Índice de Capítulo

    Ouviam-se passos ao longe, enquanto algo lhe cobria as coxas. Vozes soavam próximas, discutindo o que seria feito de seu destino. Seguia-se por um longo caminho, traçado onde antes se erguia uma montanha agora ausente.

    Do alto, alguém desceu, com asas negras envoltas numa aura sombria.

    Léo encarou e perguntou, a voz de surpresa:

    — O que é isso?

    A pergunta lançada por Léo perdeu-se no ar, sem resposta. Exceto Loi, que o fitou com melancolia e replicou: 

    — Léo…

    — O que vamos fazer? — perguntou Idalme. — Sem Max, eu não consigo…

    Na mente dela, desfilavam imagens confusas da missão. Fragmentos de promessas, decisões mal resolvidas e uma esperança tênue. Max parecia ser a chave — acreditava que, com ele, tudo encontraria sentido. Entretanto, Max havia adentrado em um estado em que seu coração cessou a função de bombear.

    — Calada! — Izumi alertou, enquanto carregava Max nas costas. — Ele não está morto!

    O grupo inteiro mostrava inquietação. Entre eles, Max parecia o mais essencial. Ui, com pesar no olhar, levou a mão ao bolso e, de lá, retirou uma pequena criatura.

    — Ziro…

    — Isso é… um demônio? — Loi arregalou os olhos, surpresa.

    — Sim. O nome dele é Ziro — respondeu com pesar.

    — Quê? Vocês andam com um demônio? — encarou Dam, em alerta. — Que situação é essa?

    — Irmã… não, Loi. Sei que é confuso, mas ele está do nosso lado.

    — Como assim?! Isso é um demônio! O nosso inimigo! — ela gritou, quase arfando.

    — Acalme-se, eu entendo, mas não é hora para isso — tentou acalmar, a voz firme.

    — Não! Ninguém me avisou! Eu me recuso a andar com um demônio!

    — Calada! — Izumi cortou, lançando sua intenção assassina na direção dela.

    Loi sentiu uma pressão tão intensa que, por um instante, preferia a morte àquela opressão esmagadora. O ar lhe faltava, a respiração falhava, e começou a engasgar. Sem forças, caiu de joelhos.

    — Isso está errado… como podem… é um demônio, não é, Dam?

    — Escuta — Dam se aproximou, a voz baixa. — A Ui e o Izumi são mestiços.

    — Mestiços? — franziu o cenho, confusa.

    — Sim. São filhos de um demônio com um humano.

    — Quê? Isso… é possível?

    Sua mente recusava aceitar o que via. Tudo o que aprendeu parecia desmoronar. Aqueles seres, que um dia jurou destruir, agora deixavam descendentes espalhados pelo mundo.

    Levantou-se de súbito e, para surpresa de todos, sorriu. Ui a observava com desconfiança. Aproximou-se, pousou a mão em seu ombro e disse:

    — Somos mestiços, mas não somos malignos. As coisas mudaram — disse Ui, firme.

    — Não me toque, aberração! — afastou a mão dela com violência. — Eu não aceito esse mundo…

    Ao encarar os olhos de Loi, Ui reconheceu neles o mesmo olhar de reprovação que a perseguia em sua antiga cidade. Deu um passo atrás, ciente de que certos tipos não mudavam com palavras.

    O vento se ergueu, girando com força ao redor. Léo, atento a cada gesto, sorriu de canto. Loi permanecia firme, enquanto as rajadas violentas cortavam o ar à sua volta.

    — Barreira de Vento! 

    Ela fitou Ui em silêncio. O vento, que girava em sua mão, tornava-se mais veloz, até assumir a forma de uma lâmina viva. Ui entendeu o que viria — mas tarde demais. Antes que pudesse reagir, sentiu o golpe. A lâmina já atravessava seu peito.

    — Loi… por quê…? — murmurou, a voz trêmula.

    — És um demônio. Simples assim.

    Izumi surgiu ao lado, mas foi tarde demais. Viu Ui com o peito atravessado, imóvel. Um vazio absoluto tomou conta de sua mente. Nenhum som, nenhum sinal — o coração dela foi perfurado por completo.

    Idalme e Dam, a poucos passos, assistiam à cena sem reação. Não imaginavam que Loi seria capaz de algo assim.

    — Fudeu… Izumi vai matar ela — murmurou Dam, preocupado.

    Porém, o inesperado se manifestou. Loi, com a lâmina ainda banhada pelo vento cortante, virou-se rapidamente e cravou-a nas costas de Izumi, que mal teve tempo de reagir. A dor foi súbita e profunda, fazendo-o tombar sem forças, como se o ar fosse arrancado de seu corpo.

