Capítulo 47 - Os iluminados, parte 2
Halyna estava completamente atordoada, tentando desvendar a sombria proposta lançada à mesa.
Seus olhos fixaram-se nele — o emissor da mensagem — ansiando encontrar alguma lógica.
— Massacre? Espera aí… por quê? Assim, do nada? — Incrédula, encarando-o com perplexidade.
— Não é bem assim… e, ao mesmo tempo, exatamente isso. Nós mudaremos o mundo, mas a questão que nos atinge é: como faremos?
No fundo, ainda era o fundador daquele grupo — aquele que idealizara cada detalhe, cada plano, até a última concepção.
Só não escreveu um livro por falta de tempo.
— Vamos sacudir o mundo, derrubar os peões do tabuleiro e, das cinzas, construir um novo!
Cabia até a si sua infame alcunha entre os adversários de seus ideais: o Líder do Caos. Manipulava as cordas de seus seguidores, com tal mente fervilhando de planos.
— Mas não é só isso. Primeiro, nós sete invadiremos. Eu me encarrego de criar uma barreira de energia ao redor do prédio, disfarçando a quantidade de fontes espirituais e revelando apenas um grande aglomerado… Seríamos indetectáveis, até mesmo para uma exorcista experiente. Depois, Milk e eu subiremos aos últimos andares; dois ficariam nos andares centrais e outros dois, no primeiro. Ninguém poderia estar vivo quando assumirmos nossas posições! — De repente, seu olhar voltou-se seu subordinado, ao seu lado, visivelmente ansioso — Poderia explicar a eles?
— Certo… — Afrouxou os punhos cerrados; estava nervoso pela presença dele, não pelos demais — Bem… Irei expandir minha energia e, com um pacto imposto, aprisionando todos que não estiverem no primeiro, quinto ou décimo andar. Nesse momento, vocês precisarão suprimir suas auras. Esperamos que os celestes entrem e, graças ao Kwawe, criaremos uma distração para prendê-los como… — Seu olhar passeou por todos, lento, afiado — ratos!
— Tenho a habilidade de criar clones, em extensão… — completou, com o plano já arraigado em sua mente há semanas — E energia suficiente para que cada um dos meus possa ser tomado como um exorcista de elite!
Era notável o orgulho em sua voz… o grande Touro Negro, outrora considerado um mestre na arte do exorcismo quando ainda fazia parte da Ordem.
Cada um dos três já conhecia sua parte — as peças originais, ainda dispostas no tabuleiro em uma simples biblioteca pública.
— Mas como esse massacre ajudaria em alguma coisa? Ou faria sentido? — novamente questionou, ainda mais confusa — Poderíamos fazê-los de refém… ou até tentar trazê-los para a nossa causa, não?
Nesse momento, o loiro se sentiu à vontade…
E isso, bem, nunca foi exatamente uma boa notícia.
— Talvez… para manchar ainda mais a reputação da Ordem? Afinal, ela já está mais manchada que a bunda do imperador! — riu cheio de deboche, como sempre… — Agora só não podemos ser inocentes… todos sabemos muito bem como isso terminará: sangue e mais sangue! E só um lado irá prevalecer!
Arrancando uma risada do Messias, mas felizmente Romero ignorou o sarcasmo de ambos.
— Como dizia… nossa ideia é invadir o prédio, certo? Mas por quê? Esse é o mais distante! — Havia algo faltando em suas palavras. Não havia firmeza no olhar, apenas mordidas inquietas nos lábios, como se buscasse convencer a si — …o que significa que levará mais tempo para ser alcançado pelos exorcistas. E o tempo é essencial, já que nossa jogada será um ritual… Eu… Planejo sacrificar a vida de todos ali em troca de um feitiço que Rasen e eu temos elaborado há muito tempo. Esse feitiço abrirá uma fenda em Nova Tóquio… e levará a maioria dos ressuscitados com ela!
— Por que um prédio da Ordem? Matar pessoas comuns tem mais peso, por acaso?
— Na verdade, queremos garantir que ninguém reviva… se é que me entende.
— Enfim, será um massacre de ressuscitados! — disse o loiro, com um sorriso enviesado — Mas que, mais tardar, trará novos ao mundo… não é?
— Exatamente… Será uma grande explosão, uma mudança definitiva e dela nascerá o futuro! Um futuro sem os hipócritas dos exorcistas… ou, ao menos, sem a maioria deles… Serão mentes novas para a iluminação deste mundo!
Suas palavras soavam como uma sentença selada para o futuro — um futuro onde apenas a morte parecia habitar.
— Esse é apenas o primeiro passo. Mas antes, há muito a fazer. Então peço que ouçam o que vem a seguir! — Olhando diretamente para Halyna.
Mas ela não se intimidou.
Diferente dos outros — ou de Milk, que sentia aquelas palavras descerem como cacos molhados em sua garganta — o encarava sem depositar fé, tampouco razão, no que dizia.
— Sacrificar todos eles por uma possibilidade? E se não funcionar? Teremos ceifado várias vidas em vão? E esse feitiço… como vamos sobreviver?
— O único que terá que lidar com os danos é o próprio Romero… já que o ritual não será feito com a energia dele, mas com a energia da entidade! — respondeu Milk, com uma tristeza sutil transparecendo em sua voz — Já nós, podemos nos proteger com uma expansão de energia… Sei lá!
