom se tornando mais sério.

— Entendido, Príncipe. Por sua segurança e pela segurança da missão, será crucial que o senhor siga as nossas táticas no campo de batalha. Não sabemos o que esperar do Lich, e a nossa melhor chance é a cautela.

Aleksander apenas assentiu, os olhos ainda brilhando com a promessa de um bom desafio. Ele não parecia interessado nos detalhes da cautela, mas sim na aventura que o aguardava. Para ele, cada batalha era uma nova peça de xadrez a ser jogada, e a vida dos peões não parecia pesar tanto.

Flügel ouviu a conversa com uma confiança se instalando no peito. Com a força de um Guardião, não importava quantos monstros o Lich possuísse, sua vitória era impossível. Ele jamais conseguiria bater de frente contra uma força ancestral, uma força que havia moldado o mundo e defendido a humanidade por gerações.

— Descanse hoje, Flügel, e amanhã venha cedo para cá. Vamos nos preparar para atacarmos depois de amanhã, ao amanhecer. Gundal provavelmente descobriu o lugar onde o Lich está: É perto das montanhas, ou ele está nas montanhas. Tem uma quantidade maior de vultos esfarrapados para lá e, também, mais daqueles grandões que vimos.

A revelação da localização do Lich fez o coração de Flügel bater mais forte. Garrick pretendia atacar em seu esconderijo, antes que o monstro trouxesse a batalha para dentro das paredes do reino de Tournand.

Isso tornaria a batalha mais fácil para as forças do reino, que não precisariam se preocupar em proteger os moradores, o que causaria menos baixas. A estratégia era sólida, e Flügel admirava a perspicácia do Major.

Sendo um ataque depois de amanhã, Timur, o ferreiro, teria tempo o suficiente para terminar de consertar a nova armadura de Flügel. Isso o deixava ainda mais confiante de que o ataque seria um sucesso. A nova armadura, uma provável relíquia esquecida era sua esperança.

— Sim, Major! — Um sorriso confiante se abriu em seu rosto, e ele assentiu com a cabeça. Estava mais perto do que nunca, ele finalmente veria a queda daquele maldito Lich. E teria certeza de estar por perto quando ele desse o seu último suspiro. E, se o destino lhe permitisse, tentaria ser aquele que ceifaria a sua vida.

A ambição em seu olhar não passou despercebida. Garrick, um veterano que já tinha visto o fogo da juventude queimar rápido demais, sentiu uma mistura de aprovação e cautela. A confiança era vital, mas a arrogância era um veneno mortal.

— Que bom ver essa determinação, garoto. — Garrick respondeu com seriedade, ignorando o tom presunçoso.

— Mas lembre-se, a ousadia é amiga da loucura. Um Lich não é um ser comum. Você pode ser forte e ter um talento sem igual, mas ainda sangra e pode morrer. Ou por acaso se esqueceu que você caiu com um único ataque daquele grandão que o Lich tem?

A lembrança veio como uma facada. Um gosto amargo invadiu a boca de Flügel, o eco da dor e do impacto contra a árvore ecoou em sua mente. A imagem do ataque brutal do “grandão” e o cheiro do seu próprio sangue voltaram, e o sorriso de confiança em seu rosto se desfez, dando lugar a uma expressão séria e concentrada.

A mais pura verdade doía. O que o Major disse ecoou na mente de Flügel: ele quase sucumbiu a um único golpe de um dos fantoches do Lich, e nem mesmo sabia se aquele era o mais poderoso do arsenal do inimigo.

A presença da besta sagrada do império era, sim, um trunfo, mas estava longe de ser uma garantia de vitória pessoal, mesmo estando do lado que possuem o guardião, isso não significava que ele sobreviveria a isso. A cautela que Garrick tentava incutir era uma lição difícil, mas necessária, e Flügel a aceitou com relutância.

O silêncio tenso se instalou, pesado, enquanto Thalion e Siegmeyer se entreolhavam, compreendendo a dureza daquelas palavras. Eles sabiam que, embora fosse um golpe na confiança de Flügel, era o conselho mais sensato que o jovem poderia receber.

Aleksander, no entanto, apenas observava a reação de Flügel, com um brilho de interesse em seus olhos. Ele estava avaliando o jovem, sua força e sua fraqueza. Uma excitação crescia em seu peito, pois ele queria lutar lado a lado com Flügel.

Por serem os mais jovens em seus respectivos exércitos, ele se sentia bem por estar ao lado de alguém que, assim como ele, iniciou a vida militar em uma idade precoce.

A base foi tomada por um silêncio tenso, onde o peso das palavras de Garrick se abateu sobre todos. A exceção era o radiante príncipe, que permanecia submerso em suas fantasias de glória, alheio à seriedade do momento.

— Eu vou descansar um pouco. — Flügel finalmente disse, a voz mais baixa, a arrogância substituída pela seriedade.

— Vá, garoto. Você precisa — Thalion respondeu, um sorriso de alívio no rosto. Ele sabia que a repreensão de Garrick era necessária. Siegmeyer apenas assentiu, mas seu olhar ainda estava fixo em Aleksander, uma mistura de incredulidade e respeito.

Com um aceno de despedida, Flügel se dirigiu para a saída, e Nytheris, que havia se mantido em silêncio durante toda a conversa, o seguiu em passos silenciosos.