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    Manhã do dia 41… um dia antes da maior tragédia da humanidade moderna.

    É um dia marcado nos relógios de guerra e pelos ecos de um futuro sombrio, onde os gatilhos são apertados e as balas atravessam os corpos, rompendo os últimos vestígios de inocência. 

    O caos, como uma doença virulenta, se espalha sem piedade e, entre os sons distantes de destruição, uma verdade amarga se instala: o homem não pode mais ignorar sua própria decadência.

    E na casa do diabo, Jahiel acorda. Seu olhar está fixo no céu, um vasto manto azul da aurora como uma pintura eterna, dia ou noite, ela encara a mesma paisagem. 

    Suas mãos, calejadas pelas sombras que chama de lar, deslizam pelo ar, tocando-a, por mais que seja uma miragem. Uma coisa tão fugaz, tão distante, que ela toca apenas com a ponta dos dedos, como se, ao fazer isso, pudesse aprisionar a beleza que não se permite em sua própria alma.

    — A luz… — A voz que interrompe o silêncio é áspera e carregada de desdém. Rasen, com seus olhos preguiçosos e seu semblante desinteressado, a encara, ainda bocejando. — Deve ser uma merda não poder senti-la na pele, não é? — Sua voz é uma lâmina cortante, carregada de ironia.

    E ela? Vira o rosto, seus olhos escurecendo, determinada a responder com desprezo.

    — O que você sabe? — Ela o fita com um olhar frio, o da assassina que é. — Você é mais demônio que eu. A sensação da luz tocar sua pele não passa de uma ilusão!

    Ele ri, um riso debochado que se estende como o som de uma corda esticada, prestes a arrebentar.

    — Como assim? — zomba, inclinando levemente a cabeça. — Você é um macaco? Vai dizer que eu não senti a verdadeira luz?

    — Não! — A voz dela soa firme, como um estalo no ar. E as palavras o atingem diretamente, como se ele fosse forçado a encarar a verdade cruamente. — A luz verdadeira não toca a pele, mas a alma. Ela não está acessível aos homens, como pensam. E nós? Nós demônios a tememos, porque sabemos o que ela significa! Isso é tudo!

    O ex-messias a observa com uma expressão vaga, confusa e irritada ao mesmo tempo.

    — E por que almeja isso? Sua cara, suas atitudes, não são de alguém que a teme!

    — Quando Luciel ascender aos céus… — diz ela com uma convicção aterradora, a voz suave, mas carregada de uma certeza impossível de negar. — Ele vai romper o ciclo. A luz não vai mais pertencer aos homens, mas a vocês! Serão os parasitas, os párias. E nem a própria luz que os trouxe à vida será acessível a vocês!

    O sorriso em seu rosto é amargo, mas também satisfeito, como se estivesse assistindo a uma peça que, finalmente, alcança seu clímax.

    Rasen fica em silêncio por um momento, antes de desdenhar.

    — Que deprimente… Então, ele quer tomar nosso lugar?

    Jahiel cerra os punhos, e uma onda de ódio emana de seu corpo, como se pudesse partir tudo ao redor. Antes que o confronto se intensifique, uma nova voz se intromete. Passos suaves, porém firmes, aproximam-se lentamente.

    — Claro que sim! — Liliel, com uma força imperturbável, segura o braço dela, forçando-a a recuar. — Luciel quer mudar o peso da balança porque acredita que é maior! Isso te decepciona?

    Jahiel encara a princesa, seus olhos cheios de frieza.

    — Ele deve achar a ideia de seu antigo grupo mais justa! — diz, com ironia, cruzando os braços e observando a interação com uma leve insatisfação. — Afinal, ele era o personagem principal da peça…

    — Ehr? Eu? — Ele dá de ombros, seu tom carregado de uma sinceridade brutal. — Tô pouco me fodendo para isso! Só quero destruir essa merda de mundo, na mesma intensidade com que ele fodeu a minha vida! Isso me torna errado? Não sei, e não quero saber! Se isso me fizer poder foder com todos, caralho, estou dentro!

    A revelação paira como uma lâmina afiada, cortando o véu de qualquer remorso. Ele não se importa mais com nada, nem com a luz, nem com a escuridão.

    Está apenas disposto a fazer com que o mundo pague pelo que fez com ele.

    A entidade Liliel observa com um olhar sombrio enquanto Jahiel encara a aurora mais uma vez. Não é a luz que ela vê, mas uma miragem, uma ilusão temporal aprisionada no espaço e no tempo, como se fosse algo intocável.

    Algo que, no fim das contas, talvez nunca pertença a ninguém, mesmo que seu retrato esteja eternamente preso ali.

    — Justo… — murmura a princesa demônio, com um toque de nostalgia e compreensão que faz o sangue gelar. — Você me lembra alguém… Juro… Bezeel. Meu tio. Depois que sua mente se tornou a casa de um louco, ele sucumbiu e tentou destruir tudo! — Ao falar, a rua parece congelar por um segundo, e todos os demônios presentes naquela dimensão sentem um arrepio coletivo.

    O destruidor de mundos, o ladrão de essências, é o maior dos temores, uma lenda que só se conta em sussurros.

    O clima então se torna pesado até demais, e a entidade, Jahiel, que observa tudo da periferia da conversa, decide se retirar.

    — Vocês são chatos… — murmura, já se afastando.

    Seu tom entediado corta o entusiasmo dos dois.

    Com um estrondo, o portão ao lado da garagem se fecha, o som ressoando pela rua deserta, como um presságio de algo iminente. A raiva dela parece ganhar forma no ar através de sua força, moldando-se em uma energia espessa, carregada de uma negatividade opressiva que torna a atmosfera ainda mais pesada.

    — Ela está se acostumando a trabalhar com um humano…

    Uma risada sincera escapa dos lábios do homem, contrastando com a gravidade da situação.

    — Ela já te ensinou, pelo menos? Um pouco?

    — Ela me mataria se não tivesse chegado… — responde ele de imediato, sem hesitação, um reflexo claro de sua frustração acumulada. Ele balança a cabeça, os olhos acendendo em uma mistura de impaciência e a ansiedade que o consome. — É óbvio que não se acostumou e nunca vai… enfim, não!

    Com um movimento impessoal, ele se senta sobre o capô de um carro, cuja pintura verde desbotada parece mais velha que as ruas esburacadas ao redor. O carro parece congelado no tempo, assim como ele próprio, preso em um ciclo sem fim.

    — E nem vai! Temos o quê? Um dia? Seria melhor você me passar isso, não acha?

    — Eu? — Ela o encara com um olhar desafiador, respondendo sem sequer pensar. — Esquece!

    — Então como? — suspira ele profundamente, mas o desinteresse é evidente em sua voz. Como uma criança entediada, ele desvia o olhar para as ruas ao redor. — Posso pedir ajuda aos outros demônios?

    — Tentou?

    Ele parece nada mais que uma criança mimada, perdida com o próprio poder.

    — Não!

    — Então está aí sua resposta. Não é difícil! — Ela dá de ombros e, sem mais palavras, começa a caminhar, seus passos firmes e decididos. Antes de ir, lança um último olhar para ele, como se já soubesse exatamente quem ele é. — Você é uma merda… mas é um prodígio. Conseguirá dominar tudo em um dia… só… basta querer! — As palavras soam mais como uma bronca do que uma motivação.

    É um aviso disfarçado de desafio.

    E esse dia, apesar de aparentar calma à primeira vista, carrega o peso de algo inevitável que, mais tarde, está prestes a desabar.

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