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    Sabia que errava, mesmo quando o erro se restringia ao pensamento mais íntimo. Aquele lado apodrecido, sombrio e oculto dentro de si não lhe era estranho, embora jamais aceitasse sua existência. 

    Negava-o com uma rigidez que quase doía, enquanto, em segredo, continuava a alimentá-lo, como quem finge não ver a própria sombra. Contudo, ali, agachado, sem força para resistir, tudo o que por tanto tempo ocultou — rancores, dúvidas, culpas e medos — rompeu-se de uma vez na mente, invadindo cada canto escuro de sua consciência.

    Chorava como nunca, murmurando desculpas a todos — especialmente a Izumi e Idalme.

     Vai. Quebre-se. Quebre totalmente e torne-se o que sempre almejou!

    Com um sorriso diabólico no rosto, a cópia caminhava em torno de Max, silencioso em seus pensamentos. O cenário mudou mais uma vez e diante deles surgiu um quintal vasto, onde conjuntos de flores amarelas se estendiam sob a luz morna do entardecer. 

    Porém, eles não estavam ali, apenas observavam de longe, como sombras distantes. À distância, alguém via uma criança de riso aberto, cheia de vida e inocência, correndo alegremente ao lado de uma mulher esbelta.

    — Olhe Max.

    Ele ergueu o rosto sem perceber e fitou o jardim. As lembranças vieram como brisa leve, conduzindo-o há dias felizes, quando sua maior preocupação era não molhar a cama.

    — Consegue perceber a podridão? Aqui nasceu sua inveja.

    — Qual o problema de invejar… — murmurou, quase se entregando.

    — Não tem problema invejar uma família feliz. Mas você, Max, que tinha tudo, queria roubar o que não tinha. Até a mãe do seu irmão queria possuir. Você é egoísta, podre desde pequeno.

    — Cala a boca… eu… só queria… uma mãe…

    — E pra isso tiraria a felicidade de outra criança? Além da inveja, é ganancioso demais. Mesmo tendo tudo que uma criança sonha, queria mais. Sim, ganância.

    — …

    — Inveja, ganância… mas não para aí. Você e sua família têm algo em comum. Consegue me dizer qual é o outro pecado, Max?

    Max, ainda em aparente recuperação, deixou-se levar pela dúvida: a que pecado sua outra parte se referia? Mas estava tão abatido que a própria mente se voltou contra si.

    — Não consegue dizer? Sua inteligência despencou, e vocês ainda se acham os fodões de tudo.

    — Luxúria…

    — Exato, luxúria! Mas sabe, Max, não é disso que eu realmente quero.

    — Hum?

    A cópia surgiu diante dele, segurou suas bochechas e falou:

    — Desejo o seu orgulho!

    — Quê? — Max perguntou, surpreso.

    Ele se afastou um pouco, com um sorriso frio:

    — Mesmo sendo do clã mais orgulhoso, você, Max, tem um orgulho fraco demais!

    — Do que está falando?

    O cenário mudou outra vez, agora para um espaço fechado, onde muitas pessoas se encontravam reunidas.

    — Lembra deste lugar? — perguntou a cópia.

    — O auditório. E daí?

    — Não lembra? Foi aqui que descobriu que vocês eram irmãos.

    Max, se recuperando aos poucos, perguntou:

    — Diga logo.

    — Não se apresse. A resposta é simples: você se perguntou, não foi? Se são irmãos, por que sou tão mais fraco?

    — …

    — E o meu poder demoníaco? Eu não sou mestiço? Sou um fracasso? Izumi é mesmo meu irmão?

    — Tantas perguntas… não me diga que já tem as respostas.

    — Tenho.

    Max surpreendeu-se com a resposta inesperada. Aquela cópia, que até então o lançava em profundezas de verdades cruéis para fragilizá-lo, agora mostrava-se disposta a dissipar suas dúvidas — gesto que parecia tão estranho quanto uma mentira disfarçada. 

    Lentamente, o corpo começou a sofrer uma transformação. A aparência continuava a mesma, porém o tom da pele mudava gradualmente.

    — Não me diga…

    — Sim. Eu sou a resposta!

    Ainda surpreso, Max esboçou um sorriso verdadeiro, raro e sincero. A dor e a aflição que o consumiram momentos antes pareciam agora distantes, quase esquecidas diante daquela revelação que, enfim, dava resposta às suas inquietações mais profundas. Era aquilo que ele mais desejava: fortalecer-se — até superar o próprio irmão.

    — Um demônio! — declarou Max.

    A pele escureceu lentamente, adquirindo a tonalidade exata do irmão, como se uma sombra se espalhasse por todo o corpo. Os dentes, antes comuns, transformaram-se em lâminas serrilhadas, afiadas e ameaçadoras. 

    O cabelo mudou, tingindo-se numa estranha mistura de preto e branco, entrelaçando as cores como uma tempestade prestes a explodir. Ao erguer o rosto para sorrir, a cópia exibiu um sorriso inquietante.

    — Agora me responda, Max. Essa podridão dentro de você… aceita esse fardo?

    Ele sorriu, firme:

    — Não me importo mais. Não me arrependo do que fiz. Enquanto tiver força, nada mais importa. Não ligo para o que os outros pensam. Essa podridão, aceitarei se for preciso para ser forte.

    — E o orgulho?

    Naquele instante, imagens do irmão, sempre admirado em cada momento da vida, cruzavam a mente dele. Fechou os olhos e a admiração se fez mais viva. Ao reabri-los, mostrou-se convicto, enquanto pensava:

    Adeus, admiração… Adeus, eu.

    — Eu sou o melhor!

    — Hahahahaha! Melhor que o seu irmão? Melhor que o Izumi? Me diga, Max!

    — Sim! Não importa quem seja, não importa se são os mais fortes do mundo, não importa se são mais fortes que eu! Serei sempre o melhor!

    O demônio, que até então sorria largo, parou de repente, ergueu a mão em direção a Max e perguntou:

    — Aceitas, esse seu lado?

    Max caminhou em sua direção, enquanto os fragmentos que antes despedaçavam sua mente começavam a se alinhar. As dúvidas que o afligiam dissolviam ao encarar aquele reflexo, aquela outra face de si.

    Serei melhor de mim mesmo!

    A mente dele parecia concentrada naquele instante, enquanto a cópia o fitava, sorrindo, pronta para aceitar a nova forma do original.

    Ele segurou firme a mão do demônio e declarou:

    — Eu aceito!

    — Hahahahahaha! Então o pacto está feito!!!

    O corpo do demônio dissolveu-se, fundindo-se pela mão de Max. Uma energia imensa percorreu-lhe o corpo, algo jamais experimentado. O sorriso alargou-se, tomado por êxtase puro. A aura negra explodiu para fora, vibrando com intensidade até penetrar por completo em seu ser.

    Quando a energia negativa consumiu-se por inteiro, sorriu de canto e soltou uma gargalhada, preparando-se para lançar sua nova frase de efeito:

    — Eu sou melhor!

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