Capítulo 159 – Desabafo no Bar… Ou, Casos de Família?
A noite se fecha, envolta por uma atmosfera pesada, como se o próprio ar estivesse saturado de mistérios não revelados.
Mas um deles, diante de vocês, plateia desse tal incerto futuro… se revela.
A estrada deserta reluz sob a luz dos postes, tão distante dos ares residenciais da metrópole, criando um brilho espectral no asfalto. E então, uma sombra, que parece parte do próprio cenário, surge dos matos e se move com calma.
Seus passos são lentos, quase sorrateiros, mas cada movimento está impregnado de uma serenidade que faz a escuridão ao redor parecer menos ameaçadora.
Por mais que seja.
Vestido com um terno azul-escuro que acentua sua figura imponente, ele entra no bar sem pressa, o suficiente para a sacada justificar o título de estabelecimento de luxo. Ao entrar, vislumbra o lugar, que continua sendo a mesma joia rara, luxuoso e impecável em seus detalhes.
No entanto, há uma estranheza no ar — o vazio do espaço que, em uma noite tão encantadora e sedutora, deveria estar repleto de risos e brindes. O silêncio predomina, e o ranger discreto da madeira sob seus pés ecoa como um sussurro antigo, como se até o próprio lugar reagisse à sua presença.
Os sapatos brilham, mesmo após a travessia pelas matas ao redor, um sinal da meticulosidade quase obsessiva que esse “homem” carrega. No balcão, o dono, com a face escaveirada e terno preto, enche uma taça com a vodca mais cara de sua adega.
Quando o copo se completa, seus olhos se levantam e se fixam naquela figura. Um calafrio de saudade percorre seu ser, derrubando a aura negra que o rodeia.
É como ver um fantasma.
— Isso aqui vai falir, sem clientes! — A voz familiar corta o silêncio, carregada de ironia e uma leve satisfação. Asmael, o recém-chegado, sorri, um sorriso afiado ao encontrar o olhar de Beel, seu irmão.
Ele dá uma risada curta, mas não sem uma pontada de amargura, erguendo a taça em um brinde.
— Vai falir bem antes, mas não por falta de clientes. Pelo excesso de parentes! — Seus olhos brilham de provocação. — Quanto tempo, seu saco de ossos imundo! Achei que não viria mais!
Asmael suspira, o cansaço refletido não só em suas palavras, mas também em seus olhos, como se o peso de várias existências estivesse sobre seus ombros.
— Luciel… ele está cada vez mais… — as palavras se perdem no ar, os ciclos entre os encontros ecoando em sua mente.
Passado, presente… quando foi a última vez que o viu?
— Enlouquecido? — Beel oferece a palavra, com um olhar que não esconde a suspeita. Em resposta, ele meneia a cabeça, exibindo um sorriso de frustração.
— Isso já era, diria… paranoico! — Ele caminha até o balcão, os passos lentos, mas carregados de uma gravidade incomum. Ao parar diante de Beel, solta um suspiro profundo, algo que raramente faz na frente de qualquer um. — Não só ele… acho que estou me deixando levar por essa loucura também! Espero que esteja pronto para me abraçar com minhas falhas!
— Se sente inseguro?
— É… diria que é isso! — Seus dedos arranham a madeira. — Ou sei lá, me sinto louco!
— Sabe, dizem os humanos que só um louco pode parar outro! — Oferece a taça, que Asmael aceita sem hesitar. Ele traz uma leveza em seu ser, mesmo que seja o mais vil dos seres, sua bondade transparece como a de um anjo enquanto sua figura permanece demoníaca. — Mesmo que seja um crime servir vodca como vinho, vá em frente, você parece que está precisando!
O demônio toma um longo gole, o líquido queimando sua garganta, mas ele não se importa.
É acolhedor sentir o álcool, o sabor… fazia tanto tempo que não fazia, algo tão simples quanto conversar casualmente, sem amarras.
— Isso é insano! Perseguir um futuro enquanto altero cada linha dele, cada detalhe, na esperança de que ele mude… e, ainda assim, que ele não mude para os olhos do imperador! — Há uma exaustão em sua voz, mas também uma dúvida corrosiva, ele carrega o peso que Atlas foi condenado a carregar. — E tudo isso… será que está valendo a pena? Ou… tudo vai resetar, como dos milhões de vezes passadas?
