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    Dando um passo adiante, sozinho, Gabriel adentra a cova dos leões. Atrás de si, o silêncio de seus subordinados permanece, e Kryntt—um aliado que sucumbiu às profundezas das trevas—já não pode ser encontrado.

    Neste instante, 60% das entidades estão exorcizadas, mas o ar continua carregado, pesado como ferro fundido. Há dor e trevas em constante metamorfose, como se o mal permanecesse invicto, indiferente ao número de escuridões purificadas.

    Um véu invisível parece envolver o local. O Império jamais testemunhou um desastre tão colossal; dois terços da população foram dizimados. Nem mesmo a Grande Guerra, tramada por Lucius, o Rei Traidor de sua humanidade, alcançou tamanha crueldade neste território.

    Até mesmo os exorcistas, homens de poder, não são poupados: 30% dos enviados caem em batalha, suas almas fragmentadas pelo mal.

    Desespero e morte os aguardam, como em uma grande guerra… mas esta não é nem uma fração da derradeira.

    Gabriel continua, caminhando através do que resta da cidade—ou do que pode ser chamado de cidade. É um cemitério aberto, onde manchas negras, resíduos de entidades exorcizadas e corpos humanos destroçados se confundem em uma pintura macabra. Exorcistas, santos, guerreiros: todos jazem igualmente.

    A calmaria de seus passos calculados é interrompida por um estrondo terrível, como o rugir de mil trovões. Um edifício em ruínas explode de dentro para fora. Pedaços de concreto, aço e carne humana voam como projéteis. Um exorcista—ou o que restou dele, sem cabeça—é lançado contra outro prédio, esmagado pela força implacável. O som dos ossos quebrando reverbera como um trovão abafado.

    E então, ele surge.

    Beheel! O conde infernal!

    A figura emerge das ruínas com a imponência de uma tempestade encarnada. Seus passos fazem o chão tremer, e a aura negra que o circunda devora até mesmo a luz. Ele tem o porte de um touro colossal, ombros largos e músculos à beira de explodir, cobertos por um breu opaco que se move, vivo, como uma pele parasítica.

    — Hahahaha! — Sua risada ressoa como um terremoto, rachando o solo a seus pés. Seu hálito pútrido encharca o ar com o odor de morte. — Então é você, o tal exorcista celeste?

    Gabriel permanece imóvel, os olhos fixos na figura monstruosa.

    — Estava à minha procura? — Sua voz soa baixa, firme, como a lâmina de uma faca deslizando pelo aço.

    — Sim, sim! — Beheel limpa o sangue dos lábios com as costas da mão. — Achei que fosse o outro fracote… careca como você! Só precisei de um chute, acredita? Um chute e o desmembrei como se fosse papel!

    — Um chute? — O celeste estreita os olhos. Há algo nos movimentos daquela criatura, uma presença que traz uma memória distante. — Você é uma Besta Original, não é?

    — De carne e osso! — O Demônio joga os braços para trás, emitindo um urro animalesco que reverbera entre as ruínas. — O mais forte fisicamente entre os filhos dos reis!

    Por um instante, flashes de outra presença atravessam a mente do exorcista. Azaael. A mesma aura abissal ressoa com o vazio primordial.

    — Entendo — diz, inspirando profundamente e cruzando os dedos em um gesto firme. Sua presença muda drasticamente. A calma dá lugar a algo mais primitivo, a mesma fúria que há instantes o dominou. — Sendo assim… eu te levarei a um lugar do qual jamais escapará!

    A atmosfera congela. Ele dá o passo impossível, expandindo sua energia além do que a maioria dos homens pode sequer conceber… Um vento cortante acompanha o movimento de suas mãos, e o poder divino se manifesta.

    — Expandere energiam, Regnum Phantasiae, ubi somnia vera fiunt! — sua voz ressoa como um eco celestial.

    A tormenta que traz com suas palavras envolve Beheel.

    Num instante, a paisagem muda. Não há mais ruínas ou corpos mutilados, apenas um lago de sangue interminável sob um céu negro como breu. Cada gota que cai ecoa como uma sentença de morte. O horizonte é puro desespero. A entidade, cerrando os punhos, está imersa no mar escarlate, flutuando acima com a fúria fria brilhando em seus olhos. 

    Sabe que não pode vacilar, mesmo sendo tão poderoso!

    — Bem-vindo ao inferno! — a voz corta o silêncio opressor do lugar. — Esse não é o espelho dos homens, mas o espelho da dor que a mente projeta. Sabe… o sangue não é o tom que define a vida, mas seu cheiro, sua pintura, quando abraça a morte!

    Mas a besta ruge. A paciência da entidade demoníaca tem limites. Ele avança, cada passo fazendo o mar subir em ondas de sangue. Seu movimento é como o de um rinoceronte desenfreado, rápido demais para algo tão imenso.

    Gabriel recua no ar, as mãos se erguendo.

    — Ventus Carceris! — Rajadas cortantes de vento partem em direção à besta, mas apenas arranham a superfície daquela carne demoníaca. — Transmutatio Energiae Elementaris! — Ele troca o vento por fogo. Chamas infernais surgem, um turbilhão que consome o horizonte, mas a criatura imparável rompe seus planos, ignorando a dor. 

    Com essa vantagem, ele emerge das chamas. Sua mão, grotesca e imensa, agarra o tornozelo do exorcista.

    — Maldito! — rosna o celeste.

    Com um gesto animalesco, lança o exorcista como se fosse uma pedra. O impacto no mar de sangue ergue ondas colossais, tingindo ainda mais o céu.

    Mas Gabriel flutua, as costas arranhando o mar escarlate, mas não há tempo para se recuperar.

    Pois a criatura já vem em sua direção, o punho negro e denso como breu. Em um instante, ele ergue uma barreira translúcida na última fração de segundo.

    Mas, mesmo sendo o melhor usuário de barreiras e escudos cristal, o impacto é violento, abrindo fissuras na defesa.

    — Incrível… — murmura, sentindo o poder monstruoso da entidade. 

    Capaz de fazer ondas de sangue que se erguem a dez metros de altura, como se o mundo gritasse sob o peso daquela luta.

    Ele sabe. O poder bruto do ser não será contido por truques comuns. As rachaduras na barreira são apenas o prenúncio do que está por vir…

    “Se eu não fortalecer a barreira… posso morrer! Mas, se eu fizer isso, perco meu pacto! Merda!”

    Pensa enquanto respira fundo, limpando o sangue que escorre pelos lábios.

    Mesmo parcialmente evitando os danos do impacto, o pouco que escapa fere seu lábio.

    “Talvez precise usar o Feitiço Divino…”

    Essa é a melhor saída, mas… o feitiço tem que ser letal. Se ele estiver vivo após o domínio ser dissipado, já era!

    “Mas… será?”

    As águas do pesadelo se agitam, e os olhos dele queimam com a determinação de um homem que perdeu tudo, menos o dever.

    Afinal, isso é o que o move: o dever de proteger, mesmo que seja vítima da desilusão como todos… assim é Gabriel Souza!

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