A partir desse capítulo vou reduzir a postagem de capítulos para três por semana, sendo postados segunda, quarta e sexta as quatro da manhã. Com isso vou poder tentar melhor a qualidade dos capítulos, além de que tenho que fazer certas pesquisas sobre como certas máquinas funcionam e isso leva tempo.
Capítulo 50 - Ministra da Economia
O sol da manhã filtrou-se pela janela da casa de alvenaria de Carlos, projetando retângulos dourados sobre a mesa de madeira maciça onde ele e Aqua estavam sentados. O ar dentro de casa cheirava a tinta fresca, papel e o chá de capim cidreira que ele insistia em preparar todas as manhãs. Aqua, com sua postura sempre ereta, segurava uma pilha de papéis com mãos cuidadosas, um sorriso genuíno estampado em seu rosto enrugado.
— Chefe, os números do segundo mês de vendas chegaram — ela anunciou, sua voz carregada de uma satisfação rara. — Ao todo, a venda de roupas e tecidos para fora rendeu quatrocentos mil réis! Um aumento monumental! A nova máquina de costura fez uma diferença absurda; conseguimos produzir o triplo do mês passado.
Carlos não conseguiu conter um sorriso largo. Quatrocentos mil! Um salto de quase cento e cinquenta por cento em relação aos cento e cinquenta mil do mês anterior. Ele quase podia sentir o peso do progresso, tangível como as moedas em um cofre.
— Isso é extraordinário, Aqua! — ele exclamou, sentindo um calor de orgulho no peito.
O sorriso de Aqua, porém, esmaeceu quando ela virou a página. Seus dedos, finos e ossudos, percorreram uma coluna de números escritos com uma caligrafia meticulosa.
— Agora, os gastos — ela disse, e o tom de sua voz baixou, tornando-se mais sóbrio. — Primeiro, duzentos mil réis foram para Ganga Zala, como combinado. Cinquenta mil foram para a compra de ferro dos comerciantes. Vinte e cinco mil foram gastos em bebidas e mantimentos extras para a festa da vitória e para abastecer as novas lojas… falando nelas, quase me esqueço — ela acrescentou, virando outra folha —, algumas já começaram a dar um lucro modesto.
Carlos assentiu, seu humor se reajustando à realidade dos números. “Pelo menos ganhamos mais uma fonte de renda,” ele pensou, olhando pela janela para o movimento do mocambo. “E tive que abrir mais dois restaurantes para atender a todos. Ainda bem que a Tassi, com a magia da terra, consegue erguer as estruturas básicas com relativa facilidade… mas o acabamento, os detalhes… isso leva tempo.” Sua vista percorreu o canteiro de obras da nova prefeitura. “Duzentos trabalhadores, e ainda assim a minha casa é a única de alvenaria totalmente pronta. A prefeitura, que será o coração de tudo isso, parece consumir tempo e recursos num ritmo agonizante. Pelo menos as ruas e calçadas do centro e da zona industrial estão tomando forma. Já consigo imaginar como ficará.”
— Nos restaurantes — Aqua continuou, trazendo-o de volta à conversa —, estamos cobrando um réis por refeição. Como a esmagadora maioria dos trabalhadores come lá, e como ainda não pagamos pelos alimentos que a Tassi faz crescer, o lucro bruto, sem descontar os salários dos cozinheiros e atendentes, foi de treze mil, quatrocentos e setenta réis.
Carlos soltou um suspiro baixo.
— Não é muito, eu sei — ele disse, coçando o queixo. — Mas como cobrar mais de pessoas que ganham apenas cem réis? É um salário de subsistência, Aqua, quase de semi-escravidão. Mas é o que podemos fazer agora. Se aumentarmos o preço dos tecidos para os comerciantes externos, eles podem simplesmente buscar outro fornecedor.
Aqua pousou os papéis na mesa com um gesto suave, mas seus olhos brilhavam.
— Nesse ponto, devo discordar, chefe. Acho que é um valor considerável, sim. E com isso, finalmente entendi o que você me explicou sobre a economia girar. Esse valor é só dos restaurantes. Se somarmos as demais lojas — a sorveteria, a loja de roupas local, a de ferramentas —, o valor do comércio interno chega perto dos cinquenta mil réis! As roupas estão vendendo bem aqui dentro, e o sorvete, junto com o novo picolé, estão saindo como se fossem água no deserto!
