Índice de Capítulo

    Final de tarde daquele dia…

    — O que significa isso? O que aconteceu? — questionou Milk, alarmado, ao ver o iluminado entrar.

    Ele bateu a porta com força e subiu a escada apressadamente, quase o derrubando.

    O rapaz o seguiu logo atrás, a surpresa estampada no rosto. Quase se magoou com a atitude, e só notou que estava ele ferido ao ver o sangue nas pegadas que marcavam os degraus.

    Estava escuro…

    E, ao cair de costas no colchão de seu quarto, pareceu afundar sob o peso da exaustão. Sua aura oscilava com fraqueza, enquanto a gravidade de seus ferimentos clamava por atenção. Mantinha-se vivo por um fio — cada lesão, cada golpe — envoltos em uma escuridão profunda e implacável demais para, mesmo horas depois, conseguir se curar… era impossível se curar.

    — Fala comigo! Ele te atacou? Aquele bastardo bêbado!

    Chocou-se ao perceber que estava sem um dos braços ao despir a jaqueta.

    O que restava era pele queimada, com resquícios do breu tremulando sobre ela.

    Sua mão encontrava-se mutilada, e o peito, aberto… Havia um grande rasgo na camisa, e o sangue seco tingia o tecido.

    Por um instante, a energia retornou, afastando a fadiga — apenas por um breve momento, antes de se esvair novamente.

    — A Ordem… eles me enviaram um assassino, acredita? — disse, virando-se com as mãos sobre o rosto. A luz do teto caiu sobre seus olhos enquanto suspirava, a mente ainda presa naquele instante. — Hideki Tamashiro, o possuído… quase ceifou minha vida, se não fosse… um acaso…

    Suas palavras ocultavam a presença de um terceiro. O tal demônio — e isso custaria caro…

    — Malditos… e isso foi por causa do Gabriel, não foi?! — preocupado, sentando-se ao lado do colchão e segurando o braço restante de seu mentor, que agora se erguia com esforço.

    Estava inquieto, os dedos roçando-o de leve, aflito com a situação.

    — Não o culpe… deve ter alertado os superiores… pelo que acredita ser o certo. Não é culpa dele que os ratos estejam no topo — murmurou, fechando os olhos. — Aliás, Rasen já chegou? — quase tombando para trás.

    — Já… ele chegou bem cedo, quando a luz de Aurora surgiu. Estava animado… mas isso pouco importa agora. Vamos focar no principal: te curar!

    — Estava? Ah… então…

    — Deite-se! Por favor, quero tentar… — continuou, enquanto sua aura brilhava em um roxo intenso. Pousou as mãos sobre o peito de Romero, que se deitou, soltando um suspiro profundo. Percebeu, então, as trevas penetrando sua pele como vermes.

    Se fosse um ser humano comum, já teria sucumbido à Síndrome da Escuridão…

    O pensamento percorreu a mente do rapaz.

    — Não há como curar trevas tão profundas. O que posso fazer… é viver retendo-as — murmurou, fitando os olhos do rapaz e pousando os dedos sobre seu rosto. — Seus olhos… Está em dúvida?

    As palavras desapareceram entre os lábios dele. Era impossível esconder a verdade de seu mentor — sempre soubera ler as pessoas, especialmente aquelas que conhecia há tanto tempo.

    — Eu… só estou com medo. Agora que somos inimigos de Aija, da Ordem, do mundo… — murmurou, agarrando-se ao braço dele, em busca de conforto. E sua aura se desfez, permitindo que a ira e a preocupação se dissipassem.

    — Sim, mas eu lhe disse, não disse? Que embarcaremos em um abismo do qual seria impossível sair ilesos, que andaríamos contra a maré… — Suas palavras fortalecendo-o de alguma forma, como se fosse sua ovelha e ele, seu pastor. — Os ratos e os fracos tentarão nos parar, mas já estamos entregues a isso, não estamos? Eu, você… Rasen… somos aqueles que irão mudar o futuro, os que renegaram o pecado. Só… me perdoe por não poder te amar como espera…

    Ao ouvir isso, os olhos dele praticamente saltaram de seu rosto.

    — Romero… você… — gaguejou, a voz trêmula.

    Um sorriso de canto surgiu.

    E, naquele instante, entendeu — tudo havia sido dito, sem jamais precisar ser.

    — Bem, eu vou descansar um pouco, certo? Se puder, passe as informações para Rasen sobre os próximos três… ou tente alistá-los você mesmo… Sei do que são capazes! — murmurou, antes que o sono o vencesse. Suas últimas palavras ecoaram como um lamento ao desmaiar.

    Se entregou ao cansaço.

    Enquanto, no prédio da Ordem Espiritual, Kyotaka observava Masaru com preocupação. Este estava sentado em um sofá de couro escuro, na sala do apartamento do líder. O casal super secreto também estava presente, mergulhado na urgência daquele instante.

