Capítulo 8 - A viagem
[ 25 de abril de 1922, Toryu, Asahi. ]
Finalmente, o tão esperado dia.
Sozinho em casa, Akemi estava ansioso para conhecer a ASA, e procurando não ficar ainda mais nervoso ao ver as horas passarem, decidiu pegar um livro na busca acalmar os pensamentos preocupantes sobre o dia anterior.
Entretanto, seus estudos foram interrompidos pelo inevitável “chamado da natureza”, forçando-o a se apressar em direção ao banheiro.
[ 4 minutos depois… ]
Toc, toc, to-toc toc. Toc toc.
O portão da casa foi batido sete vezes em um tom melódico. Akemi limpou as mãos rapidamente e foi em direção à entrada. O relógio na parede apontava doze e meia.
“Ainda nem é de tarde, quem será que é?”
A porta aberta trouxe uma surpresa.
— Ha haha! Como está, garoto?! Deu tempo de se preparar?!
— Major Hasegawa?! Não esperava o senhor aqui agora. Achei que viria outra pessoa mais tarde.
— Aconteceram várias coisas quando relatamos o seu caso ao voltarmos para a ASA. Tem gente animada com você.
— Eu realmente não preciso levar nada?
— Negativo. Preciso apenas que você assine aqui — disse o major, apresentando um contrato e uma caneta.
— Eu deveria ler?
— Não é nada demais. Nosso veículo está bem ali. Apresse-se, estamos quase atrasados!
Enquanto assinava, Akemi refletia. “Queria que meu avô estivesse vendo esta cena. Nossa despedida pela manhã foi tão breve… não vejo a hora de contar para ele tudo o que vou vivenciar agora.”
Trancada a porta de casa, Akemi deparou-se com um grande carro camuflado em tons de verde. A luz do sol era fortemente realizada no metal cercado por uma multidão de civis curiosos.
No entanto, a maior atenção foi capturada por um par de grandes criaturas atreladas à frente do veículo. Eram animais de olhos azuis, presas enormes, pelagem branca com escuras listras horizontais nas costas e caudas curtas e arredondadas.
“O que são aquelas coisas? Uma espécie de urso? Mas com a cabeça e traços de um tigre albino?!”
— Garoto, entre pela traseira do veículo — ordenou o major, em seguida levantando a voz com um sorriso esnobe para a multidão ao redor. — Moradores! Por favor, se afastem! Essas feras ainda não comeram nada hoje! Ha Haha!
Atravessando algumas pessoas que bloqueavam o caminho, Akemi seguiu até o compartimento traseiro do camburão. Ao puxar com força a maçaneta, percebeu que apenas um garoto ocupava os bancos internos à esquerda. “É, parece que não viajarei sozinho. Aliás, esse cara está um pouco acima do peso, não? Será que ele também tentará a ASA? De qualquer forma, ele deve ter a minha idade. Vou me sentar ao lado. Ser mais extrovertido é a partir de agora!”
— Eh… com licença, qual é o seu nome?
O outro rapaz respondia calorosamente com um aceno: — Olá! Sou Sho Yamamoto, mas pode me chamar de Sho.
“Engraçado, ele tem a língua meio presa, mas dá para entender o que fala. Tenho que retribuir a simpatia.”
— Prazer em conhecê-lo! Meu nome é Akemi Aburaya.
Sho tinha um estilo bastante monocromático, seus olhos e cabelos claros combinavam com sua larga camisa branca de gola alta e calça bege claro, a cor da madeira de bétula. O tamanho dos óculos contribuía para uma imagem de inteligência.
— Você também está a caminho da academia, Akemi?
— É, mal posso esperar!
Subitamente, o camburão partiu em alta velocidade.
— Epa! Que rapidez é essa?! — indagou Akemi, procurando algo para se segurar.
Tocando os óculos, Sho respondia: — Felinursidae Smilodensis.
— … Quê?
— Falo dos animais transportando o camburão, você não viu?
— Sim, mas… é muita novidade pra mim.
— São popularmente chamados de ursos-sabre, híbridos com a força de um urso e a velocidade de um tigre. Mas acho que assim como nós, essas feras específicas são áuricas.
— Animais áuricos? É a primeira vez que conheço!
— Seres híbridos e áuricos são comuns em Asahi e existem há milhares de anos, e apesar de sua força extraordinária, caçar certas espécies é estritamente proibido. Entretanto, algumas feras representam uma ameaça à integridade das cidades, por isso, o governo convoca shihais para domá-las ou, se não houver alternativa, eliminá-las.
— Você sabe qual é a aura desses bichos?
— Sinceramente, não faço ideia. Mas creio que sejam áuricos, considerando que são do Exército Asahiano.
— Entendi… Enfim, imagino que você tenha uma aura. Qual?
— Minhas habilidades são relacionadas à natureza, uma aura florestal. Mas apenas consigo fazer mudas de plantas, olha só — Sho fez um pequeno broto nascer na palma de sua mão.
— Wow! Que demais!
— É totalmente inofensivo, mas espero que no futuro seja algo útil. E você? Me mostre também! Com certeza sua aura é mais interessante que a minha.
— A minha aura? Bom, posso tentar…
Akemi aproximou as mãos e tentou usar sua energia. Porém, mais uma vez, ao tentar canalizar uma corrente elétrica controlada em suas mãos, nada aconteceu.
A ansiedade começou a dominá-lo.
Akemi permaneceu em silêncio, olhando um ponto indefinido, algo muito além do horizonte visível. Um olhar de mil jardas reviveu momentos que só ele conhecia. “Por que não funciona…?”
