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    Em uma dimensão onde o tempo não ousava cravar suas garras.

    — Tic Tac! — disse Asmael, navegando pelo espaço-tempo, rodeado por inúmeros portais, enquanto Luciel o seguia de perto.

    Cada um exibia uma cor própria, formando uma rede de conexões em uma sala criada pela luxúria a partir de sua dádiva do abismo.

    — Então… nosso plano de superposição quântica está funcionando? — resmungou, desconfiado, ostentando a altivez de um rei diante de seu servo.

    Mesmo tendo participado do planejamento, ainda carregava incertezas. Aquela era a primeira vez que tentavam algo tão ousado em meio a tantas linhas temporais.

    — Exatamente, meu senhor. Graças ao blecaute dimensional que criei, afetando o espaço-tempo, abrimos a possibilidade da inexistência. Em um mundo, o portal existia; em outro, não. Quando Yami Yamasaki atravessou a parede entre os mundos, consegui anular as informações de ambos os lados. A possibilidade da ausência do portal tornou-se dominante, condensando a tríade de eventos em apenas um. Agora temos uma nova cadeia de acontecimentos! Como planejado! — respondeu, atravessando diferentes cenários que desfilavam diante de seus olhos, vislumbrando, de um lado, um grande deserto com prédios em ruínas, e do outro, um mundo mergulhado em escuridão — realidades que já não lhe interessavam mais.

    — Mas isso lhe custou muito, não foi? — A cada passo, a luz dos portais projetava novos tons em sua pele clara.

    — Um terço da minha energia negra… Limitar a zona onde o evento ocorreria e coordená-la conforme a velocidade dos pensamentos deles foi trabalhoso, mas valeu a pena. Ao impedir que ele descobrisse o acesso, atrasamos os acontecimentos que poderiam nos prejudicar e ganhamos mais tempo para preparar o apocalipse — explicou, parando diante de uma fenda espacial esverdeada que levava a um lugar paradisíaco, com gramados vibrantes, árvores carregadas de frutos suculentos e animais correndo ao redor — O que deseja fazer neste tempo, meu senhor?

    — Apenas contemplar um mundo sem os homens — respondeu, aproximando-se do portal. Ao atravessá-lo com o tronco do corpo, sentiu de imediato um calor e uma paz que jamais experimentara no mundo humano. Era o calor da virtude — tão puro, tão inatingível — que fazia até mesmo um ser sombrio e sádico como ele chorar — É tão caótico… Para que triunfemos, o mundo precisa ruir. Uma teia de eventos horríveis culmina em um final belo. Os meios acabam por justificar os fins!

    — Não há paraíso sem inferno, meu senhor, assim como não há luz sem escuridão. Até mesmo Elum sabia disso. Ele determinou que o mundo funcionaria assim, e só ele sabe o porquê!

    — Realmente… Ele deve dar ao tolo um bom fruto, para que este semeie o mal no fim de tudo, não é? — murmurou, pensativo — até demais, distorcendo, por um instante, a essência orgulhosa que o definia — Pergunto-me… Elum é mau?

    — Agora você parece um humano! — confessou, rindo sem jeito.

    Luciel sentiu um amargor nos lábios ao ouvir tais palavras, mas a vista diante de si lhe tirava o fôlego. Aquele era o mundo que sempre desejara — o que seus anseios e sonhos insistiam em revelar. Ele queria a luz. A luz que jamais lhe fora prometida. Demônios não tinham salvação.

    — Paraíso… Será que um dia, em alguma realidade, ou talvez em todas ao mesmo tempo, os humanos conseguirão recuperar o que foi perdido? Ou será que até mesmo o destino é tão cruel, que o fim é sempre o mesmo? — murmurou, mais para si do que para o outro. Então, sem esperar resposta, decidiu enfim atravessar totalmente o portal — Enfim… Asmael, em uma ou duas horas, estarei de volta! — Consumido pela energia pulsante que preenchia cada centímetro de seu ser.

    E o outro permaneceu ali, imóvel, com a dúvida ainda ecoando em sua mente — como uma pergunta antiga demais para ser respondida.

    Não existia mundo sem dor, tampouco sem pecado. Ou será que essa era apenas a limitação percebida através de suas próprias ações? Ele não sabia — como tantos outros que já haviam tentado responder.

    Cortando para o mundo humano.

    Sem piedade, alguém pressionava impetuosamente o botão da campainha do apartamento de Arthur.

    Era uma garota de beleza incomum, com os cabelos vermelhos como vinho, expressão emburrada e o corpo adornado por tatuagens. Vestia uma calça de moletom preta e um cropped — o tipo de presença que anunciava confusão antes mesmo de abrir a boca.

    Trim-trim.

    Aquele barulho, de tanto que apertava, parecia prestes a fazer o lugar desabar. Os vizinhos espiavam por entre as frestas das portas, curiosos, como se aguardassem o início de um espetáculo.

    — ARTHUR LEWYS! — gritou, impaciente.