    — Como foi possível? — perguntou Idalme.

    Até Léo, que permanecia ao lado, não acreditava no que presenciava. O mestiço, sempre vigilante e impenetrável, por um breve instante baixou a guarda — e foi fatalmente apunhalado. 

    Com as mãos tremendo de poder, concentrou suas chamas e disparou uma onda flamejante que consumiu tudo ao redor, reduzindo o local a cinzas e destruição.

    Após aquela façanha, Léo soltou uma risada fria, quase triunfante. Eliminou três inimigos que poderiam se tornar pesadelos.

    — Certo, agora vocês dois… Hum… Cadê a mulher?

    A fumaça das chamas começava a dissipar-se lentamente. No chão, gotas de sangue caíam silenciosas. Uma mulher, ofegante e com o corpo marcado pelas queimaduras, ajoelhou-se, exausta.

    — Me desculpe… — ela sussurrou antes de cair no chão. — Ui…

    As marcas das chamas suavizavam-se sobre a pele, enquanto a consciência dela se esvaía lentamente.

    — Putz… queria eliminar a do vento, agora vai ficar difícil… Que tédio.

    Idalme, que se tornou uma barreira viva, conseguiu protegê-los do ataque devastador. Até Loi, no caminho, foi poupada pela sua defesa.

    Ela depois, voltou o olhar para os dois corpos caídos e formou, na mão, uma lâmina feita de vento.

    — Afaste-se! — Dam apontou a arma para Loi.

    — Ham…

    — Eu disse, afaste-se deles.

    — Não vê? São demônios.

    — E daí?

    — Não entende? Uma hora essas coisas vão se voltar contra nós e nos matar. Abaixe a arma, Ham.

    — Não chegue perto… fica longe deles.

    — Deles? Essas coisas não são humanos.

    Ui e Izumi jazia no chão, sangrando muito, o corpo ainda pulsando.

    — Olhe só… mesmo apunhalados, esses monstros ainda vivem.

    — Foda-se! Não quero ouvir seus argumentos — a aura dele começou a envolver Liana.

    — Vai mesmo fazer isso, Ham?

    — Primeiro, meu nome é Dam. E segundo — ouça, pela última vez. Afaste-se deles!

    Loi olhou com pesar para o seu irmãozinho. Não podia acreditar que o tempo o transformou tanto, a ponto de andar ao lado de demônios. Fixou o olhar em Izumi e partiu para o ataque.

    Mas Dam, rápido, atirou em sua cabeça antes que pudesse avançar.

    — Ham, você ousou? — ela segurava a bala que girava ao seu redor, a voz cheia de fúria. — Tentar me matar?!

    — Sim, sua ingrata do caralho!

    — Quê?!

    — Por séculos, você foi refém de um demônio. Não havia salvação. Mas foram esses mestiços que você quer matar que a tiraram do inferno. E olha só no que deu: quem te salvou, agora você quer destruir.

    — Eu preferia morrer a ser salva por essas criaturas. Se soubesse desde o começo, teria morrido de desgosto de mim mesma. Mas agora não importa. Tenho um objetivo, e matarei todos. Mestiços, demônios, não importa.

    — Então vai ter que me matar!

    Loi virou a cabeça para o lado oposto e iniciou uma caminhada até encontrar outro corpo caído no chão.

    — Pensando melhor, esse aí o chamava de irmão, não é? Não me diga que também é um mestiço. Será que todos aqui são mestiços?

    Dam sentiu o peso da opressão envolver seu corpo como um manto pesado e sufocante. A consciência da derrota iminente o atormentava — sabia que não tinha chance real de vitória. 

    Mesmo que conseguisse derrubar Loi, Léo ainda permaneceria como uma ameaça, pronta para acabar com ele. A fuga parecia a única saída possível, um impulso urgente de sobrevivência que brotava em seu peito.

    Mas então, como um fantasma do passado, a lembrança daqueles momentos sombrios voltou com força: Germa e Germe, ambos caídos e sem vida no chão. A imagem sangrenta de seus corpos inertes parecia se refletir agora diante de seus olhos, na forma de Ui e Izumi, igualmente vulneráveis.

    Um frio cortante atravessou-lhe a espinha, e algo dentro dele se recusou a ceder. Não podia mais se permitir fraquejar, não agora. A responsabilidade e o peso do que estava em jogo o obrigavam a lutar, mesmo que isso significasse entregar sua própria vida. Precisava conter aquelas duas forças — custasse o que custasse.

    — Eu não vou fugir dessa vez! — declarou com convicção.

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