— Fique tranquilo — Sho depositou uma mão no ombro alheio — talvez seja apenas um momento de instabilidade, isso é normal. Todos nós enfrentamos falhas e limitações em nossas auras.
Akemi buscou coragem para encarar a situação enquanto olhava as próprias mãos. — Saquei.
— Mas qual é a sua aura?
— Eletricidade. Não tenho muito controle sobre ela, mas sei alguns truques.
“Acho melhor não falar sobre como a despertei. Posso soar estranho.”
A viagem prosseguiu em direção à ASA, e os dois continuaram conversando.
[ 9 minutos depois… ]
Após uma longa viagem, o camburão finalmente alcançou o centro de Toryu, uma região reservada exclusivamente para as famílias nobres e burguesas de Asahi.
Akemi quase nunca frequentava aquela área distante de sua casa. As ruas, comentadas como um exemplo de riqueza e tradição, eram um mundo praticamente desconhecido para ele.
A luz amarelada dos postes de gás dava um bom sentimento, iluminando os caminhos que levavam a diversos lugares.
Em meio ao cenário de construções de concreto, existiam casas de madeira com arquiteturas singulares. Os telhados inclinados, feitos com telhas de cerâmica, remetiam às tradições de Asahi. Lojas e restaurantes caros também se espalhavam entre as moradias.
Akemi sentiu o aroma das comidas típicas que seu avô costumava cozinhar. O gosto de alimentos deliciosos, como takoyaki e tempura, podiam até ser saboreados via ar. “Esse cheiro está me matando… Será que lá vai ter algo para comer?”
O camburão passou por uma rua repleta de lojas de artesanato, onde peças de cerâmica, bonecas Kokeshi de diferentes formas e belos quimonos de seda estavam em exibição nas vitrines.
Em outra esquina, uma casa de chá embelezava o local com sua fachada decorada com lanternas de papel vermelhas e brancas. Dentro desse estabelecimento, uma geisha elegante acenou gentilmente para os rapazes no camburão.
— Olha só, Akemi! Ela tá olhando pra gente. Hehe, esbelta, não?
Hipnotizado e envergonhado, Akemi respondeu ao aceno da geisha.
Repentinamente, o veículo chegou à localização das escolas áuricas mais famosas de Toryu.
No lado esquerdo encontrava-se o Instituto Lunar Hoshizora, cuja imensa estrutura de concreto azulado causava uma sensação de serenidade, especialmente pelos amplos jardins próximos às entradas.
Os brasões de Hoshizora acima dos portões de entrada simbolizavam uma lua cheia com uma coruja mística à frente, tudo em tons suaves de azul e branco.
“Esses institutos são tão maiores que a minha antiga escola… A experiência neles deve ser incrível.”
— Você estudou em algum desses institutos, Sho? — perguntou Akemi.
— Ele está bem na sua frente.
— Hoshizora?
— Certamente que sim.
— Hm, como era sempre perder nas Olimpíadas Estudantis? — perguntou Akemi de modo zombeteiro.
— Você é de Taira?!
— Não! Eu… sou de… um outro lugar… mas isso não vem ao caso!
— Hehe, entendo… Eu não participava muito dos esportes que exigiam aptidão física, mas no tabuleiro…
O Instituto Lunar Hoshizora era uma das escolas áuricas mais influentes de Asahi, empatada em qualidade com seu rival, o Instituto Solar Taira.
Separadas pela ampla praça central, onde árvores frondosas e arbustos multicoloridos alegravam o ambiente, essas instituições possuíam eras de existência e mantinham sua rivalidade desde o primeiro dia de suas fundações.
O Instituto Taira representava uma ferocidade inegável por conta dos muros feitos de concreto negro e toques de madeiras tingidas de vermelho.
“Admito que sinto uma certa apreensão em relação aos graduados de Taira, até porque, ao contrário de Hoshizora, parece que eles só formam cascas grossas. Dá pra entender porque Sho é tão tranquilo.”
Os brasões de Taira representavam o sol em cores douradas; o destaque do símbolo, um tigre-de-bengala em chamas.
“Apenas as famílias nobres têm o privilégio de enviar seus jovens para estudar nesses lugares. Sho deve ser ricaço… nem imagino o quanto ele sabe além de mim, já que jamais me vejo sequer passando pela entrada dessas escolas.”
Embora fossem essenciais para a formação básica áurica, era evidente a distinção entre essas instituições desde o primeiro olhar. Uma transbordava sabedoria e serenidade, ao passo que a outra levava uma filosofia de força e bravura…
No decorrer do caminho, uma melodia suave pairava no ar, até que um pequeno teatro nas proximidades foi revelado.
“Espera, estão encenando shihais?! Ah, como eu queria parar pra ver!”
As habilidades dos artistas davam vida às histórias dos lendários shihais que tinham seus feitos heroicos marcados no país. Os movimentos e detalhes das performances encantavam os espectadores…
Em cada canto do centro de Toryu, entre toques de modernidade, quase tudo capturava a essência da antiga Asahi. Akemi queria muito continuar contemplando as paisagens, entretanto, o veículo bruscamente virou em direção a outra rua, saindo do centro.
A velocidade novamente foi aumentada, e após alguns minutos passando por bairros vazios, uma estrada de terra foi alcançada. Tudo começou a balançar.
Sho sentiu uma sensação estranha. — Acho que estamos chegando. Eita… sempre fico enjoado nesta parte.
[ 16 minutos depois… ]
O longo caminho onde só dava para ver um alto matagal parecia não ter fim, até que finalmente surgiu o que parecia ser a grandiosa ASA.
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