Índice de Capítulo

    — Uff…

    O suspiro rasgou o silêncio quando se afastou levemente de Amai, o corpo ainda trêmulo, quente demais para si.

    Seus lábios estalaram sob a pele pêssego dela, brasas tocando um campo de flores.

    As fibras do abdômen roçavam no dela como chispa e maré… um encontro de forças que não sabiam mais diferenciar calor de destino.

    — Eu… me queimei…

    Riu, desacreditado.

    Havia eras em que entrava no fogo e encontrava apenas o frio,

    mas ali, naquele instante, o calor o alcançara de volta… arrebatador.

    A something in a summer’s day…

    — Só você? — provocou, o corpo marcado por fios de suor que cintilavam, constelações rubras sob a luz difusa.

    Via-se o cosmos no respirar dos dois, como se o choque de seus corpos tivesse sido o nascimento de estrelas no exato instante de uma supernova.

    Era Andrômeda em sua junção fatídica com a Via Láctea.

    Não um encontro, mas um destino em curso: dois oceanos de estrelas se reconhecendo à distância, atraídos não só por vontade, mas por acaso.

    Os olhos dela estavam em neblina, transbordando um brilho que não era fadiga, epifania.

    Transbordando nebulosas.

    A boca úmida, mordida por nervos e desejo enfim se libertava em mais um beijo.

    Ele a guiou novamente na dança, e quando a movimentou, seus ombros deslizaram pelo chão, as costas arranhando a superfície áspera… mas toda a pressão foi absorvida pelo êxtase que se espalhava entre ambos.

    Era só os dois a habitar aquele microcosmo.

    — Garoto mal… você me fez sua tela e…

    Riu, travessa, a voz um sopro elétrico.

    Do seu umbigo avermelhado entre seu peito notava-se o quão ele a deu choques.

    Era a combinação.

    — Eu te pintei — completou, puxando-o para mais um beijo torto, imperfeito, delicioso.

    O sobretudo estendido servia de ninho, palco, altar… onde gesto e gemido deles florescia

    num terreno que só existe quando duas almas em êxtase

    inventam um mundo próprio.

    — Foi… e… você me revelou um Yami nada gelado… — comentou, com um meio-sorriso atento — Escondeu ele por tanto tempo, foi?

    Ele mordeu o lábio e desviou o olhar.

    Era nítido: aquilo lhe causava calafrios a cada instante, como se o simples fato de ser visto em completude a deixasse exposta demais.

    Já eram um consigo.

    — Ele dormia em meus medos…

    — Medos?

    — Medo de… viver…

    — Ah… — suspirou, cruzando os braços, as bochechas levemente coradas — Tem certeza que não era só medo de se afundar num vulcão como eu?

    — Também…

    — Sério?

    — Não — riu ao admitir — Só queria ver um sorriso bobo na sua cara…

    — Ah… — repetiu, estapeando de leve o próprio rosto, antes de puxá-lo para perto e derrubá-lo num beijo impulsivo, colocando-se por cima — Então você é do tipo que mente pra agradar uma dama?

    — Talvez… — respondeu, ainda sorrindo — Mas tem que valer a pena!

    O riso dos dois se misturavam, e por um instante, não havia frio, nem medo… apenas a leveza de existir.

    Do presente… o tempo corria.

    Não como fluxo, mas como pressão.

    E o fim já não era promessa,

    nem profecia distante, estava batendo às portas, impaciente,

    como quem sabe que será atendido.

    Segundos…

    Minutos…

    Horas.

    O tempo não avançava, mas acumulava-se.

    Empilhava instantes como camadas de poeira sobre a mesma decisão, até que respirar se tornasse um esforço consciente.

    Em uma ramificação recém-criada, Miyazaki se preparava para abrir a porta

    que o levaria ao próprio fim.

    A mão pairou sobre a maçaneta.

    Não tremia.

    Era o mundo ao redor que hesitava.

    Do outro lado, nada o esperava, ou tudo.

    — Uff… — mas, imediatamente, uma energia negra lhe arrancou a atenção — Um demônio… nos domínios de um exorcista?

    Instintivamente, o corpo reagiu antes do pensamento,

    arremessando-o para o lado.

    Mas não houve impacto —

    apenas brisa de escuridão, zombeteira.

    — Tem certeza de que esse domínio é de vocês?

    Antes que pudesse responder ao leve emanar de seu breu,

    a mão do rapaz foi baixada, sem violência… mas sem espaço para reação.

    Asmael estava ali.

    Na testa do demônio, um portal se abriu: um círculo pulsante de luz distorcida, instável como um erro no tecido do agora.

    Aquilo os levaria ao presente.

    — Você morreu por descuido — disse direto e sem rodeios — Seu pai me pediu para trazer você.

    — Morri? — suspirou, incrédulo — Por causa de uma mulher?

    — E tem diferença?

    — Tem… — a mão se fechou com violência na porta.

    Sem aura, o punho amassou o metal dourado; o impacto fez o sangue brotar de feridas superficiais.

    — Eu sou homem… e, portanto, superior!

    Veias saltavam-lhe pelos braços.

    O golpe pesava toneladas, mas, sem aura, foi a física que respondeu primeiro, dando-lhe as boas-vindas de volta.

    — Humanos… — revirou os olhos, entediado — Seja como for… vamos embora?

    O portal pulsou mais forte… não no espaço, mas na mente.

    Da consciência dele projetou-se um portal astral, não passagem física, mas como eixo de deslocamento interno.

    Em vez de transitar entre planos, se materializava mentalmente em tempos.

    Não havia movimento.

    Havia realocação de existência, a mente ocupando instantes

    como um corpo ocupa um lugar.

    — Ta…

    E o fim que Miyazaki evitara já não estava atrás da porta… estava à espera do outro lado.

    O tempo, pela primeira vez,

    não soube se ainda estava sendo atravessado

    ou pensado.

    Ao avançar alguns passos, encontrou o pai.

    De costas.

    Diante das ruínas do prédio da Ordem, ainda fumegantes — o colapso que se seguiu aos eventos contra o Conselho das Trevas.

    — Então… se importa?

    — E como não? — o homem se virou, o rosto marcado pela exaustão — Você é meu único filho…

    — Agora sou! — a mão dele balançou no ar e, em seguida, explodiu em gargalhadas — Sério que morri? Tecnicamente eu… sou melhor que ela!

    — Sua namorada?

    — Ah… — arfou, a bravata perdendo fôlego — É…

    — Não! — coçou a cabeça careca, as unhas deixando riscos vermelhos na pele — Ela é naturalmente superior.

    A voz endureceu.

    — Mesmo que você carregue o conhecimento de eras, de seus tios e bisavós, sua técnica ainda está abaixo da de uma… desperta.

    — Culpa deles! — rangeu os dentes — Eu deveria ser o melhor! Nosso clã sempre foi superior aos Shirasaki e… aos demais!

    — Mentalidade, filho… — o tapa veio seco — E você ainda é vítima da própria incompetência.

    O olhar foi implacável.

    — Sério que está com raiva disso? Está ignorando o seu privilégio?

    — Ehr…

    — Você é meu filho! — apontou para as ruínas — Está do lado dos vencedores.

    A voz baixou, mas não cedeu.

    — Aja como um!

    — Entendi. — esfregou a mão no lado direito do rosto; os lábios ressecados se fecharam por um instante — Desculpa…

    — Desculpas aceitas. — com a manga esquerda, ele limpou a mão direita. Houve uma breve pausa — Você… sente por ela?

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