    Após alguns ruídos estranhos lá de dentro — objetos caindo, talvez um tropeço ou um desastre doméstico — e a porta finalmente se abriu.

    Arthur surgiu com um terno amarrotado, olheiras profundas e um crucifixo quase estrangulando seu pescoço, mal preso na corrente.

    — Que cara é essa, menino?

    Pelo estado decadente do apartamento dele, era evidente que um furacão havia passado por ali. E não parecia ter ido embora ainda.

    — Yelena… — Corando, enquanto tentava em vão ajeitar o crucifixo torto e as vestes — Meu anjo, eu… não liguei porque… estava em missão e…

    A garota o agarrou pela gola antes que ele completasse a desculpa.

    — Olha aqui, Arthur Lewys. Já acordei irritada o suficiente por ter que participar de mais uma reunião inútil do conselho e você ainda me dá um bolo? Nem uma mísera mensagem? Que tipo de lixo você é, hein?

    Seus olhos ardiam com uma fúria inextinguível. Com uma calma quase resignada, ele soltou suas mãos — difíceis de desvencilhar, como as garras de uma pantera em sua vítima.

    — Calma… Eu estava em missão. Era longe. Tive que ir a pé. O smartphone… derreteu no bolso. Como eu ia avisar!?

    — Ia me avisar em cima da hora? Seu traste! — rebateu, a voz cortante como navalha.

    Ele quase recuou.

    Poderia ter sido decapitado, não fosse esperto o bastante para reconhecer o perigo iminente.

    Para a mocinha de nervos quentes, desculpas não passavam de covardias mal maquiadas — e ela sabia identificar uma de longe.

    Para desarmar a fera, a puxou de repente.

    — O que…?

    Antes que pudesse reagir, ela tropeçou no caos do cômodo desorganizado, quase o derrubando — as pernas se enredaram nos destroços do ambiente, onde, nitidamente, já não restava dignidade alguma.

    — Tá fazendo, idiota?

    Os lábios ficaram perigosamente próximos. Por um segundo, o silêncio pesou.

    Mas se afastou com firmeza, retomando a postura como se nada tivesse acontecido.

    — Não, sim, mas… você sabe como eu sou, né? Esquecido… — Soltando um sorriso descarado, a resposta vindo com um atraso tão conveniente quanto suspeito.

    — É! Eu sei muito bem, né!?

    — Mas a gente pode sair agora… não? Ouvi dizer que vai fazer Luz. Sério. E numa passagem de estação chuvosa… isso é praticamente um milagre, né?

    Ela suspirou, olhos semicerrados.

    — Aonde iríamos? — Quase rendida, como quem odeia admitir que está começando a gostar da ideia.

    — Bem, não seja tão difícil! A gente pode pegar uma praia, o que acha? — sugeriu, lançando-lhe um olhar carregado de uma paixão quase juvenil.

    — Praia? Hm… pensei que você não gostasse de lugares assim.

    — Bem… nunca se sabe, né? Em Regnum, não dá pra tomar banho naquele mar congelante. Então… tudo tem uma primeira vez, né?

    Enquanto falava, passou lentamente por trás dela, como quem estuda os próprios passos, e a envolveu em um abraço reconfortante — daqueles que pareciam querer remendar o mundo, costurando-o só de carinho.

    — O que acha?

    — Bem, se você diz… vamos. Mas nada de me dar outro bolo, hein! Se não, eu faço omelete desses seus ovos, ouviu, ARTHUR LEWYS? — Um meio sorriso malicioso, dando-lhe uma cotovelada leve.

    Ele riu, meio sem jeito, meio convencido — também, como resistir?

    Os dois estavam oficialmente juntos há umas três semanas. Um empurrão do destino os jogara um nos braços do outro.

    E, contra todas as apostas, a recém-nomeada líder de seu clã havia entregue o coração ao mais heroico — ou, ao menos, o mais teimoso — dos exorcistas.

    Após a morte do pai dela — ocorrida há exatos sete dias — Arthur tornara-se o único elo sólido que restava. O homem que a havia formado na academia era mais que um mentor: era um símbolo a única família e conforto que teve. E agora, essa ausência criava um espaço que apenas algo igualmente raro poderia preencher.

    Elos, nesse mundo… eram como diamantes.

    Difíceis de encontrar.

    E ainda mais difíceis de manter.

    E quando já ia dar um passo adiante, ele a agarrou pelo pulso — com firmeza, sem violência, mas com uma chama nos olhos mais intensa do que qualquer coisa que portasse naquele momento.

    — Calma aí… já vai sair assim?

    — A-Arthur… — corou na hora, surpresa pela mudança repentina no tom.

    — Tô com saudades, vai… só trinta minutinhos — a expressão suave se transformando lentamente na de um predador. Para ela, parecia um leão — faminto, provocante, voraz pela própria caça.

    — Seu safado!

    Tentando esconder o sorriso enquanto cedia.

    Fechou a porta.

    E foi assim que aquele dia começou: da forma mais agitada e tentadora possível.

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