Ouvir isso fez o rosto de Carlos se iluminar novamente.
— Isso é fantástico! Só temos que ficar atentos para ninguém sair revendendo as roupas daqui para fora — ele ponderou, seu sorriso se tornando mais pensativo. — Uma peça que custa duzentos réis aqui, nós vendemos ao Francisco por mil ou dois mil. E tenho certeza que ele as vende por muito mais na Cidade Sagrada.
Aqua ficou pensativa por um momento, seus dedos batendo levemente na mesa.
— É uma preocupação válida. Mas, para ser sincera, as roupas ainda não venderam tanto assim localmente. As pessoas estão com receio de parcelar, como você sugere. O que realmente está bombando é o sorvete. Vinte réis é caro para a maioria, sim, mas não é como se eles tivessem muitas outras opções de gasto… é o único luxo acessível.
Carlos ficou feliz com a notícia, mas logo sua expressão se tornou de confusão pura.
— Espera um minuto… — ele disse, pegando a folha de gastos. — Nós gastamos quarenta e cinco mil e novecentos réis com os salários da produção. Como o retorno do comércio interno foi de quase cinquenta mil? A matemática não está fechando.
Aqua soltou uma risadinha baixa, um som raro e agradável. Ela pegou uma folha específica de anotações.
— Eu disse quase cinquenta mil, chefe. O valor exato é de quarenta e nove mil, setecentos e oitenta e quatro réis. — Ela fez uma pausa, com um leve sorriso nos lábios. — E você está se esquecendo dos outros salários. Você pagou um valor maior para mim, para seus guardas — incluindo a Quixotina — e para a Tassi. Aliás, falando nela, foi a primeira a comprar um daqueles vestidos novos. Já a Quixotina… bem, ela gastou quase todo o seu primeiro salário com sorvete. Acho que descobriu uma paixão.
— Ah, agora faz sentido! — Carlos riu, aliviado. — Pelo visto, nosso povo não é muito de economizar, não é?
— Pelo contrário, é ótimo! Significa que o dinheiro está circulando. E vai circular ainda mais, porque neste mês teremos muito mais gente para pagar.
Carlos pegou outra folha da pilha, esta com uma lista de nomes e funções.
— É verdade. Tivemos um aumento significativo. Com a vinda dos ferreiros dos outros mocambos e a expansão da produção de pólvora, saltamos para seiscentos e oitenta e sete trabalhadores. Somando os salários básicos, mais os funcionários especiais e os guardas, nossa folha de pagamento este mês será de setenta e nove mil e cem réis.
Ele olhou para a confusão de papéis e números, e uma frustração surda ecoou em sua mente. “Aqua se esforça muito, mas a organização ainda é um caos. Preciso ensiná-la a sistematizar isso. Ela precisa de uma equipe, urgentemente.”
— Sabe de uma coisa, Aqua? — ele disse, sua voz tomando um tom mais formal e respeitoso. — Acho que está na hora de oficializar sua posição. A partir de hoje, você é a minha Ministra da Economia. Você já está fazendo um trabalho essencial, e precisa de mais ajuda. Contrate mais pessoas. Deve haver alguém, mesmo que apenas um ou dois, que saiba ler e escrever neste mocambo. — Ele pegou uma pena, mergulhou-a no tinteiro e puxou uma folha em branco. — E, já que estamos nisso, deixe-me mostrar uma forma de organizar essas informações para ficar mais claro.
Ele começou a desenhar linhas, criando colunas e linhas.
— Veja só. Podemos fazer uma tabela, assim:
| Lucro Bruto |
|——————————————|———————-|
| Exportação de produtos | 400.000 réis |
| Comércio interno do quilombo | 49.784 réis |
| Lucro bruto total | 449.784 réis |
| Gastos |
|———————————-|——————–|
| Imposto Ganga Zala | 200.000 réis |
| Importação de produtos | 75.000 réis |
| Salários | 79.100 réis |
| Total de gastos | 354.100 réis |
| Lucro líquido (Lucro bruto menos gastos) | **95.684 réis** |
— E dentro de cada um desses itens principais — ele explicou, apontando com a pena —, você pode fazer uma tabela menor. Por exemplo, em ‘Importação de produtos’, liste o que compramos: ferro, cachaça, papel, e o valor gasto em cada.
