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    Após atender à ligação, Yamasaki desceu pelo elevador com a feição emburrada, como se cada andar que passava fosse um peso a mais em seus ombros.

    Encostou-se na parede espelhada e fitou o próprio reflexo, ajeitando o cabelo de qualquer jeito.

    A tranquilidade que havia planejado para aquele dia já tinha se dissolvido no ar, sacrificada em prol do chamado de Shirasaki.

    — Tô vendo que essa garota não vai me dar paz. Aff, me sinto alguém de carteira assinada! — lamentou ao reflexo, a voz ecoando no cubículo metálico enquanto o ponteiro digital marcava o térreo.

    O elevador vibrou suavemente antes de se abrir no andar do estacionamento.

    O cheiro de concreto e gasolina impregnava o ar.

    E saiu apressado, o som das próprias botas batendo ritmadas no piso.

    O corredor mal iluminado refletia as luzes fluorescentes nos capôs dos carros estacionados, e ele acelerou o passo até o veículo que o aguardava.

    — Você só disse não três vezes, na quarta foi aquele “sim” todo apaixonado! — provocou Azaael, a voz surgindo como se lhe cutucasse os ouvidos no exato momento em que destravou a porta e se jogou para dentro do carro.

    Mas não se rendeu de imediato, suspirou fundo, jogando o smartphone no banco do passageiro e batendo a porta com força, como se quisesse silenciar tanto a voz interior quanto o eco no estacionamento.

    — Engraçadinho… Se eu não for, ela vem até em casa. Aliás, o que será que ela tem de tão urgente para falar? Não podia ser pelo smartphone?

    — Mulheres, meu caro… mulheres… ninguém pode as compreender, eu…

    — Ah, me poupa, vai. Não me conta dos milhões de demônios que você pegou, cara, por favor!

    Apoiando firme as mãos no volante.

    Ele respirou fundo novamente, pressionou o freio e engatou o motor, sentindo a vibração percorrer o carro como se fosse uma pulsação interna de seu corpo.

    Em seguida, deixou o ambiente de fuga, os faróis refletindo nas paredes úmidas e cinzentas, até alcançar a via Deai. A quase noite estava clara, as lâmpadas urbanas projetando manchas amareladas no asfalto.

    Ao seguir o trajeto, cruzou em sentido contrário com o veículo de Gabriel e Masaru.

    Estranhou aquele carro, o modelo, a forma como passou rápido demais — por um instante seus olhos o acompanharam pelo retrovisor.

    Mas logo voltou a atenção à pista, acelerando. O vento atravessava as frestas da janela, trazendo o cheiro de asfalto e mato.

    Não levou dez minutos até chegar ao Parque Ambiental de Katakana. Era um espaço amplo e verdejante, onde as árvores escondiam seus troncos atrás de muros de concreto. Mesmo assim, o frescor do lugar parecia escapar pelas brechas, trazendo um aroma leve de folhas úmidas e terra.

    Estacionou rente à entrada, quase medindo os centímetros com obsessão. Aurora ainda incomodava, mesmo que não estivesse totalmente nos céus, o reflexo dourado cortando-lhe os olhos, então abriu o porta-luvas e pegou um óculos escuro, encaixando-o no rosto antes de sair do carro.

    E lá estava Amai. Vestia uma blusa amarela bebê que refletia a claridade da tarde, combinada com uma saia jeans acima dos joelhos. Seus cabelos estavam amarrados em um coque simples, mas bem feito, e seus olhos brilhavam de ansiedade e expectativa, como se já soubessem que algo importante estava prestes a ser dito.

    Estava sozinha. Com aquele semi tempo fechado, ninguém em sã consciência se arriscaria a sair para um encontro.

    O céu logo seria encoberto por nuvens pesadas, já despejando uma garoa fina que, mesmo discreta, deixava marcas frias em sua pele.

    As poucas gotas que escorriam pelo rosto brilhavam, como se fossem pequenos traços de vidro líquido.

    — Você veio mesmo… — murmurou, a voz firme, mas com uma ponta de surpresa que denunciava expectativa.

    — Ehr… vim. E o que tem de tão urgente? Nossa próxima missão é aqui? — Coçando o queixo, os olhos desviando-se dos dela como se a intensidade daquele brilho fosse forte demais — Cadê o loiro?

    — Está ansioso? — rebateu, arqueando uma sobrancelha.

