Dica para leitura: aspas simples são para pensamentos internos, que é esse símbolo: ’
Aspas duplas para conversa mental: “
Travessão para falas em voz alta: —
Capítulo 96 — Monstros e Homens
O primeiro guarda trocou um olhar com o segundo, e o desinteresse foi claro. Eles já tinham visto jovens ambiciosos demais para seu próprio bem. Sem esperar por uma resposta, o guarda acenou com a mão, um gesto de cansaço.
— Siga em frente, garoto. Apenas tome cuidado com a vida selvagem. Não volte chorando para nós depois.
O medo rastejou pela espinha de Elijah. Uma parte dele secretamente ansiava por ser impedido, por um obstáculo que o forçasse a repensar a decisão. Mas agora que a passagem estava livre, ele não podia mais recuar. Engoliu o medo junto com a saliva, e seu corpo se moveu em direção à escuridão da floresta.
O ar da floresta o atingiu como uma onda, mais frio e úmido do que o ar da cidade. O cheiro de terra molhada e folhas secas substituiu o aroma de pão fresco e lareiras.
Elijah deu o primeiro passo na estrada de terra batida, o ruído de seus sapatos abafado pela floresta que se erguia sobre ele. O portão atrás dele não era apenas uma saída da cidade, mas um portal para uma nova realidade, uma onde as regras não eram escritas em livros, e sim com base no mais forte.
Ele caminhou, a luz do sol lutando para atravessar a densa copa das árvores. Cada sombra parecia se contorcer em algo ameaçador, cada som de galho estalando parecia um passo atrás dele. A sua ambição, que antes parecia tão clara e nítida, agora se misturava com o medo.
Ele era um gênio na academia, o melhor em teoria mágica e esgrima. Mas aqui, nesse mundo implacável, ele era apenas uma criança com uma espada de madeira e uma mochila cheia de papéis inúteis. A urgência de ficar mais forte rapidamente era uma faca de dois gumes, que o impulsionava e, ao mesmo tempo, o enchia de um terror gelado.
Algumas carruagens eram vistas, carregadas com soldados, passando pela estrada. O movimento estava maior do que ele imaginou que seria, mas isso não lhe abalou, ele adentrou na floresta, com o objetivo de encontrar monstros fracos, tão fracos que ele seria capaz de matar com sua espada de madeira e o auxílio de sua magia.
Conforme Elijah caminhava para mais fundo na floresta, o som das carruagens e dos soldados desapareciam rapidamente atrás dele, substituído pelo farfalhar das folhas e o som distante de um pássaro. A trilha de terra batida foi gradualmente engolida pela vegetação densa.
Ele se viu cercado por árvores altas e retorcidas, o chão coberto por raízes e musgo. Ele sabia que o perigo estava à espreita, mas o silêncio era mais assustador do que qualquer rugido.
Ele caminhou por horas, sem direção. O sol desapareceu atrás das nuvens e a luz do dia se esvaiu rapidamente, dando lugar a uma escuridão opressiva. Cada som de galho estalando parecia um passo atrás dele. Ele sentiu o pânico, e começou a se arrepender profundamente de sua decisão estúpida.
Perdido, ele se forçou a continuar, a sua respiração ofegante, o suor escorrendo por sua testa. A escuridão era total agora, e ele não conseguia ver nada. Apertou o cabo da espada, o peso familiar era um pequeno conforto em sua mão. Tentou controlar a sua respiração que entrava em golfadas.
— Brilho da alma, manifesta-te! — uma recitação encurtada ao limite de sua habilidade, uma diferença cruel de seu irmão que era capaz de conjurar feitiços sem palavras. O medo do que se espreitava na escuridão ofuscou a cautela que ele aprendeu na academia. A bola de luz que surgiu em sua mão era fraca, mas estável, o suficiente para iluminar um pequeno círculo ao seu redor.
