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    — Conversar comigo? — Mael soltou uma risada rouca, quase debochada, o canto da boca se curvando num sorriso torto — Asmael… você conseguiu irritar ele, foi?

    — É… — suspirou, o peso nas costas parecia dobrar a cada sílaba — Eu reagi mal com ele sacrificando aqueles servos dele… sabe… aqueles demônios fiéis que ele mesmo selou há ciclos e agora… puff. Desfeitos.

    Até o lobo demoníaco ergueu uma sobrancelha, descrente.

    — Ele fez isso mesmo?

    — Fez… — a resposta veio baixa, como se não quisesse que o teto ouvisse.

    — Que idiota… — A mão indo direto à própria face num tapa preguiçoso, abafando uma gargalhada — …É esse idiota que chamam de nosso imperador?

    — Cuidado com a língua! — O advertiu, num sussurro rouco, lançando um olhar para as paredes frias e manchadas de sombras — As paredes… têm ouvidos.

    — E daí? — Provocou, aproximando-se tanto que o hálito quente roçou a orelha do irmão — Você se importa demais com fofocas…

    — Não é só isso… — Se afastou um palmo, os olhos varrendo o quarto como se esperasse que as paredes se mexessem.

    — Que demônio seria louco de nos entregar? — Zombou, como sempre a língua afiada como uma lâmina — E se fizer… seria a palavra de um Rei contra um mero nada. Um vermezinho!

    O rangido suave da porta interrompeu a tensão. Foi nesse instante que Astael entrou, arrastando correntes imaginárias, passos quase inaudíveis. O rosto, outrora orgulhoso, era agora um véu de vazio — olhos fundos, ombros caídos. Um fantoche sem cordas.

    Um nada sem dono.

    — Falando no nada… — Mael bufou, os dedos tamborilando o encosto da cadeira.

    Que ficava próxima à porta. O ar ali parecia mais denso, impregnado de um cheiro acre de madeira úmida e carne em decomposição. Os cômodos, uma vez comuns, agora estavam retorcidos, engolidos por raízes negras que brotavam do chão rachado e subiam pelas paredes como serpentes famintas.

    Dava para ouvir, bem de fundo, como um lamento que nunca cessava, os gritos das almas — um dia irmãs, agora correntes vivas misturadas àquelas raízes.

    As vozes sussurravam blasfêmias, disputavam espaço, imploravam por um fim que nunca chegava.

    E ali, na soleira, o rei demônio se ergueu. Seu passo fez o assoalho rangir como ossos se partindo. Quando ele pisou firme, um estalo percorreu as raízes, como se uma ordem muda tivesse sido dada.

    — Nojo…

    — É… — Astael deixou o corpo tombar sobre a beirada da cama, onde Leviel um dos permaneceu deitado — Eu… perdi minha dádiva do Abismo…

    — O quê? — O grito de Asmael cortou o ar, olhos arregalados, veias saltando nas têmporas — Como?!

    — Agora sim… — a ganância se divertia, um brilho de cão raivoso nos dentes expostos — Isso sim é uma merda foda… Mas fala… como?

    O líder do principado soltou um riso seco, sem força.

    — Uma exorcista… celeste. Ela… findou minha dádiva — Ele virou o rosto para o teto, a voz parecia vir de dentro de um poço — Será que Luciel vai terminar de me quebrar depois disso?

    — Quem se importa com Luciel? Fuja! Agora!

    — Que Mael?! — Mordendo o lábio inferior até sentir o gosto de ferrugem — Como assim vai mandar ele fugir?! Ele vai caçar o Astael de qualquer forma! Se não achar, vai mandar a gente eliminar ele!

    — E daí? — Cuspiu as palavras, o rosto contorcido num sorriso feral — O que prende ele agora, hein? Caceta… Ele perdeu o elo com Alum, que correntes restam? Ele é livre! Livre, ouviu? Ou vai morrer como um cachorro por um trono que já não é seu?

    Um silêncio pesado caiu sobre o quarto, tão denso que parecia que as paredes pulsavam, famintas por devorar cada sussurro conspiratório. O ar se tornou espesso, quase sólido, como se até a respiração precisasse ser engolida em seco.

    — Não posso… — Enfim murmurou Astael, a voz rachada por uma coragem incerta.

    — Quê!?

    — Se eu fugir… — Seus olhos se ergueram, um brilho quase morto, mas teimoso — Estaria fazendo o que fiz antes. Virando as costas. Isso é ser livre? Liberdade deveria ser a capacidade de enfrentar a adversidade… de não repetir o medo…

    — E quem se importa com como filosoficamente você vê isso?! — Sua aura se expandiu, um mar de trevas vivas que ondulava pelas paredes retorcidas — Leviel se fodeu por acreditar nisso! Olha pra ele agora! Você acha mesmo que o destino é ficar dando a cara a tapa pra se sentir digno?! Do que adianta morrer limpo se a morte só revela que somos, em maioria, fracos?!

    Asmael apertou os punhos, a raiva ressoava dentro dele também, mas era contida por outra força — uma chama de compreensão.

    — Você precisa encontrar significado, senhor Rei… — Astael disse, tão baixo que o quarto teve de se inclinar para ouvir — Acho que é sobre isso que Leviel entendeu. Ele precisava de um, e foi atrás. Melhor do que se arrastar vazio…

    — Mentira! — Um rosnado se formando em sua garganta. As sombras se ergueram, vivas, furiosas, moldando-se numa rajada de trevas que se condensou em sua mão.

    Ele ergueu o braço, pronto para engolir Astael em escuridão.

    Mas a mão de Asmael surgiu, firme, esmagando o punho de Mael para baixo. O clarão negro dissipou-se num estalo.

    — Há verdade na fala dele, irmão… — Sussurrou, os olhos cravados nos de Mael como facas cravadas em pedra — E talvez seja essa a merda que mais nos assusta.

    Respirou fundo, a raiva transformando-se em fumaça que queimava a garganta, deixando um gosto amargo de metal e vergonha.

    — Droga… — rosnou, o corpo tremendo como se contivesse algo maior do que ele mesmo — Demonstrei fraqueza de novo… de novo!

    — Não se culpe por odiar fatos. Preocupação, zelo… até reis sentem isso! Irmão.

    — Não, não falo disso! — Rebateu, a voz um estalo seco, enquanto se dobrava, colocando os braços sobre as pernas, a testa quase encostando nos joelhos — Falo da fraqueza de não entender os outros! De não entender que a minha verdade não é a de todos!

    Deixou escapar um riso sufocado, meio rouco, meio insano, enquanto limpava o suor frio da nuca. O gosto de fel ainda queimava na garganta. Foi quando

    — Quem diria que até o lobo que lambia ouro se importava com isso… — Mesmo na merda, ainda precisava da última farpa.

    Mas em vez de responder com uma rajada de trevas, soltou uma risada seca, os ombros subindo num espasmo cansado.

    — Até os lobos… Amam, rapaz… até os lobos de terno!

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