Capítulo 168 – Conto Passado: Kryntt, A Queda do Trio — Part Final
Dias se passam.
Na solidão de seus aposentos, Kryntt bebe o hidromel mais barato que encontrou. A quantia de quatro garrafas já deslizou por sua garganta, e seu hálito carrega o peso da embriaguez.
A pequena sala de sua casa, iluminada apenas pela luz fraca de um ventilador de teto que gira preguiçosamente, está cercada por jornais espalhados, suas manchetes gritando desgraças.
“Mortes aumentam em 23,5% desde o ciclo 380: mais liberdade, mais ordem, mais descuido?” está estampado sobre a mesa. Outro jornal, com a imagem de Kyotaka na capa, proclama: “Crimes sem punição, até quando, imperador?”
— É tão fácil… — murmura o rapaz, a voz rouca de tanto beber, os olhos fixos no teto, observando o ventilador girar como um moinho de mágoas. — Por que é tão fácil dizer tanta merda? Empatia? Caralho… quantos de nós morremos e nunca são sequer mencionados nessas capas? — Ele se levanta cambaleando, o corpo pesado pelo álcool, mas a mente sóbria em sua desilusão.
Bêbado, sim, mas mais consciente da amargura que o consome do que jamais esteve.
Ele cambaleia pelo pequeno corredor até o banheiro, seus passos desajeitados arranham o chão de madeira. A luz fria pisca sobre sua cabeça quando ele se apoia na pia de cerâmica, respirando com dificuldade.
O cheiro ácido do álcool o enjoa ainda mais e, com um gemido de dor, vomita na pia, o líquido espesso se esparramando pelo ralo, deixando um gosto amargo ainda mais forte em sua boca.
Mas Kryntt ergue a cabeça, encarando seu próprio reflexo no espelho. Sua pele está pálida, os olhos fundos e injetados, quase irreconhecíveis.
— Aquela moça… — murmura para si, ele estava acusando a si por mais uma vida que se foi diante de seus olhos. — Merda… por que essa merda voltou para mim depois de tanto tempo? — As palavras ecoam no banheiro vazio, carregadas de uma dor que ele jamais pensou reviver.
Ali, diante do espelho, a verdade o assombra como um fantasma. A obsessão o devora por dentro, uma necessidade implacável de culpar alguém pelo que sofreu. Sua irmã, a lembrança da moça que agoniza, o rosto contorcido pela dor, aparece em sua mente diariamente.
Aquelas memórias que ele tenta enterrar voltam com força total, tão vivas e cruéis quanto o presente.
O presente que ele vê ao acordar deste sonho…
É como se cada segundo revivesse aquele horror, uma mágica macabra da mente, prendendo-o em um loop eterno de sofrimento.
O barulho suave do ventilador no outro cômodo traz de volta ao presente.
Ele continua deitado no sofá, mas no agora…
Ele pisca, a respiração pesada, e olha ao redor. Continua no seu apartamento, sozinho, o cheiro acre do vômito ainda impregnado no ar, mas… parece uma reprodução vivida de seus sonhos, criada pelos seus sentidos para transportá-lo àquele dia. Seu smartphone sobre a mesa vibra silenciosamente, a tela ascende e pelas horas indicam que uma hora no mínimo passou.
Mas para ele, tudo aquilo, cada lembrança, cada tormento, veio e se foi em questão de minutos… Retornou ao tempo que pertencia, mas deixava as marcas em seu coração.
A mente o traiu, como se ele revivesse o passado amargo inteiro em um piscar de olhos, como se o tempo e a realidade fossem cúmplices de sua desgraça.
Ele inclina o corpo preguiçosamente, sentado no sofá, seus olhos fixos no brilho frio da tela do celular. As mensagens piscam à sua frente, uma das poucas conexões que ainda mantém com o mundo exterior. Masaru, o único contato que resta em sua lista, envia mais uma ideia maluca — o tal plano elaborado às pressas que o faz rir, um riso carregado de ironia.
“Que idiota…”, pensa, seus lábios curvando-se em um sorriso cansado enquanto solta um suspiro longo.
O sono começa a pesar, mas ainda assim, seus dedos se movem lentamente sobre o teclado virtual.
“Acha mesmo que dará certo?”
Digita e envia, sem muita expectativa.
Tentando fazer o tempo passar, desvia o olhar para a TV à sua frente, que está em tela de descanso há dias, um reflexo de sua própria inércia. Um som suave, semelhante ao toque de um sino, o alerta da resposta imediata, algo raro vindo do celeste.
“Óbvio! Confia em mim, pô!”
A mensagem vibra na tela, vinda sem os longos silêncios habituais.
Ele ergue as sobrancelhas, surpreso com a rapidez.
“Tá certo… E como fará? Com uma equipe de quatro pessoas, vai ser difícil abrir uma brecha, não?”
Sua mensagem é enviada com certo delay, a rede vacila por vezes, e seus olhos continuam presos à tela, esperando a próxima resposta.
“Nada!”
Vem a resposta logo em seguida.
“Já falei com os meninos, eles estão com zero interesse… e caramba, até eu não estou muito afim desse negócio de gato e rato, gosto de luta! Saca?”
Ele ri baixinho ao ler, balançando a cabeça.
“Sei… Você é bem simplista e… gosta desse trabalho, rsrsrs.”
Seus dedos pairam sobre a tela, hesitantes por um momento, como se pesassem cada palavra antes de enviá-las. Depois de mais alguns segundos, decide concluir a conversa.
“Enfim, o que conseguir estará ótimo! Ficarei no aguardo.”
E com isso, apaga a tela, sentindo a leve vibração de uma nova notificação logo em seguida, mas ignora-a.
Leva as mãos ao rosto, esfregando os olhos pesados. A sensação de ansiedade começa a enraizar-se no peito, apertando lentamente.
Sem pensar muito, levanta-se do sofá, seus passos ecoando na sala silenciosa. Caminha até o banheiro, ainda com as roupas que vestia o dia inteiro, e liga o chuveiro. A água fria começa a escorrer pelo box, trazendo um alívio momentâneo enquanto ele se inclina contra a parede de azulejos, tentando limpar a mente antes que ela seja tomada por completo pela inquietação.
E novamente, vem a pergunta: quem é ele?
Um homem que outrora vestia o manto de herói, aquele que aclamavam nas ruas como o protetor dos injustiçados. De um leão que ruge pela justiça, implacável e incansável em sua luta contra a opressão, resta agora apenas a sombra de um ideal corrompido.
O brilho de outrora se apaga, substituído pelo fogo frio da vingança, uma chama alimentada pela dor que ele conhece tão bem. Não há mais nobreza em sua causa, nem propósito além do impulso cego de devolver o sofrimento na mesma moeda.
É um herói caído, ou, lúcido de que seus deveres são nada mais do que o maior dos sacrifícios…
Cada passo que dá agora, porém, é pesado, como se o peso do mundo tivesse se tornado sua armadura. Não busca mais a redenção ou o reconhecimento, apenas o fechamento de um ciclo sombrio. A justiça que uma vez lutou para proteger foi distorcida em algo cru, visceral, onde o ideal de certo e errado cedeu espaço ao instinto primal: dor para quem causou dor.
Não mais pelas raízes heroicas que o sustentaram, mas pela antiga e implacável lei do olho por olho, dente por dente.
Isso é justiça? Ou apenas a derradeira confissão de um homem que já não acredita em nada além da própria dor?
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