    Então avançou dois passos. O som dos saltos altos ressoou contra o piso úmido, firme e implacável. A cada batida, a distância entre eles diminuía, até que seus olhos ficaram na mesma linha da garganta dele.

    Com um gesto rápido, arrancou as mãos dele dos bolsos, como se fosse imperdoável escondê-las ali.

    — Ele está ocupado… não iremos fazer nenhuma missão hoje — seus lábios se curvaram num sorriso enigmático, quase desafiador — Vamos nos conhecer… o que acha?

    O rapaz engoliu seco. E por um instante o barulho do mundo pareceu se calar, deixando apenas a tensão entre os dois.

    — Ehr… Como assim!? Então, o que era de tão urgente? — Ergueu o rosto, imóvel, paralisado diante da ousadia dela.

    Acima, as copas das árvores se agitavam. A chuva despencou, mas por algum motivo estranho jamais o atingiria, como se a própria natureza evitasse tocar seu ser.

    — Oras, o quê? Eu não iria esperar muito e iria te buscar!

    Sua risada ecoou delicada, quase infantil, mas o gesto seguinte foi impiedoso: pisou no pé dele com força, arrancando-lhe uma contração nos lábios que quase se transformou em um grito.

    — Você vai se fazer de durão sempre, Yamasaki?

    Recuando logo em seguida, levando os braços para trás com uma leveza teatral.

    — Maldita! — resmungou, soltando um suspiro irritado, pesado como se quisesse afastar a tensão que se acumulava — Você me tirou do meu descanso só para me irritar? Sério?

    — Oh, cabeça oca! — o tom divertido contrastando com o olhar sério que o fitava — Não, estou falando sério… quero conhecer Yami Yamasaki mais…

    O coração bateu mais forte ao ouvir seu nome completo escapar dos lábios dela. Não era apenas uma provocação, mas uma quebra de barreira, como se estivesse abrindo uma porta para algo que ele mesmo evitava encarar. O silêncio da chuva, desviada como por encanto, tornou aquele instante ainda mais incômodo e ao mesmo tempo… inevitavelmente íntimo.

    — Por quê? Você não tem nada mais interessante para fazer? Sabe, ler um livro ou ver uma série? — Lançando um olhar rápido em direção ao carro, como se calculasse uma rota de fuga.

    Mas a fera não lhe deu chance.

    Agarrou seu braço com firmeza surpreendente, a força dela quebrando qualquer pretensão de resistência.

    — Não seja chato! Vai, como dois parceiros que somos, deveríamos saber um do outro! — insistiu, puxando-o sem cerimônia em direção à entrada do parque. O salto dos sapatos ecoava contra o piso molhado, e a cada passo parecia arrastá-lo mais fundo para dentro daquela armadilha — Vem cá, Yamasaki…

    — Então pergunta, pô! O que quer saber? — rebateu, tentando disfarçar o incômodo com ironia.

    Ela o largou apenas quando chegaram à estrada interna do parque, ladeada por árvores altas que se curvavam levemente sob o peso da chuva.

    A cidade parecia ter desaparecido. Ao redor, só havia o verde das folhas vibrando e o marrom elegante dos troncos que sustentavam aquele teto natural.

    Se alguém fechasse os olhos, podia sentir o frescor da terra molhada misturado ao perfume adocicado das flores lilases que pontilhavam discretamente a vegetação.

    Ele respirou fundo. Aquele cenário o engolia, contrastando com a irritação que tentava sustentar diante da insistência.

    — Tudo no seu tempo e clima! Primeiro, por que não vamos aproveitar a maravilha que Elum fez?

    Desviando para a direita, onde o contorno prateado de um lago se revelava à distância, refletindo o céu nublado como um espelho quebrado pela chuva.

    — Vamos?

    — Tenho escolha? — Mas ainda assim a seguiu.

    Seus passos eram pesados, contrastando com a leveza da rubra flor.

    — Você é bem estranha… uma exorcista com um clã para herdar, tão focada… e agora matando tempo assim!

    — Sou um ser humano, não é?

    Diminuindo o ritmo para que pudesse acompanhá-la lado a lado.

    — Você parece despreocupada até demais…

    O olhar sempre atento ao redor, como se qualquer detalhe pudesse ser uma armadilha.

    — E estou! Sabe, estou aproveitando o balanço das águas… E você?

    Os olhos castanhos claros dela refletiam a vida ao redor, as flores lilases que margeavam o caminho, a oscilação das copas, até mesmo a dança invisível das moléculas no ar.