    — Que vergonha, Masaru! Você sempre foi um rapaz tão habilidoso, o que estava pensando? Não se importa com o que causou? Fica fazendo piadas enquanto as pessoas morrem por sua causa! Não acha isso inadmissível? — indagou o líder dos líderes, com decepção estampada no olhar, suas mãos cerradas como as de um pai para um filho desobediente. — E você, Gabriel? Sempre foi um rapaz tão responsável, um excelente exorcista e político. O que houve? Como deixou chegar até aqui? — Quando olhou para ele, o celeste mal conseguiu manter o contato ocular, seus olhos fixos no chão, tomado pela vergonha.

    — Desculpe, mestre… eu deveria ter parado, na verdade, deveria ter evitado que isso acontecesse — murmurou, com a culpa evidente em sua voz trêmula.

    Se havia um homem que ele respeitava e confiava, era esse — o mais velho dentre os vivos, o exorcista e humano que mais havia vivido…

    — Qual é, Tachibana? O Masaru sempre foi assim. Sempre foi um irresponsável que faz o que quer… — interveio Elizabeth, colocando as mãos sobre os ombros do capeta que chamavam de garoto. Seu toque era firme. — Sei que Gabriel foi arrogante ao pensar que poderia consertá-lo, mas, enfim, você mais que ninguém tem culpa por terem aprovado ele após a academia… — Suas palavras fizeram o superior perder a compostura, enquanto parecia ser a mais tranquila na situação, os olhos brilhando com uma mistura de desafio e certeza.

    Ela ansiava pelo caos que viria, sempre foi assim, pois detestava a comodidade do monótono, de uma forma eloquente.

    — Senhorita, eu sei, e por isso a Ordem irá responder por tudo. Hoje à noite teremos uma reunião geral, e amanhã, uma reunião com o governador… — Então se sentou no sofá à frente, encarando o rapaz que permanecia em silêncio, coçando a barba grisalha com um olhar de profunda reflexão.

    — Finalmente…

    Coitado do vovô — agora lidava com os próprios monstros que ele mesmo criou.

    — Eu também farei algo. Uma retratação pública e uma reunião com o governador, assim que possível! — disse o celeste, movendo-se para sentar ao lado de Masaru, a tensão ainda evidente em seus ombros rígidos. — Não vai falar nada? — perguntou, elevando a voz, e todos o fitavam naquele instante, esperando ansiosamente por uma resposta.

    — Eu? Hã… O que posso fazer? Quero dizer, agradeço pelo sigilo sobre o que aconteceu, mas, enfim, não há nada que eu possa fazer, né? — disse, com um sorriso meio indiferente, o olhar vagando pela sala luxuosa. — Também, espero não enrolar tanto com essas reuniões…

    Todos se voltaram para o líder. Ele riu de lado, carregado de exaustão e sabedoria.

    — Já é alguma coisa, não é? — comentou ela, cruzando os braços e inclinando-se levemente para a frente, com um brilho sarcástico nos olhos.

    — Hmmm… Verdade, não há muito o que fazer. Agora é tentar conter os danos. Desde a última catástrofe sobrenatural, o mundo vem se afastando da Ordem. Para eles, viver no conforto de um lar infestado de parasitas é melhor do que lutar por um paraíso… mas não os culpo. Aquele rapaz, Romero, tem bastante razão. A engenharia social imposta pelo Império e pelos demais reinados só fortalece isso. Não há mudança quando aqueles que mais precisam dela se deixam convencer pela comodidade e pela desesperança! — declarou o velho sábio, suas palavras carregadas de convicção.

    Em seguida, ergueu-se com certa urgência, ajeitando o terno escuro. Os três o observaram com admiração e respeito, cada um mergulhado em pensamentos sobre suas próprias falhas e a difícil jornada que se avizinhava.

    Quer dizer… dois.

    Para um deles, nada tinha peso.

    Não era por frieza, mas por uma espécie de desconexão — como se o mundo real fosse apenas uma peça mal encenada diante de seus olhos. Mantinha o sorriso nos lábios, aquele mesmo sorriso de sempre, como se tudo ao redor fosse apenas mais um sermão entediante.

    O elefante na sala? Para ele, era só mais um animal de circo, grande demais para se importar, pequeno demais para causar medo.

    Enquanto os outros carregavam culpas, promessas… esperança — ele apenas existia.

    — Enfim…

    — Bem… e como vai ficar a questão dos trabalhos? Nós, exorcistas celestiais, ainda temos prioridade, certo? Ou também teremos que registrar duplas agora? — questionou o celeste, interrompendo sua amada secreta antes que ela conseguisse reunir as palavras para se manifestar.

    — Isso preocupa vocês? — indagou, lançando-lhes um olhar de lado. — Bem, minha ordem foi de grau um a cinco. Vocês têm liberdade para agir como acharem melhor, certo? — E, após receber a confirmação silenciosa com os acenos de cabeça, caminhou até a porta. — Depois… tenho mais assuntos a tratar com vocês, exorcistas celestiais. Há um elefante na sala que vem incomodando o conselho há alguns meses. Falaremos sobre isso. A reunião está encerrada. Que Elum os abençoe!

    Sua porta se fechou.

    O garoto gritou.

    Os dois se olharam.

    A vida continuou…

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 100% (1 votos)

    Nota