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    Mais de sessenta dias atrás.

    Alguém entrou no consultório do maior psiquiatra de toda Aija.

    O lugar era amplo, silencioso, marcado pelo cheiro de livros velhos e um leve aroma de chá.

    Na placa da porta lia-se apenas: Dr. Kenji Morikawa — Psiquiatria.

    O paciente se sentou diante dele.

    — Boa tarde… doutor.

    — Boa tarde. Fique à vontade — Morikawa ajeitou os óculos, pegando uma caneta — Veio por decisão própria ou por recomendação?

    — Recomendação… mas também… acho que precisava — O paciente olhou para o chão, os dedos inquietos — Não tenho dormido bem.

    — Insônia? Ansiedade?

    — As duas coisas — sorriu de lado, sem graça — Minha cabeça não para… fico pensando demais.

    — Pensando em quê?

    — Em tudo. No trabalho, no futuro… na vida.

    Anotou calmamente.

    — E quando sua mente se agita, o que costuma aparecer nesses pensamentos?

    O tom era cordial, quase acolhedor.

    Tanto que o paciente fez uma pausa, olhando para as mãos.

    — Situações… estranhas. Eu imagino cenários.

    — Pode me dar um exemplo?

    — Se eu estivesse numa guerra, por exemplo… eu imagino como faria para sobreviver — levantou os olhos, agora mais intensos — Imagino como mataria.

    O silêncio entre os dois pareceu crescer.

    — Mataria quem?

    — Qualquer um que estivesse do outro lado — Sem hesitar, quase com prazer em pronunciar as palavras — Vejo os rostos. Sinto o som. Imagino minhas espirais atravessando, gargantas cortadas, ossos quebrando… Vejo o sangue quente escorrendo nas minhas mãos, e penso em como isso… me traria paz.

    Riu baixo, como se fosse apenas mais uma confissão comum.

    O psiquiatra, no entanto, manteve-se imóvel, apenas fitando-o.

    — Certo…

    — Calma.

    Inclinou-se para frente, o olhar agora tomado por um brilho febril.

    — Não é só imaginar, doutor — Um sussurro cúmplice — É sentir… como se minhas mãos tivessem poder suficiente para fazer qualquer coisa.

    Morikawa manteve o silêncio, a caneta imóvel sobre o papel.

    — Cortar… — Levantando a própria mão como se a contemplasse — Não com uma faca, mas com algo que parte carne e osso como papel. Eu veria corpos sendo abertos em segundos, tripas caindo no chão… as gargantas se desfazendo num só gesto. É… lindo! Nao?

    Respirou fundo, fechando os olhos, quase saboreando a cena.

    — Esmagar… como se meus dedos fossem prensas. Cabeças sendo partidas como abóboras, ossos se tornando poeira, olhos explodindo para fora — abriu um sorriso doentio — Imagino o som, doutor, aquele estalo seco… crack. É lindo! Nao?

    Morikawa recostou-se lentamente na poltrona, mas seus olhos não desviaram.

    — É…

    — E não para por aí… — a voz ficou mais grave — Posso atravessar. Enfiar minha mão direto no peito, sentir as costelas se partindo enquanto arranco o coração ainda batendo. Posso mutilar, reduzir pessoas a pedaços antes mesmo que percebam o que aconteceu. Vejo braços caindo, pernas se contorcendo… bocas gritando sem ar.

    Riu, curto, sem alegria, apenas medo.

    — E…

    — Doutor… quando penso nisso, sinto que não há nada mais humano do que destruir. Talvez seja esse o meu dom. Não lutar pela vida… mas arrancá-la dos outros.

    O consultório, antes sereno, parecia agora impregnado por uma sombra sufocante.

    — A consulta terminou… — disse o psiquiatra, a voz falhando por um instante.

    O som de um gotejar ecoou: pingos desciam das calças do homem, denunciando o medo que o dominava.

    Nenhum ser humano comum seria capaz de encarar o diabo encarnado em pele.

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