Capítulo 319 - Técnica inata proibida
A verdadeira luta, enfim, começou.
Não mais um confronto entre entidades mas entre calamidades. Duas forças titânicas colidiam, sacudindo o próprio tecido do plano onde se encontravam.
A cada golpe, Elizabeth empurrava o demônio para trás.
Para longe.
Para o abismo do qual nunca deveria ter saído.
Seus punhos, banhados em luz e ódio, quebravam os limites do corpo inimigo.
Era a primeira liberação. De sua técnica inata.
Uma das Três.
Ocultas — proibidas até mesmo entre os exorcistas de mais alto grau, pois não eram bênçãos… mas maldições herdadas e seladas.
E sua manifestação…
Gerava um caos irremediável.
Surdus et Mutus Fatorum Textor.
Não exigia gestos. Nem encantamentos. Não era ativada — era emanada.
Apenas por atingir o ápice de sua aura.
O mundo ao redor cedia.
O ar ficava mais denso, como se fosse costurado por linhas invisíveis.
As cores perdiam saturação.
O som… desaparecia.
E mesmo que ele regenerasse com velocidade insana, seu corpo já não conseguia mais suportar a pressão de cada ato.
Era arremessado.
E arremessado outra vez.
Até que, com um soco no centro do rosto, foi lançado por dezenas de metros, como um projétil de carne inútil.
Sua cabeça explodiu como uma fruta podre sob uma marreta.
— E-es… se…
Murmurou a criatura, deformando-se em tentáculos de carne, até recompor o crânio por inteiro.
Mas antes que pudesse terminar o suspiro — outro golpe. Seus pés mal haviam tocado o chão.
Mas ela já estava lá.
— Gr… poder…
E então foi partido ao meio.
Verticalmente.
Do topo do crânio ao ventre.
Com um só golpe.
O olhar dela era impiedoso. Frio. Implacável.
E o da fera, pela primeira vez… carregava medo.
Tanto que foi forçado a manifestar sua Bênção do Abismo de forma física —
pois, conceitualmente, ela não surtia efeito algum sobre sua adversária.
— Sarcophagus Solitudinis!
Do chão até o teto, um domo negro se ergueu ao redor deles.
Fechado como um selo.
Espinhos se formaram, centenas, milhares — cada um como um prego.
O som era de aço rasgando ossos e carne.
— Hã…?
Seu corpo foi inteiramente perfurado.
As lanças negras a atravessaram como se fosse uma esponja.
Cada ferida jorrava sangue espesso.
Sua pele se abriu em dezenas de fendas grotescas, do tamanho de bolas de gude — bocas sem dentes, cuspindo sua dor.
Mas não morreu.
Não gritou.
Não caiu.
Permanecia de pé.
Vacilante, mas ereta.
Como um cadáver teimosa demais para aceitar o próprio fim.
Parecia uma zumbi.
— Você… acha mesmo que vai me matar com isso?
O sussurro cortou o ar como um trovão invertido.
E então — luz.
Uma explosão.
E tudo o que havia no domo foi consumido.
Luz contra trevas.
E, no fim… nada restou além de sombras tremeluzentes e o som pegajoso de carne se refazendo.
O ser cambaleou.
Sentindo cada camada de sua existência se regenerar como uma serpente costurada por agulhas de fogo.
Mas não poderia desistir.
Não agora.
O sangue escorria. A dor insistia.
Mas o olhar dela…
permanecia inquebrantável.
— Tabulae Nigrae! — bradou ele.
E outra sentença foi lançada.
No chão, sob seus pés, um quadrado negro de trezentos metros se formou.
O breu absoluto tomou a forma de uma cela.
E então… tudo desabou.
O chão caiu. A realidade cedeu.
Como um cenário de teatro sendo desmontado às pressas.
E ela?
Saltou para trás.
Com a frieza de quem já esperava esse fim.
De ser eternamente lançada às profundezas de algo sem fim.
Se concentre… se concentre!
Pensava o demônio, os músculos tensos, o olhar dilatado.
Apesar da aparente desvantagem, sabia que estava sendo ultrapassado apenas fisicamente.
Sua essência ainda carregava poder.
A mente dele, mesmo distorcida, ainda tramava.
— Camera Nigra, sile! Pare illi, aut puniere!
E então, como um cântico de escuridão rasgando a realidade.
O chão tremeu. E o céu — aquele falso acima — apodreceu como papel molhado.
Ao redor deles, um círculo.
Duas vezes maior que a área anterior.
Do centro, a liberação da entidade atingia o ápice, como se o próprio plano estivesse sendo empurrado contra as bordas do caos.
Tudo o que era matéria sem razão… desfez-se.
Poeira. Cinza.
Pedras, raízes, construções, até insetos — tudo corrompido, dissolvido em silêncio.
Restaram apenas três: ele, ela… e o quase morto Gabriel.
— Agora você morre, sua vadia!
Mordeu os lábios, até sangrar.