Beel observa o irmão por um momento, um brilho de empatia em seus olhos.
— O que houve? Você já se questionava isso antes, o que mudou?
— O quê? — Ele olha para o fundo da taça novamente, tentando alcançar. — Ah, talvez seja porque vi Liliel de novo… — Asmael passa a mão pelo rosto.
— Entendi, Liliel… ela sempre foi seu pilar de força!
— É! — Ele concorda, pensativo. — Mas é sempre tão difícil. Merda… saber das coisas e deixar para trás. Sinto que estou machucando mais quem amo, quando deveria estar salvando…
— É o peso das escolhas, o tempo… é um castigo para quem tanto espera… — Suas palavras são uma verdade que finca no peito sem coração da criatura.
Asmael encara o fundo da taça vazia novamente, como se ali pudesse encontrar respostas para o peso que carrega, o mesmo peso que encontrou da primeira vez.
— É… acho que, das penas pelos pecados, essa é a maior. Ser escravo dele, por ele agir… é quase um paradoxo. Para tudo dar errado, primeiro, tudo tem que dar certo! — A frustração paira no ar, espessa e pesada como o álcool que ele bebe. Sua voz sai baixa, quase um sussurro, mas carregada de uma verdade amarga que o corrói por dentro.
Beel permanece em silêncio por um momento, permitindo que as palavras do irmão ecoem no vazio ao redor. Finalmente, ele fala, com uma calma sagaz que esconde séculos de sabedoria e malícia.
— Só se derruba um rei quando ele está em seu trono, não? — Sua mão pousa no ombro de Asmael, firme, mas reconfortante. — Mas não esqueça: quando se odeia alguém ao ponto da obsessão, não dá para ver as pessoas ao seu redor… Aproveite cada milissegundo, Asmael. Todos erramos, sejam demônios como nós, ou humanos. Tudo valerá a pena no final, garantidamente.
Asmael solta um riso curto, mas seus olhos trazem a amargura que ele tenta esconder.
— Droga… todo dono de bar vem com a configuração de psicólogo? — Ele o encara, seus olhos refletindo uma chama tênue de esperança que, por muito tempo, ele não se permitia sentir. — É tão bizarro!
Ele se inclina levemente para frente, as sobrancelhas arqueadas em uma curiosidade genuína.
— O quê? O que nos tornamos?
Asmael balança a cabeça, pensativo, e solta um suspiro longo, pesado.
— Não… é que tenho tanto tempo, e você tão pouco. Mas suas ambições são tão pequenas e, ainda assim, cheias de esperança. — Ele leva a taça aos lábios novamente, bebendo mais um gole profundo. — Aliás, os rapazes desconfiaram?
Um sorriso se abre no rosto de Beel, travesso, quase orgulhoso.
— Sou especial! — Riu, a risada ecoando levemente nas paredes do bar vazio. — Mas, bem, não… encenei bem. Sabe, por mais que eu não goste de mentir para nossos irmãos, eu confio em ti, Asmael. Sei que valerá a pena no fim! — Ele faz uma pausa, os olhos ganhando uma intensidade inesperada.
— No fim…
— Por mais que esse vasto oceano seja para nós um mero aquário, mude as águas! E um novo mundo surgirá. Pode não ser o mundo que todos esperam… mas será um novo mundo, com o câncer finalmente curado.
Asmael fica em silêncio por um momento, absorvendo aquelas palavras. A metáfora pesa sobre ele como uma profecia ao mesmo tempo, terrível e promissora.
— Um novo mundo… — murmura para si. — Será que estou pronto para pagar o preço por isso?
Beel apenas sorri, aquele sorriso enigmático que sempre traz tanto conforto quanto inquietação.
— Já estamos pagando, irmão. O truque é garantir que o saldo seja positivo no final.
Asmael olha para o teto por um instante, refletindo sobre o que está em jogo.
— Você tem razão, irmão… talvez seja hora de mudar as águas. E eu sou o único que pode fazer isso… o único!
Gostou da Webnovel? Então confira o servidor oficial clicando aqui!
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.