Aqua observava, fascinada. Seus olhos, normalmente cansados, estavam vivos, seguindo cada movimento da pena com a atenção de um estudante aplicado. A ideia de trazer ordem ao caos parecia revigorá-la.
— Entendo, chefe… Agora serei uma ministra Ministra — ela disse, experimentando o novo título. — Acho que sim, vou precisar de alguns ajudantes para conseguir fechar tudo isso todo mês.
Carlos estudou os números na tabela que havia criado. Noventa e cinco mil e seiscentos e oitenta e quatro réis. Um lucro sólido.
— Sem problemas, Ministra. É exatamente por isso que você precisa de uma equipe. E vendo que temos uma sobra, quero acelerar nossos projetos. Preciso de mais duzentos pedreiros. Temos que construir casas e fábricas com mais urgência. E também vamos expandir a fábrica têxtil… — Ele fez uma pausa, um pouco de preocupação voltando ao rosto. — Tomara que os lucros continuem assim. Pelo menos só pagamos os salários no fim do mês, quando o dinheiro das vendas entra de novo.
Aqua soltou um suspiro, um som de sabedoria prática.
— Não conte com os ovos antes da galinha botar, chefe.
“Ela tem razão,” Carlos pensou, “mas a pressa é nossa inimiga e nossa aliada. Precisamos crescer rápido, antes do próximo ataque.”
— Lembre-se de uma coisa, Aqua — ele disse, decidido. — Quase todo o salário que pagamos voltou para nós em forma de comércio. E falando nisso, cem réis é muito pouco. Vamos dobrar os salários este mês. Temos dinheiro para isso.
Aqua abriu a boca para protestar, mas Carlos ergueu a mão, suavemente.
— Eu vi os rostos dos agricultores após o meu discurso. Havia inveja, Aqua. Amargura. A última coisa que precisamos é de um conflito interno. Dobrando os salários e, ao mesmo tempo, criando um mercado onde todos os alimentos serão cobrados — inclusive dos restaurantes, do exército, das festas —, nós resolvemos dois problemas. Os agricultores serão pagos pela sua produção, o que lhes dará uma renda sem precisarmos lhes dar um salário fixo. E o dinheiro que ganharem, vão gastar aqui dentro, girando a economia. Eles não se sentirão mais injustiçados.
Aqua ouviu em silêncio, processando a lógica. Ela ainda parecia cética, mas menos resistente.
— E por que o aumento tão grande? — ela questionou. — Dobrar de uma vez?
Carlo pegou outra folha e começou a rabiscar números.
— É simples. Um funcionário ganha cem réis. Se gastar trinta no restaurante, já é trinta por cento do salário. Se passarmos a cobrar por toda a comida que consomem, isso pode facilmente consumir mais da metade do que ganham. Imagine a revolta! Um forasteiro chega, vira chefe, e de repente a comida, que era algo garantido, vira uma preocupação diária. Se perdem o emprego, passam fome. É uma receita para o desastre. Quero que ninguém aqui tenha que escolher entre comer e vestir. Vamos comprar a comida dos agricultores pelo mesmo preço que a vendemos. Não teremos lucro com a venda de alimentos — talvez até um pequeno prejuízo, contando os salários dos funcionários do mercado. É um investimento na estabilidade.
Aqua soltou um suspiro profundo, mas finalmente concordou com um aceno de cabeça.
— Está bem. Quando você coloca dessa forma… faz sentido.
— E já que estamos nisso — Carlos continuou, seu entusiasmo crescendo —, vamos dar um bônus. Qualquer funcionário que souber ler e escrever e usar essa habilidade no trabalho ganhará duzentos réis a mais. Quem fizer contas básicas, como os caixas, ganhará cem a mais. E seus futuros assistentes, que farão ambos, ganharão um total de quatrocentos réis!