    — Estou… levando… minhas velas já foram içadas! Só navego por este mar…

    — Você é do tipo que não traça um caminho porque não pode, mas também não atraca em nenhum lugar porque não quer, certo?

    Incisiva, quem o desnudava sem esforço.

    — Talvez… eu só quero que tudo passe. É como ansiar por um instante, viver por um momento. Você entende? Aposto que não!

    Desviando o olhar.

    Foi então que notou pequenos movimentos no galho próximo: macacos, do tamanho de mangas rosadas, os observavam com curiosidade.

    Seus olhinhos brilhavam, como se compartilhassem de um segredo.

    — Engano seu! Na verdade, eu vivo assim. Ser uma herdeira significa que viverei até ser membro do conselho. Após isso, minha vida e destino serão para a ordem!

    — E você não gosta disso?

    Franzindo as sobrancelhas, sem disfarçar a incredulidade.

    — Eu? Bem… não! — Rindo de leve, embora o riso não sustentasse a sinceridade — Quer dizer, amo ser exorcista, amo meu pai, meu clã… mas queria almejar algo menos grandioso, mas não menos importante!

    Voltando o olhar para o lago que se agitava, como se ali houvesse a resposta que não ousava dizer em voz alta.

    Já o vocalista do Kiss revirou os olhos, o gesto lento, tentando raciocinar diante daquilo. A ideia parecia absurda, mas não podia negar a autenticidade do que ela dizia.

    — Não faço ideia. Talvez você quisesse seguir outra carreira? É clichê, mas acontece… — Um tom meio zombeteiro, mas carregado de uma pontada de curiosidade que não admitiria.

    O silêncio breve entre eles foi preenchido pelo som constante da água: o lago respirava em ondas leves, as árvores pingavam como se chorassem em cadência, e até os pequenos macacos, ainda escondidos, pareciam atentos à conversa… testemunhas invisíveis de uma confissão rara.

    — Quê? Não, eu acho que ser herdeira e exorcista está bom para mim! E, aliás, eu sou excelente em ambos — Erguendo o queixo com um orgulho que soava quase teatral, salpicado de sarcasmo, algo que nunca carrega — Mas eu… desejo ter uma família! Sabe, como minha mãe. Eu já sou forte, já sou orgulhosa de mim, eu… quero algo que vá além de mim, algo que eu possa sentir que continuará mesmo após eu partir!

    Determinou, a voz firme, mas com uma doçura escondida em cada palavra.

    — Uma família? Você quer dizer que a exorcista mais talentosa… quer casar?

    Desperdício… Que garota nunca ouviu isso?

    — Hmm… isso, casar, ter filhos… talvez viver longe da cidade, uma vida tranquila, um pouco de paz — passando os dedos pelas folhas úmidas de um arbusto próximo, deixando a água escorrer entre seus anéis — Sabe, Yamasaki, eu não sou idealista de querer mudar este mundo ou muito menos sacrificar o meu futuro em prol disso. Faço minha parte, mas o que eu espero para mim é mais importante e está acima de tudo! Você é da mesma forma, não? Apesar de termos senso de justiça diferente, estou errada?

    Quando perguntou, buscou seus olhos com insistência.

    Os dele, no entanto, escaparam para as folhas largas de uma samambaia à esquerda, como se ali houvesse uma rota de fuga.

    — Não está… realmente, eu não ligo para nada disso. O mundo, para mim, se tivesse um fim, não me importaria, contanto que eu tivesse o que almejo!

    — E o que você almeja?

    Inclinando-se levemente para o lado, sem deixá-lo escapar.

    — O quê? — fingiu não compreender, embora soubesse.

    — É, se está tão certo disso quanto eu, então não teria problema em dizer, não é? Ou você… é do tipo que acredita que não realizará se disser? — Estreitando os olhos com um sorriso malicioso — Ou está com medo? É algo muito vergonhoso? Tipo… dar seu primeiro beijinho?

    — Não… Ei… por que não falamos de algo mais interessante? Não quero ficar com papo de psicólogo, não tenho saco!

    Meio bravo, meio envergonhado, desviando ainda mais o olhar.

    O que a fez soltar uma risada curta, satisfeita com a reação. Para ela, parecia um jogo. Para o rapaz, deveria ser a pergunta mais fácil do mundo — justamente por ser tão simples.

    Mas, inexplicavelmente, não era.

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