Índice de Capítulo

    Certa vez, nasceram gêmeos em uma das famílias de maior prestígio na fortaleza. Embora a mãe não possuísse grandes talentos, naquele momento conquistou o respeito de todos. Naquele clã, era tradição: sempre que gêmeos vinham ao mundo, carregariam juntos a lei do zodíaco.

    Desde a infância, foram tratados como os filhos mais importantes da região. Quando completaram cinco anos, o clã decidiu que deveriam enfrentar o ritual do fogo — cerimônia onde suas habilidades seriam forçadas a despertar.

    Naquele dia, diversos membros se reuniram na sala do fogo. O ambiente lembrava a estrutura da câmara usada pelo clã nos tempos atuais. Loi posicionou-se em um dos círculos, enquanto seu irmão tomou o lugar oposto.

    O ritual teve início. Apesar das chamas intensas que brotavam ao redor, nenhum dos dois demonstrava sinal de sofrimento. O entusiasmo crescia entre os presentes — todos aguardavam algo extraordinário.

    Então, sem aviso, Léo foi envolto por uma erupção de fogo. A barreira ao seu redor cedeu sob a força da explosão. As chamas marcaram sua pele com cicatrizes incandescentes, enquanto os olhares em volta se fixavam, atônitos, naquele despertar incomum.

    — Estomago… Estomago de fogo!

    — Estomago de fogo!!!

    A comemoração irrompeu rapidamente quando Léo desabou, inconsciente, e foi amparado por membros apressados. A atenção se concentrou de tal forma em sua condição que ninguém percebeu, de imediato, a presença ainda contida no outro círculo.

    Lá dentro, Loi golpeava a barreira com força, lutando contra o sufocamento causado pelas chamas. Quando finalmente voltaram os olhos para ela, a expressão coletiva mudou. 

    Murmúrios surgiram. Começaram a pensar que havia falhado. O desconcerto se espalhou, pois jamais se registrou, nas escrituras do clã, um par de gêmeos em que apenas um cumpria seu destino.

    A barreira de fogo que a mantinha presa tornava-se cada vez mais intensa. Um novo tipo de esperança começou a surgir entre os membros do clã — jamais haviam testemunhado tamanha força naquela prisão flamejante. Sussurravam entre si, conjecturando se a habilidade da jovem seria algum tipo de amplificação do fogo.

    Contudo, o brilho das chamas começou a diminuir. A estrutura antes imponente enfraquecia, e pequenas fissuras surgiam em meio ao calor. Um vento quente escapava por entre os buracos, agitando as vestes dos que observavam em silêncio.

    Então, repentinamente, a barreira se desfez. No instante seguinte, uma rajada violenta atravessou a sala, arremessando alguns membros para trás.

    — Vento?

    Quando um dos membros sugeriu a possibilidade, o desconforto se espalhou entre os presentes. Expressões de repulsa tomaram conta da sala. Havia algo naquela ideia que perturbava a lógica que conheciam.

    Em seus pensamentos, nada se encaixava. Como poderia uma irmã despertar o poder do vento, enquanto o irmão fora abençoado com o estômago de fogo — a marca mais pura da linhagem.

    — Puta traidora!

    Um homem de cabelos negros e olhos rubros, ainda com Léo desacordado nos braços, ergueu o olhar em direção à esposa ao seu lado. 

    — Há? — a mulher de cabelos verdes respondeu, os olhos estreitados.

    — Não se faça de idiota! — retrucou o homem, a voz carregada de frustração.

    — Do que falas, Leonardo? — ela perguntou, a testa franzida, tentando manter a calma.

    — Quem? Quem do clã do vento você transou?! Liliete!!! — ele explodiu, a raiva transbordando.

    Loi, finalmente livre da barreira e respirando com alívio, caminhou em direção aos pais, que pareciam trocar palavras em voz baixa. Porém, ao ouvir o pai gritar o nome da mãe, não compreendeu o motivo da tensão. Uma dúvida singela, quase infantil, rondava sua mente — O que é transou?

    Enquanto isso, os demais membros do clã mantinham-se em silêncio. Esperando por alguma explicação que esclarecesse como a garota despertara uma habilidade associada ao clã do vento.

    — Leonardo, não confias em mim? — Liliete perguntou, a voz trêmula de insegurança.

    — Cala a boca! Não tem como confiar com uma prova tão clara como essa — ele retrucou, os olhos fixos em Loi, cheios de desprezo.

    Loi se aproximou, e, com um gesto cuidadoso, pegou a túnica vermelha de seu pai. 

    — O que se passa, pai?

    — Não toque em mim, sua aberração! — ele gritou, afastando a mão de Loi com violência.

    Tinha apenas cinco anos, mas já conhecia o peso da palavra “aberração”. Ouvia o próprio pai usá-la tantas vezes para se referir aos demônios, que seu significado se fixou em sua mente como algo impuro, indesejado. Ao escutar aquele mesmo termo ser direcionado a si, algo dentro dela se partiu.

    Sem compreender completamente, mas sentindo cada sílaba como uma ferida, deixou que as lágrimas corressem, silenciosas, pelo rosto.