Aqua ponderou. A ideia era ousada, mas estratégica. Incentivaria a educação e atrairia talentos de outros mocambos. No entanto, uma preocupação prática a assaltou.
— E os que não podem trabalhar? Os idosos, as crianças? Não temos muitos velhos aqui, mas…
A pergunta pegou Carlos de surpresa por um segundo, mas a resposta veio rapidamente.
— As crianças comerão de graça nos restaurantes. Sem discussão. E os idosos, ou qualquer um com uma deficiência que o impeça de trabalhar, receberão uma pensão. Uma aposentadoria, um auxílio para viver. Ninguém, repito, ninguém vai passar fome sob a minha gestão, Aqua.
Ele rabiscou os novos números. A folha de pagamentos, mesmo com os salários dobrados e os bônus, ainda os manteria no azul.
Vendo que ela não tinha mais objeções, Carlos prosseguiu, sua visão se expandindo.
— Isso me leva ao próximo projeto. Vamos inaugurar uma escola. Uma escola fundamental para ensinar o básico: ler, escrever, noções de higiene e biologia. E teremos aulas noturnas para os adultos. Muitos vão querer, afinal, agora saber ler vale dinheiro! Com isso, criarei o Ministério da Educação, e a Quixotina será a ministra. Mas logo precisaremos de mais professores, ela não pode fazer isso sozinha.
— Além disso — ele disse, sua voz ficando animada —, quero tentar produzir aço aqui.
— Aço? — Aqua repetiu, surpresa.
— Sim! Se conseguirmos, nossas máquinas serão de uma qualidade muito superior. Poderemos fabricar canhões para nossa defesa! E, quem sabe, até exportar aço. Seria uma commodity valiosíssima!
Aqua começou a juntar seus papéis, abanando a cabeça com uma expressão de resignação humorada.
— Estou prevendo… muito mais gastos. E muito, muito mais trabalho para o novo Ministério da Economia.
Carlos riu, um som genuíno e esperançoso.
— Não posso discordar! Mas acrescento: estou prevendo muito, muito mais lucro também!
Aqua saiu carregando sua pilha de papéis, agora com uma missão e um título novos. Carlos ficou sozinho na sala silenciosa, o cheiro de tinta e papel velho enchendo suas narinas. Sem perder tempo, ele puxou para si os papéis de qualidade inferior, ásperos e de cor bege, que haviam sido importados. Pegou uma pena, mergulhou-a no tinteiro e começou a escrever, suas ideias fluindo mais rápido do que sua mão conseguia anotar.
“Uma escola significa livros. Precisamos de uma prensa, algo como a de Gutenberg. Temos a maior parte dos materiais aqui… madeira, ferro… mas vou precisar importar metal antimônio, óleo de linhaça e verniz para a tinta. O Francisco pode conseguir isso. Enquanto isso, posso colocar a Nia e o Vicente para trabalhar no projeto da prensa. Uma deve bastar para começar.”
“E o papel… precisamos fazer nosso próprio papel. O ideal seria com celulose de pinheiro ou eucalipto, mas não temos isso aqui… As araucárias, do sul, são a opção mais próxima. Seria perfeito fabricarmos nosso próprio papel, em vez de depender de importações caras.”
A ideia o animou, mas uma dúvida o atingiu. “Araucárias não crescem no clima daqui. Mas… com a magia da Tassi… quem sabe? E se pudéssemos fazê-las crescer? E enquanto estamos nisso, que tal trigo? Estou cansado de comer bolo de fubá no café da manhã. Com trigo, teríamos pão, massas, pastéis…” Um sorriso largo se abriu em seu rosto. “Isso… é uma ideia brilhante! Tenho que falar com ela ainda hoje! Mas primeiro, tenho que terminar os esquemas da prensa.”
Ele se debruçou sobre os livros, copiando diagramas complexos para os artesãos. Quando terminou, partiu para seu próximo grande desafio: a produção de aço. Ele anotava freneticamente.
“O Processo Bessemer… preciso de ferro-gusa e spiegeleisen.”
“Primeiro, o ferro-gusa: minério de ferro, coque e calcário num alto-forno… Felizmente, não preciso me preocupar em produzir coque para atingir temperaturas altas o suficiente. A gema do fogo resolve isso. Posso substituir o coque por carvão em pó só para adicionar o carbono ao ferro.”
