Capítulo 92 — Golpes pesados

A nuvem de poeira levantada pela queda de Flügel finalmente começou a se dissipar. Ele se levantou do chão, sentindo o peso leve e seguro da armadura, e com um gesto confiante e lento, bateu na poeira do peitoral. 

A ação fez um som surdo e metálico, limpando a superfície negra e sombria, mas revelando um pequeno detalhe. Bem no centro do peitoral, onde a lança havia atingido, havia uma pequena depressão, uma marca sutil que a poeira havia escondido.

Flügel parou por um instante, a mão ainda sobre a marca. O dano era mínimo, mal perceptível, mas estava lá. A armadura tinha resistido, mas a força havia sido tão imensa que até mesmo o Aço Dracônico havia cedido um pouco. A confiança em sua nova proteção se misturou com uma ponta de respeito pela força do impacto. 

Ele então caminhou até Nytheris, que segurava os cacos da lança de treinamento, paralisado. A adrenalina do teste deu lugar a uma calma silenciosa e determinada. A armadura era poderosa, a prova estava lá, com sua pequena cicatriz. Agora, era hora de usar esse poder.

— Ele não espera que eu consiga resistir a isso — disse Flügel, a voz firme. — Não depois da última vez. A vantagem do nosso lado é que o Lich subestima a minha força — Flügel sorriu de confiança, seu sorriso escondido pelo elmo sobre sua cabeça.

— Você poderia ter trago a sua armadura, poderíamos fazer sparrings com elas, assim nos acostumaríamos mais rápido a usar elas em combate — Ele ofegou um pouco, levemente sem ar por conta do impacto poderoso da lança contra seu peito. 

A armadura tinha segurado todo o dano, mas ele ainda sentiu um pouco do baque, e o medo de ser acertado de forma tão brutal também lhe tirou o fôlego por um momento. Ele poderia ter se ferido gravemente de forma proposital por ter sido impulsivo em querer testar tanto a sua nova armadura.

— Podemos ir para casa e treinarmos no jardim… — Nytheris disse reconhecendo que essa era uma boa ideia.

Eles deixaram o pátio de treinamento, ignorando os olhares curiosos e as fofocas abafadas que se formavam entre os guardas. A caminhada de volta para a casa foi silenciosa, preenchida apenas com a expectativa do que viria a seguir.

Quando chegaram em casa, Flügel esperou no centro do jardim. O ar da manhã era calmo, e o silêncio do lugar era um forte contraste com o barulho do pátio de treinamento. Ele olhou para a pequena depressão no peitoral, passando a manopla sobre ela. A cicatriz na armadura não era um sinal de fraqueza, mas um lembrete do quão poderoso o impacto havia sido.

Alguns minutos depois, Nytheris retornou. Ele agora estava vestido com um conjunto de armadura de prata, surrada e marcada, cheia de sangue podre seco da batalha contra os goblins. O design era mais leve e aerodinâmico do que a armadura de Flügel, priorizando velocidade e agilidade sem sacrificar a proteção contra ataques físicos.

Quando o elmo foi colocado, o peso da armadura pareceu desaparecer, substituído por uma sensação de poder e agilidade.

Nytheris se virou para Flügel, que o observava com um olhar de aprovação. Seus olhos, visíveis através da fresta do elmo, estavam cheios de uma nova determinação.

Uma sombra negra começou a exalar das mãos de Nytheris e se solidificou, tomando a forma de duas espadas longas, negras e sem corte. A mana que as formava lhes conferia um peso e um ponto de equilíbrio perfeitos para o combate. 

Com um movimento rápido e fluido, Nytheris lançou uma das espadas para Flügel, que a apanhou com firmeza pela empunhadura. A espada restante na mão de Nytheris pulsou com mana e se alongou, transformando-se em uma lança negra e ameaçadora.

— Está pronto? — perguntou Flügel, sua voz abafada.

— Mais do que nunca — respondeu Nytheris, sua voz soando clara e confiante de dentro do elmo.

Flügel assumiu uma posição de combate. A manopla em sua mão direita se fechou e a aura invisível de sua mana gravitacional começou a se intensificar, fazendo com que o ar ao seu redor ficasse denso.

— Vamos começar — Sua voz era baixa e confiante. Ele levaria isso a sério, por isso usaria a magia gravitacional para aumentar o peso em seus ataques, tornando-os mais brutos e difíceis de defender.

O choque veio quase instantaneamente. Nytheris foi o primeiro a se mover, a lança negra se estendendo com velocidade e graça. 

O ataque visava o ombro de Flügel, mas o garoto se moveu com uma agilidade surpreendente para um guerreiro de aparência tão pesada. A ponta da lança roçou na armadura negra com um som áspero.

Flügel contra-atacou. Sua espada negra, antes apenas uma arma de mana, agora carregava também o peso de sua magia gravitacional. 

Não era apenas um golpe, era um impacto poderoso a cada balanço. A mana da lança de Nytheris reverberou com um som estrondoso ao bloquear o ataque, e a força do golpe o fez recuar um passo, o corpo tremendo com o esforço de resistir.

‘A diferença é brutal’ pensou Nytheris, os dentes cerrados.

A luta se tornou uma dança de opostos. Nytheris, em sua armadura leve, confiava em sua velocidade e alcance, girando a lança para atacar de todos os ângulos.

Ele era um borrão de prata, movendo-se com a fluidez de uma serpente, buscando uma brecha na defesa de Flügel. Flügel, por outro lado, era um pilar de força. Cada passo seu era pesado, cada golpe, um martelo. 

A aura de mana gravitacional em torno de sua armadura tornava sua movimentação pesada, mas seus ataques eram devastadores. Ele não se esquivava, ele bloqueava, absorvendo a força dos golpes de Nytheris para depois contra-atacar com uma brutalidade esmagadora.

A lança de Nytheris colidiu novamente com a espada de Flügel. O ar estremeceu com o impacto. O som estranho das armas de mana sólida ecoou pelo jardim, um testemunho silencioso da intensidade da batalha.

A lâmina de mana de Nytheris escorregou da espada de Flügel, forçando-o a dar outro passo para trás. O baque surdo de suas botas na grama úmida denunciava o esforço. A lança foi erguida novamente, pronta para outro ataque. 

Ele estava surpreso, a força por trás do golpe de Flügel era muito maior do que ele esperava, mesmo sabendo que o garoto estava usando sua magia de gravidade.