Capítulo 281 - O jogo dos tronos
Reis, príncipes e homens. Livres ou não, estavam submersos na sopa da ganância, onde o ouro e o sangue se misturavam em um caldo espesso e fervente, alimentando suas ambições insaciáveis.
Alguns caíram, afogados nos próprios desejos, a cada litro que subia em suas gargantas. E mesmo quando o fôlego lhes faltava, suas mentes, já embriagadas pelo poder, permaneciam fixadas em um único pensamento: ascender, ascender acima de tudo e de todos. Não importava que o peso da cobiça os arrastasse cada vez mais para o fundo. A salvação? Uma ilusão distante. O amanhã? Apenas uma promessa vazia, moldada pelo delírio de sua própria grandiosidade.
E assim, buscando um amanhã diferente, que não era senão uma versão distorcida do presente que já possuíam, o rei — não, a mais destrutiva das doenças — a soberba, crescia sem limites. Seu apetite devorava terras, mentes e almas, corroendo a razão até que, enfim, atingiu os confins do mundo.
Mas havia um preço para ir tão longe.
O rei caiu. Não uma queda, não um tropeço casual. Mas sim um mergulho no mais profundo dos abismos, o MAIS PROFUNDO ENTRE TODOS OS CANTOS, INFINITOS, QUE HÁ NO MUNDO METAFÍSICO. Lá, onde os limites da realidade se dissolvem e a essência dos seres se desfaz em ecos de dor e desejo, onde nada permanece intocado pela verdade cruel da existência.
A divisa — não, a teia de sentimentos — entre a criação e o esquecimento, onde as experiências físicas são filtradas, despidas de suas máscaras e julgadas sem piedade. Aqueles que ali chegavam não encontravam redenção, apenas um destino inescapável: Caelestia ou Mala Domus.
A decisão não cabia a eles.
Era o peso de suas ações que os lançava a um dos lados. E quem devorava a negatividade, quem se alimentava das almas corrompidas, quem reinava sobre os rejeitados, os quebrados e os amaldiçoados… era ele.
O imperador.
Tocando a divisão do zero. Suas mãos, pálidas como mármore, deslizavam pela barreira que separava as realidades. Unhas afiadas, negras como a noite sem estrelas, cravaram-se na superfície, sentindo o peso esmagador que ali residia.
Era mais que um muro, mais que um limite. Era um peso maior que mundos… incontáveis, infinitos… um equilíbrio forçado entre forças antagônicas.
De um lado, o mundo imaterial, pulsando com a essência bruta das almas, empurrava com fúria. Do outro, o mundo material, sólido, tangível, respondia com uma resistência imutável.
E ele estava ali, no exato ponto onde ambos se encontravam.
O peso era infinito. O fardo de tudo o que já foi e tudo o que ainda será. O impacto de cada pensamento, cada escolha, cada faísca de vida que um dia brilhou ou foi apagada. O tempo, o destino e a existência curvavam-se sob aquela decisão, enquanto o tecido da realidade estremecia em antecipação.
A escuridão no horizonte se retorcia, e então, como uma ferida rasgando o próprio espaço, um portal se abriu. O ar vibrou com a presença que dele emergia.
— Então fará mesmo isso? — Asmael sussurrou, sua voz carregava um misto de curiosidade e descrença.
Seu olhar percorreu o ambiente, analisando cada detalhe com o fascínio de quem observa um enigma se desenrolar.
Ele deu um passo à frente, cruzando os braços.
— Não quer mesmo usar meus portais?
A resposta veio carregada de um humor seco, mas também de uma determinação inquebrantável em encurralar o rei antes que jogue.
— Seus portais? — um riso curto escapou, mas não havia real diversão ali. Seus olhos, ao encontrarem os de peão, estavam sombrios e resolutos. — Está na hora de andar com minhas próprias pernas… irmão.
— Falando assim, até parece que é uma ofensa…
— Não, não é isso… — começou a responder, mas sua atenção desviou-se para algo maior.
Em sua mão, uma espada se materializou. Era feita de trevas tão densas que pareciam devorar a tudo ao redor. Pulsava como se estivesse viva, consumindo a energia do ambiente, e ainda assim, era ele quem parecia ser consumido por ela. Seu braço tremia, músculos e ossos protestando contra a pressão insuportável.