A luz fez com que a vegetação densa e as árvores retorcidas criassem sombras assustadoras ao seu redor. Elijah apertou o cabo de sua espada de madeira, sentindo um pequeno alívio com o peso familiar em sua mão, mas sabendo que isso não seria o suficiente para protegê-lo do que estava por vir.
Ele caminhou por alguns longos minutos, a magia da bola de luz revelando o caminho. Ele não sabia para onde estava indo, mas o medo de ficar parado era maior do que o medo de se perder. Ele ouviu um som, um som de madeira quebrando, e o seu coração acelerou.
Com a cautela agora em primeiro plano, ele apagou a luz. O risco de ser visto era grande demais. Ele se escondeu atrás de uma árvore, e olhou para frente. Ele sentiu o cheiro de fumaça e carne queimada. A fumaça escorria por entre as árvores, se misturando ao ar frio da floresta. Ele viu uma pequena fogueira.
A luz fraca e bruxuleante da fogueira revelou a cena: três Goblins, pequenos e com a pele esverdeada, estavam sentados em volta. Um deles estava afiando a ponta de uma lança feita de um galho, enquanto os outros dois mastigavam pedaços de carne mal assada ou assada ao ponto de queimada e riam.
Eles eram desajeitados, mas os dentes pontiagudos e os olhos cheios de malícia deixavam claro que não eram inofensivos.
Elijah sentiu uma onda de alívio. Goblins. Eles eram fracos, e ele poderia facilmente derrotá-los. Ele se lembrou das palavras de seu instrutor, das posturas, dos golpes. Ele se sentiu confiante. Ele se sentiu pronto. Ele se sentiu um herói.
Elijah se preparou para atacar, sua espada de madeira em sua mão. Ele sabia que era o começo de algo. Ele sabia que precisava de algo que só a dor e a brutalidade poderiam lhe ensinar.
Mas o que ele viu o fez hesitar. A luz fraca da fogueira iluminava os três goblins, e ele podia ver que eles não eram apenas criaturas. O primeiro, que parecia ser o mais velho, tinha uma cicatriz feia que ia do olho direito até a bochecha.
Ele usava um pedaço de couro gasto como túnica e tinha uma lança feita de um galho de árvore em sua mão. Ele estava afiando-a com uma pedra, e o som arranhado era alto o suficiente para ser ouvido por Elijah.
O segundo goblin era mais gordinho, e estava mastigando um pedaço de carne queimada, a pele esverdeada e enrugada de seu rosto mostrando uma careta de satisfação. Ele ria, e a risada soava como uma tosse. O terceiro era o mais novo, e tinha a pele mais clara, e estava sentado, cutucando a fogueira com um galho, enquanto de vez em quando mordiscava uma carne quase crua.
Com um sobressalto, Elijah se deu conta de que eles não eram apenas monstros. Os Goblins conversavam em sua língua estranha, rindo e discutindo, e a cena revelava um elo perturbador com a humanidade.
Eles não eram apenas figuras disformes, mas seres vivos com rotinas e emoções. Sua ambição de “caçar monstros fracos” se desfez em um nó na garganta. Ele não estava prestes a lutar contra um desafio, mas a tirar uma vida. Sua decisão de atacá-los não parecia mais tão simples.
Essa nova visão o fez hesitar. Ele sentiu um nó na garganta, uma estranha mistura de piedade e terror. O trio de Goblins era o alvo ideal para um novato, mas um único passo em falso poderia levar ao fim de sua jornada.
Ele cerrou os dentes, a adrenalina pulsando em suas veias. Esta era a sua chance de crescer, de conquistar a experiência de batalha que a academia jamais lhe daria.
Em sua mente, ele era um herói. Mas, na realidade, olhava para criaturas vivas e felizes, rindo e comendo juntas. Estava ele realmente pronto para derramar o sangue delas? Ou sua própria imprudência levaria ao derramamento do seu, por uma causa da qual ele já não tinha mais certeza?
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