Capítulo 353 - Masculinidade
— Uff…
O suspiro rasgou o silêncio quando se afastou levemente de Amai, o corpo ainda trêmulo, quente demais para si.
Seus lábios estalaram sob a pele pêssego dela, brasas tocando um campo de flores.
As fibras do abdômen roçavam no dela como chispa e maré… um encontro de forças que não sabiam mais diferenciar calor de destino.
— Eu… me queimei…
Riu, desacreditado.
Havia eras em que entrava no fogo e encontrava apenas o frio,
mas ali, naquele instante, o calor o alcançara de volta… arrebatador.
A something in a summer’s day…
— Só você? — provocou, o corpo marcado por fios de suor que cintilavam, constelações rubras sob a luz difusa.
Via-se o cosmos no respirar dos dois, como se o choque de seus corpos tivesse sido o nascimento de estrelas no exato instante de uma supernova.
Era Andrômeda em sua junção fatídica com a Via Láctea.
Não um encontro, mas um destino em curso: dois oceanos de estrelas se reconhecendo à distância, atraídos não só por vontade, mas por acaso.
Os olhos dela estavam em neblina, transbordando um brilho que não era fadiga, epifania.
Transbordando nebulosas.
A boca úmida, mordida por nervos e desejo enfim se libertava em mais um beijo.
Ele a guiou novamente na dança, e quando a movimentou, seus ombros deslizaram pelo chão, as costas arranhando a superfície áspera… mas toda a pressão foi absorvida pelo êxtase que se espalhava entre ambos.
Era só os dois a habitar aquele microcosmo.
— Garoto mal… você me fez sua tela e…
Riu, travessa, a voz um sopro elétrico.
Do seu umbigo avermelhado entre seu peito notava-se o quão ele a deu choques.
Era a combinação.
— Eu te pintei — completou, puxando-o para mais um beijo torto, imperfeito, delicioso.
O sobretudo estendido servia de ninho, palco, altar… onde gesto e gemido deles florescia
num terreno que só existe quando duas almas em êxtase
inventam um mundo próprio.
— Foi… e… você me revelou um Yami nada gelado… — comentou, com um meio-sorriso atento — Escondeu ele por tanto tempo, foi?
Ele mordeu o lábio e desviou o olhar.
Era nítido: aquilo lhe causava calafrios a cada instante, como se o simples fato de ser visto em completude a deixasse exposta demais.
Já eram um consigo.
— Ele dormia em meus medos…
— Medos?
— Medo de… viver…
— Ah… — suspirou, cruzando os braços, as bochechas levemente coradas — Tem certeza que não era só medo de se afundar num vulcão como eu?
— Também…
— Sério?
— Não — riu ao admitir — Só queria ver um sorriso bobo na sua cara…
— Ah… — repetiu, estapeando de leve o próprio rosto, antes de puxá-lo para perto e derrubá-lo num beijo impulsivo, colocando-se por cima — Então você é do tipo que mente pra agradar uma dama?
— Talvez… — respondeu, ainda sorrindo — Mas tem que valer a pena!
O riso dos dois se misturavam, e por um instante, não havia frio, nem medo… apenas a leveza de existir.
Do presente… o tempo corria.
Não como fluxo, mas como pressão.
E o fim já não era promessa,
nem profecia distante, estava batendo às portas, impaciente,
como quem sabe que será atendido.
Segundos…
Minutos…
Horas.
O tempo não avançava, mas acumulava-se.
Empilhava instantes como camadas de poeira sobre a mesma decisão, até que respirar se tornasse um esforço consciente.
Em uma ramificação recém-criada, Miyazaki se preparava para abrir a porta
que o levaria ao próprio fim.
A mão pairou sobre a maçaneta.
Não tremia.
Era o mundo ao redor que hesitava.
Do outro lado, nada o esperava, ou tudo.
— Uff… — mas, imediatamente, uma energia negra lhe arrancou a atenção — Um demônio… nos domínios de um exorcista?
Instintivamente, o corpo reagiu antes do pensamento,
arremessando-o para o lado.
Mas não houve impacto —
apenas brisa de escuridão, zombeteira.
— Tem certeza de que esse domínio é de vocês?
Antes que pudesse responder ao leve emanar de seu breu,
a mão do rapaz foi baixada, sem violência… mas sem espaço para reação.
Asmael estava ali.
Na testa do demônio, um portal se abriu: um círculo pulsante de luz distorcida, instável como um erro no tecido do agora.
Aquilo os levaria ao presente.
— Você morreu por descuido — disse direto e sem rodeios — Seu pai me pediu para trazer você.
— Morri? — suspirou, incrédulo — Por causa de uma mulher?
— E tem diferença?
— Tem… — a mão se fechou com violência na porta.
Sem aura, o punho amassou o metal dourado; o impacto fez o sangue brotar de feridas superficiais.
— Eu sou homem… e, portanto, superior!
Veias saltavam-lhe pelos braços.
O golpe pesava toneladas, mas, sem aura, foi a física que respondeu primeiro, dando-lhe as boas-vindas de volta.
— Humanos… — revirou os olhos, entediado — Seja como for… vamos embora?
O portal pulsou mais forte… não no espaço, mas na mente.
Da consciência dele projetou-se um portal astral, não passagem física, mas como eixo de deslocamento interno.
Em vez de transitar entre planos, se materializava mentalmente em tempos.
Não havia movimento.
Havia realocação de existência, a mente ocupando instantes
como um corpo ocupa um lugar.
— Ta…
E o fim que Miyazaki evitara já não estava atrás da porta… estava à espera do outro lado.
O tempo, pela primeira vez,
não soube se ainda estava sendo atravessado
ou pensado.
Ao avançar alguns passos, encontrou o pai.
De costas.
Diante das ruínas do prédio da Ordem, ainda fumegantes — o colapso que se seguiu aos eventos contra o Conselho das Trevas.
— Então… se importa?
— E como não? — o homem se virou, o rosto marcado pela exaustão — Você é meu único filho…
— Agora sou! — a mão dele balançou no ar e, em seguida, explodiu em gargalhadas — Sério que morri? Tecnicamente eu… sou melhor que ela!
— Sua namorada?
— Ah… — arfou, a bravata perdendo fôlego — É…
— Não! — coçou a cabeça careca, as unhas deixando riscos vermelhos na pele — Ela é naturalmente superior.
A voz endureceu.
— Mesmo que você carregue o conhecimento de eras, de seus tios e bisavós, sua técnica ainda está abaixo da de uma… desperta.
— Culpa deles! — rangeu os dentes — Eu deveria ser o melhor! Nosso clã sempre foi superior aos Shirasaki e… aos demais!
— Mentalidade, filho… — o tapa veio seco — E você ainda é vítima da própria incompetência.
O olhar foi implacável.
— Sério que está com raiva disso? Está ignorando o seu privilégio?
— Ehr…
— Você é meu filho! — apontou para as ruínas — Está do lado dos vencedores.
A voz baixou, mas não cedeu.
— Aja como um!
— Entendi. — esfregou a mão no lado direito do rosto; os lábios ressecados se fecharam por um instante — Desculpa…
— Desculpas aceitas. — com a manga esquerda, ele limpou a mão direita. Houve uma breve pausa — Você… sente por ela?

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