— Grr…
A serpente deu um passo involuntário para trás. Seus olhos, geralmente inexpressivos, se arregalaram ligeiramente.
— Essa é…
A resposta veio quase em um sussurro, carregada com um peso absoluto.
— A morte…
Um arrepio percorreu a sua espinha. E sorriu, mas o medo era inegável em sua expressão.
— Então Alum finalmente resolveu ajudar, hehe… — a tentativa de descontrair falhou miseravelmente. Seu olhar denunciava o assombro.
Como ele fazia aquilo? Era como se estivesse segurando a própria aniquilação em suas mãos.
O outro não respondeu de imediato. Seus olhos estavam fixos na lâmina, no poder incontrolável que fluía dela.
— Ehr… — sua respiração tornou-se pesada, enquanto sentia a força esmagadora pulsando da espada. — O fragmento que ele me emprestou… quando me fez imperador… finalmente, posso usá-lo!
Sem hesitação, avançou, penetrando a lâmina na teia da realidade.
— Só há uma força que transcende a alma e o corpo… A MORTE!!!
E então, o impacto veio.
O Omniverso gritou.
O choque se espalhou como uma tempestade sem começo nem fim, dilacerando as barreiras entre as dimensões. O tempo vacilou, dobrando-se sobre si, enquanto o tecido da existência se rasgava sob a pressão insuportável. Nos planos espirituais, os ecos dessa força abalaram até mesmo aqueles que haviam transcendido o conceito de mortalidade.
Até os guardiões silenciaram. E as entidades primordiais estremeceram.
A matéria reagiu de forma caótica. Corpos celestes tremeram, estrelas apagaram-se como velas por um vendaval invisível. As leis naturais foram distorcidas, moldadas pelo impacto como metal sob o martelo de um ferreiro impiedoso. O próprio espaço oscilava, como se não soubesse se deveria existir ou não.
Naquele instante, tudo estava à mercê da única força absoluta: a morte.
— Quanto poder…
Mas o preço foi imediato. Sua mão, que segurava-a, foi desintegrada no mesmo instante. A carne e os ossos desapareceram como cinzas ao vento. E a lâmina, como se tivesse cumprido sua função, também se dissipou.
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. O cosmos parecia prender a respiração diante do que acabara de acontecer, como se a própria existência estivesse hesitante em continuar.
O vazio se estendia ao redor, mas dentro dele, algo ainda se movia.
— Luciel!?
A pergunta veio carregada de incredulidade, mas também de um reconhecimento tardio. E foi nesse instante que os olhos da criatura se arregalaram. Antes que a teia pudesse se regenerar e selar a ferida na realidade, ele agiu.
Com sua única mão restante e o pé direito, agarrou a rachadura, impedindo-a de se fechar. A pressão era indescritível, uma força além dos conceitos de matéria e espírito, como se tentasse conter a colisão de dois infinitos. Seu corpo tremia, músculos e ossos rangendo sob um peso que nenhum ser deveria ser capaz de suportar.
— Gr… agora… — seu olhar flamejou em direção ao irmão, sua voz era uma ordem e uma súplica ao mesmo tempo. — Irmão, traga o exército aqui… e faça-os passar!
Asmael hesitou por um segundo. Não de medo, mas de choque. O que estava diante de si não era apenas uma demonstração de poder — era uma afronta às leis mais fundamentais do mundo que conhecia. Um ser, por pura determinação e loucura, segurando o peso de duas infinitudes convergindo em um único ponto.
— Vaaaa!!!
O grito rasgou o espaço-tempo. O chamado de uma guerra inevitável.
O demônio nem teve tempo de se admirar ou temer completamente a monstruosidade de seu inimigo jurado. O fato de que podia fazer aquilo era uma resposta suficiente para a pergunta que nunca precisou ser feita.
Ele desapareceu em um portal, e com ele, a promessa de que o destino de todas as coisas seria decidido ali.
Ali, naquele instante, iniciava-se o derradeiro Jogo dos Tronos.
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