“Depois, a spiegeleisen: uma liga de ferro, manganês e carbono. Preciso de minério de manganês…”
— Eita nomezinho difícil — ele murmurou para si mesmo. — Deve ser alemão. O importante é que preciso dessa liga.
“O ferro-gusa vai para um conversor Bessemer…”
— Graças a Deus tenho os diagramas — ele sussurrou, estudando um desenho complexo. — Pena que a coisa é gigantesca e é feita de aço… a parte mais cara. O interior é revestido de argila refratária.
“Para fazer o aço, é (relativamente) simples: derramo o ferro-gusa no conversor, injeto ar (a gema do vento pode servir!), adiciono a spiegeleisen para remover impurezas e controlar o carbono… e pronto! Aço de qualidade.”
A visão de canhões robustos e novas máquinas de tear feitas de aço dançou em sua mente.
— Pena que o forno é enorme e pesado — ele resmungou, esfregando os olhos. — E para fazê-lo girar… vou precisar de uma máquina a vapor. Vou ter que estudar isso também. Vai ser uma noite longa.
Carlos mergulhou nos livros, escrevendo e desenhando até que a luz do dia deu lugar ao crepúsculo e então à escuridão. Ele acendeu velas, cera derretendo e pingando nos castiçais, seu único companheiro na vigília. Só parou quando a exaustão o venceu, e ele adormeceu ali mesmo, sobre a mesa, cercado pelos planos de um futuro que tentava forjar com suas próprias mãos.
Assim que a respiração de Carlos se tornou profunda e regular, uma figura emergiu das sombras no canto da sala. Estava lá havia horas, invisível e imóvel, um espectro silencioso observando cada movimento, anotando cada murmúrio. A figura pairou por um momento mais, antes de deslizar pela porta fechada como fumaça — invisível, mas não imaterial.
Algumas horas depois, a mesma figura materializou-se no quarto de Espectro, no Mocambo da Serra. Espectro, sentado em sua cama, nem precisou virar-se.
— E então? — sua voz era um sussurro baixo na escuridão. — O que ele fez hoje?
A voz que respondeu era grave e rouca, saindo do vazio.
— O de sempre. Andou pelo mocambo, inspecionou tudo, depois ficou a tarde toda com a velha Aqua, falando de números e finanças. — Uma pausa. — Acho que ela suspeitou. Lançou alguns olhares na minha direção, mesmo eu estando invisível. Aquela mulher tem um sexto sentido para perigo.
— E depois? — Espectro insistiu.
— Depois, mergulhou naqueles livros malditos. Ficou falando sozinho, rabiscando… coisas complicadas. Mas o resumo é sempre o mesmo: ele quer ganhar mais dinheiro para o mocambo e fabricar armas melhores para nos defendermos. Nada de traição. Nada de conversas suspeitas.
Espectro soltou um suspiro, um som carregado de um peso que ele carregava há semanas.
— Me sinto… mal, tendo você lá, espiando cada movimento dele. Cada dia que passa, fica mais claro que ele é genuíno. Um líder em quem valeria a pena confiar.
Da escuridão, surgiu um riso baixo e cético. A figura tornou-se visível por um instante: um homem alto, musculoso, seu corpo um mapa de cicatrizes antigas.
— Não me diga — a voz era agora claramente sarcástica. — O famoso Espectro, cujo nome basta para aterrorizar capitães-do-mato, está com remorso por ser cauteloso? O mundo está mesmo virado de cabeça para baixo.
Espectro soltou uma risada curta e sem humor.
— Sou famoso assim por causa de vocês, que lutam nas sombras comigo. Não por minha própria conta.
O homem alto desapareceu novamente nas sombras, sua voz chegando como um eco.
— Fala como se não fosse você quem arrombou as correntes da minha irmã e minha naquele engenho. Mas isso é conversa para outra hora. Vou dormir. Estou exausto de ficar parado o dia todo.
E, sem outro som, a presença se foi, deixando Espectro sozinho com seus pensamentos e a consciência pesada.

Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.