    — Papai? — ela perguntou, os olhos cheios de confusão, fixando o rosto de nojo que ele esboçava.

    — Mamãe? — sua voz quebrou enquanto olhava para Liliete.

    Sua mãe, com os olhos marejados, aproximou-se e a abraçou suavemente, sussurrando:

    — Está tudo bem, o papai está doente. Ele não queria dizer isso, querida, está bem?

    — Verdade, mamãe?

    — Sim, ele está doente. Acredita em mim?

    — Sim! — ela respondeu, a confiança inabalada, embora a dor fosse clara em seu olhar.

    Naquele instante, Loi sentiu uma estranha sensação de alívio, como se uma pressão interna tivesse finalmente se dissipado. Quando Liliete se virou, percebeu que seu marido já havia partido. E ao retornarem ao lar, um novo golpe as aguardava. Impediram-nas de entrar no próprio cômodo.

    Sem rumo, amparadas uma pela outra, se viram sem um lugar para se abrigar. Nenhum membro do clã parecia disposto a acolher uma filha marcada por tal linhagem. O peso da rejeição era claro em cada olhar que se desviava delas.

    Deitada em um dos corredores da fortaleza, Loi olhou para sua mãe e, com a voz suave, perguntou:

    — Mamãe, e o papai?

    Liliete, naquele momento, não conseguiu conter as lágrimas. Ela envolveu a filha em um abraço apertado, repetindo desculpas em um sussurro desconsolado. 

    E foi ali, nos braços da mãe, que Loi compreendeu a verdade amarga: para o seu pai, ela era realmente uma aberração. O peso da revelação transbordou em seu coração, e as lágrimas começaram a cair, agora sem cessar.

    Os dias seguintes foram uma contínua batalha pela sobrevivência. Dormiam na rua, desprovidas de qualquer abrigo, e nenhum membro do clã se dispunha a ajudá-las. Até mesmo as refeições eram negadas, forçando-as a roubar durante a noite das plantações, em busca de migalhas de alimento.

    Foi assim que viveram, até que, em uma noite, Liliete voltou para casa, toda machucada e sem nada para oferecer à filha. Naquele instante, Loi parecia uma criança que perdeu toda a esperança. Seu olhar estava vazio, sem palavras, e simplesmente aceitava o que quer que sua mãe lhe pedisse, sem demonstrar qualquer reação, qualquer emoção.

    Naquela mesma noite, enquanto as duas estavam deitadas no frio do corredor, uma silhueta se aproximou com uma sacola nas mãos e deixou-a ao lado delas. Loi, que não conseguia realmente adormecer, percebeu a presença e, embora mal conseguisse distinguir os contornos, sabia que alguém passava por ali. 

    Dias se passaram, e, para sua surpresa, a mesma pessoa retornou. Desta vez, ela sentiu algo diferente. Uma chama tênue de esperança acendeu em seu peito. 

    Ela não podia afirmar, mas aquela silhueta parecia familiar, como se carregasse algo de seu passado. Quando a figura se preparava para partir, Loi, com um gesto hesitante, segurou sua mão e, em voz baixa, disse:

    — Irmão?

    Ele hesitou por um instante, antes de abaixar o capuz vermelho que cobria sua cabeça. Olhou para o chão, como se buscando coragem nas sombras, e, com uma voz baixa e incerta, disse:

    — Eu não consigo te enganar mesmo, irmã.

    Naquele momento, Loi sentia que ainda havia uma chama de esperança em seu peito. Embora não tivesse o apoio de seu pai, e sua mãe estivesse quebrada pela tristeza, ela ainda tinha Léo, que nunca a abandonou.

    Durante as noites mais tranquilas, brincavam juntos, tentando encontrar um pouco de alegria nas pequenas coisas. Léo, com entusiasmo, mostrava as novas habilidades de fogo que havia aprendido, seus olhos brilhando com a energia da descoberta. E, enquanto ela observava admirada, ele, com um sorriso curioso, perguntou:

    — O seu vento… me mostre.

    — Mas…

    — Vai, me mostre, eu quero ver… 

    Loi hesitou por um momento, o medo de ser rejeitada ou mal compreendida ainda pairando sobre ela. Contudo, estendeu as mãos e, ao concentrar-se, deixou que a habilidade de vento fluísse. O ar ao seu redor começou a se mover suavemente, criando uma leve brisa que dançava entre seus dedos.

    Ela olhou para seu irmão, esperando que ele reagisse, temendo que sua habilidade fosse comparada as aberrações. Mas, em vez disso, ele sorriu, fascinado pela delicadeza daquele poder.

    — É quente… — disse Léo, com a voz baixa.

    — Quente? — ela perguntou, os olhos começando a se encher de lágrimas.

    — Sim, é quente. E aconchegante!

    As lágrimas escorreram silenciosamente pelo rosto de Loi ao perceber que, apesar de tudo, seu irmão havia gostado de sua habilidade. A aceitação que ela tanto temia não vir, agora estava ali, na simplicidade de seu sorriso. Sem palavras, ela se lançou em seus braços, abraçando-o com força.

    Apoie-me

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 0% (0 votos)

    Nota