E então…
Milhões.
Milhões de cópias dele surgiram ao redor.
Distâncias anuladas. Possibilidades torcidas.
Cada passo errado agora era uma sentença de morte.
O espaço havia se tornado um jogo.
E ela, a presa.
— Quem vive na solidão, saberia diferenciar, um reflexo de alguém real!
Mas… o jogo não iria durar mais.
— Chega disso!
E então, cruzou os dedos.
A voz, baixa.
Sem pressa.
Como quem decide apagar um inseto com o mesmo gesto com que apaga uma vela.
— Expande energiam: Surdus et Mutus Fatorum Textor.
E o mundo… parou.
O tempo hesitou. A aura se expandiu em círculos concêntricos, costurando o destino com fios que não podiam mais ser cortados.
As cópias estremeceram.
Os passos congelaram.
E uma a uma, como folhas secas,
foram apagadas da existência.
Não destruídas.
Não mortas.
A técnica… desfeita.
Como se aquelas cópias jamais tivessem estado ali. Como se tivessem habitando uma realidade que… simplesmente não aconteceu.
E naquele instante, só havia um fato válido no mundo.
Elizabeth venceria.
Confirmado, então, quando o chão estalou como se ossos antigos se quebrassem sob o próprio peso da profecia.
E do centro da escuridão — surgiu.
O Tecelão do Destino.
Como um cadáver rebelde a morte, foi se erguendo do solo sem pressa.
Os membros se dobravam como algo que não havia sido feito para caminhar novamente.
A terra em volta afundava, como se o mundo inteiro se curvasse diante daquela coisa.
Seu corpo era imenso, do tamanho de um prédio. Pele branca, pálida como mármore morto mas quente.
Quente demais.
Não era calor físico.
Era como se cada célula pulsasse uma vontade maior, algo transcendente.
Das costas, espinhos. Centenas, longos, Como agulhas de um tear profano, prontos para costurar a própria realidade.
O corpo, nu e musculoso.
Sem cabelos.
Sem ouvidos.
Sem nariz.
Apenas uma venda sobre os olhos — e uma boca, imensa, que se alargava de orelha a orelha, recheada de dentes afiados, todos iguais, todos sorrindo.
As mãos, monstruosas, com unhas negras, curvas como garras de ferro, cerravam-se devagar, como se testasse novamente o peso do mundo.
— Manifestare!
E os pés… Afundavam no chão.
Enterrado da cintura para baixo, como se o próprio solo o rejeitasse em o sustentar, ou como se ele fosse parte dele.
Uma raiz maldita.
Um fruto do fim.
Não havia mais vento, som ou luz.
Não havia barreiras em seu domínio.
O tempo, para todos os demais… simplesmente cessou.
— Eu não queria…
…mas você me forçou.
Cada sílaba carregava o peso de uma escolha irreversível, como se cada palavra fosse uma linha cortada na tapeçaria do destino.
— O quê é essa coisa…?
O demônio original — aquele que antes parecia tão certo, tão brutal, tão invencível — recuou.
Seu olhar não era mais arrogante.
Era trêmulo.
Assustado.
E o frio… veio.
Um calafrio que não vinha da pele — mas da alma. Uma sensação que rasgava as entranhas de quem ousasse tentar entender.
— Esse é o tecelão…
A voz dela soou baixa. Quase maternal.
— Ah… esse ser está aprisionado em mim desde que eu era apenas um bebê.
Ela desviou os olhos.
— Selaram meu destino como uma exorcista. Foi o preço. O pacto.
Pousou a mão sobre o próprio peito, onde algo pulsava.
Não um coração, mas uma prisão.
— É uma técnica proibida… uma das mais antigas. Uma que não só interfere com o mundo, mas o reescreve.
Enquanto falava, o ser… o Tecelão… abriu os braços.
E nesse simples gesto, todo o campo ao redor gemeu.
E então… em cada uma de suas mãos, ele segurava um conceito.
Não armas.
Não símbolos.
Conceitos.
Como se fossem frutas banais.
Maçãs, nas mãos de um qualquer.
Na esquerda, o Determinismo — o fio rígido e inquebrável daquilo que já foi decidido, de todas as coisas que aconteceriam, inevitáveis.
Na direita, o Caminho Potencial — instável, mutável, fluido como mercúrio, carregado de escolhas não feitas, vidas não vividas, e destinos não selados.
— Como pode ver… — com serenidade — em suas mãos, ele tem…
Fez uma pausa.
— …o destino!
E então, sorriu — com uma certa suavidade incomum, como quem compreende o próprio lugar na vastidão da existência.
Estava sendo alimentada pela natureza que a sustentara até ali, como se o mundo, por um instante, se curvassem para protegê-la.
Suas feridas… começaram a se desfazer. Mas apenas aquelas deste combate.
As outras — mais antigas, mais profundas — permaneceram.
Porque algumas dores… não são feitas para curar. E até o destino saberia disso.
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