— E se houver sobreviventes, eles podem comprometer o feitiço. Qualquer imprevisto pode causar um desastre. Pense: basta um deles entrar em pânico para que todos entrem em desespero!
— E dependendo de tantas coisas específicas… qualquer nota desafinada, e essa apresentação musical será em vão! — suspirou Kwawe — É… tamo fudido!
— Sim… bem… depois que forem capturados em uma dimensão intercisa, finalizarei o ritual. A partir daí… só o futuro poderá nos trazer boas novas!
— Então, será com mortes que mudaremos tudo. E depois? O que vem nesse futuro?
— Depois… é comigo! — Enfim respondeu Rasen — A energia negativa resultante causará um acúmulo suficiente para tornar o simulacro real, criarei uma espiral capaz de reiniciar tudo… Sacou?
— Simulacro… — murmurou, reconhecendo a referência como amante de livros e história.
Especialmente a infame obra de Schattenstein e a conversa que tivera com Milk.
A ideia a incomodava profundamente.
— Tem uma ideia melhor?
— Não… — Abaixou os ombros, talvez decepcionada.
Era idealista demais para se render à insanidade que via nos olhos deles.
— A técnica de Rasen permite que ele fragmente e desfragmente energia. A energia negra gerada por um ato ou sentimento é maior que a neutra. Ele poderá consumir tudo e, ao consumir energia… é autoexplicativo — Continuou o maestro da discussão, com certa frieza ou falta de paciência.
— Ele criaria uma espiral que atingiria o mundo inteiro?
— Exatamente! — respondeu o loiro, com um suspiro que sugeria que, apesar de seu jeito palhaço, levava a discussão a sério.
De todos ali, era o mais experiente — já havia sido professor na academia dos exorcistas.
Apenas uma fração ínfima, menos de um décimo, tem essa capacidade.
— Que loucura…
— Não apenas isso. Com a energia negra de todo o mundo, poderia governar um novo amanhã com mãos de ferro! Um que seja livre do pecado e dos homens mas não represente seu fim! Pense… Isso nunca vai dar certo enquanto a faca estiver nas mãos dos desesperados! Precisamos de alguém… Não como Elum, nem como Alum, mas alguém que nos liberte de nosso mal. Alguém que seja nosso imperador por inteiro, um deus não nascido, mas forjado pela vontade e determinação! Alguém que entenda a nós, humanos, e nosso sofrimento!
Seu discurso foi uma ode ao entendimento ou, talvez, à rendição.
Era a declaração clara de alguém que não tinha controle sobre si… e sabia. Que não tinha controle sobre o mundo… e também sabia.
Quão errado tudo aquilo poderia ser?
Todos pensaram. Mas cada um deles carregava cicatrizes antigas, profundas o bastante para permitir que um veneno como aquele escorresse lentamente para dentro.
— Deixar tudo nas mãos de um cara? Caramba, isso é meio insano… mas, enfim, eu tô dentro! — disse o loiro, com um sorriso convencido — Sabe… já tô meio cansado de como o mundo anda mesmo.
— Eu… também! Não ligo se tiver que sujar minhas mãos de sangue. Já estive no inferno! Não há mal em revisita-lo para ver o paraíso! — disse Jarves, com olhos que pareciam os de uma fera sedenta por sangue.
Vingança? Talvez.
O cerco se fechava, e a única que ainda questionava sentia o frio do vazio ao seu redor.
Seria ela a única? Lúcida ou covarde.
— Por mim, já disse e reafirmo: as terras de Shamo… minhas , nossas terras… já se cansaram de uma paz baseada na fé! — declarou Kwawe — Onde você estiver, eu estarei, Romero.
Naquele momento, parecia que a garota estava imersa em uma conversa entre loucos.
— Hmm…
Apertou o cotovelo, e sua mente mergulhou numa reflexão silenciosa.
Que papel assumiria naquele tabuleiro?
— Tá com medinho, é? — Quem falava era Rasen, arrancando-a do transe.
Palavras ao vento eram uma coisa… mas ali, naquele espaço fechado, era o momento de decidir… sim ou não.
— Diz isso de novo e eu esmago suas bolas, baixinho! — retrucou, marchando em direção à porta.
Enquanto o gato arisco recuava, sem graça, tentando esconder o desconcerto atrás de um sorriso.
— Uiui, que bravinha…
— EU… estou dentro! — disse Halyna finalmente, num tom quase resignado, antes de erguer o olhar com a sobrancelha arqueada — Agora… onde fica o banheiro?
— Nem parece que ela matou um homem… — comentou o Messias, encarando-a como quem compartilha uma verdade incômoda com um parceiro — o tipo de comentário que fez seus punhos se fecharem involuntariamente.
Ela queria espancá-lo.
— Mas… bem, o banheiro… — murmurou, rindo de forma irônica, o bastante para parecer uma barata irritante.
— Não seria aqui? — disse o loiro, apontando com o queixo para trás.
Halyna virou-se.
Lá estava a porta do banheiro.
— Enfim… alguém mais tem algo a dizer? — perguntou Romero, tentando recuperar o clima, mas o silêncio tomou conta da sala.
Foi então que, naquele exato instante, o velho Antônio saiu do banheiro após dar descarga.
Parou por um segundo, meio sem jeito, encarando os olhares de todos.
— Ehr… demorei?
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