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    “Olhei para trás — vazio.

    Olhei para frente — vazio.

    Então compreendi:o vazio sempre foi eu.

    — Yami Yamasaki

    Após uma jornada de duas horas e meia, na qual contemplou apenas a mata fechada que cercava a rodovia, finalmente chegou à selva de pedra.
    Os arranha-céus que avistara uma hora antes agora erguiam-se imponentes, projetando suas majestosas sombras. A entrada era marcada por uma estátua de bronze, desgastada pelo tempo, de Shikibu Oto, o fundador daquela metrópole e figura central na história da cidade, símbolo do império e sede oficial da ordem dos exorcistas.
    O monumento, com seus vinte ciclos de idade, dividia a estrada em duas vias, separando a saída e a entrada.
    — E aí, velho… — murmurou ao avistar mais uma vez a estátua, que se tornara a figura humana mais próxima em sua vida desde que ficara órfão.
    Seus avós… parentes… estavam perdidos na imensidão deste mundo.
    Após esse reencontro, seguiu adiante, entrando na cidade pela via à direita. Enquanto dirigia pela ampla avenida que o levava ao centro, percebeu que tudo permanecia como sempre.
    À medida que avançava, o cenário fechava-se e escurecia. Um odor de mofo permeia o ar, enquanto a chuva persistente formava uma cortina que obscurece sua visão, transformando sua vista, outrora marcada pelas tonalidades verdejantes das árvores, no cinza opressivo do concreto.
    Parecia uma transição para uma nova realidade, conduzido pela estrada até a morada dos pesares.
    Nada o cativava naquele lugar, como de costume, mas o jovem mal notava. Dirigia tentando desvincular sua mente do sobrenatural. A velocidade de seu carro reduziu-se gradualmente ao perceber que a maioria dos comércios permanecia fechada. Contudo, a movimentação era intensa, fervilhante e agitada.
    As pessoas transitavam com desânimo no olhar, carregando o peso da vida em suas posturas cansadas, enquanto o amargor da chuva em suas bocas perturbava qualquer sossego. Como ratos, pareciam condenados àquela gaiola.
    Ele sentiu uma energia sombria serpentear ao seu redor, envolvente, penetrando sutilmente em seus olhares periféricos.
    Era difícil ignorar aquilo que puxava sua alma, seus sentidos.
    Ao observar atentamente as pessoas, notou manchas escuras em suas auras, que projetavam uma inquietante melancolia. Um ar de exaustão e frustração pairava como um vírus invisível, absorvido pelos que estavam próximos e perpetuando um ciclo interminável.
    Sentimentos persistentes alimentavam a escuridão crescente, preparando o terreno para um mundo ainda mais sombrio. Aquilo era tão cansativo que ele preferiu concentrar-se no que estava à sua frente, parando o carro diante de um sinal vermelho.
    Uma inquietação tomou conta dele enquanto batia os dedos no volante.
    — Azaael, por que o silêncio? Caramba! Você não me deu sossego em Kyoto; qual é o problema agora?
    Enquanto aguardava, dirigiu suas palavras à sombra que se desenhava no banco traseiro do carro, uma silhueta masculina envolta em escuridão, fluida como chamas crepitantes. Era uma imagem etérea, nascida do vasto imaginário de sua mente.
    — Sentindo saudades, é? — a sombra ironizou. E, mesmo sendo apenas uma projeção mental, a figura emanava um cheiro insuportável de enxofre, o mesmo cheiro que diziam pertencer aos filhos das trevas eternas.
    — Hã?
    Aquela era Azaael, o “temido” rei demônio, um dos sete, expulso do sombrio reino de Maladomus, o próprio purgatório, por tentar usurpar o trono de seu irmão, segundo os mitos. Agora, ele vagava entre os humanos, dividindo o mesmo corpo com o rapaz há cerca de um ano.
    No entanto, sua influência sobre a mente do jovem crescia a cada dia, cercando-o como um tormento constante em sua vida.
    — Ah, não, chega disso! Você nunca consegue ficar quieto! — reclamou, pegando uma bala de menta do porta-luvas. — Por que seria diferente agora?
    — Sabe, não tenho muita inspiração…
    — Se prefere o silêncio, fique à vontade! — retrucou, visivelmente impaciente, antes de seguir adiante quando o sinal abriu.
    — O que você estava querendo, afinal? Queria que eu comprasse um smartphone novo para você? — perguntou com um sorriso torto.
    Ele estava ciente de tudo o que via, sentia, passava… e vivia.
    — Ah, vá se ferrar!
    — Então me deixe em paz. Vá conversar com estátuas, se estiver precisando de companhia, moleque irritante!
    O outro apenas bufou, resignado, e o silêncio se instaurou entre eles, como um acordo tácito.
    Seu destino era sua fortaleza, e para lá ele estava indo, dando partida assim que o sinal mudou para verde.
    Conhecido como o quarto distrito, Katakana erguia-se em arranha-céus luxuosos, suas luzes brilhando indiferentes mesmo durante o dia. Aquele lugar era um santuário para quem valorizava a solidão, algo que ele entendia perfeitamente. Suas relações limitavam-se a contratantes e clientes, todos ligados à sua vida de exorcista.
    Ele estacionou o carro atrás do prédio e escolheu subir pela escadaria de emergência, evitando qualquer contato social. Depois de subir seis dos treze andares, chegou finalmente ao corredor que levava a seu apartamento. Brilhava com o piso de mármore branco, refletindo seu rosto cansado, resultado do trabalho impecável da equipe de limpeza, generosamente recompensada por seus serviços.
    Em poucos passos, ele chegou à porta do apartamento número 36, a última antes do elevador. Mostrava sinais de desgaste, com lascas de madeira nobre soltas e a tinta preta desbotada para um tom acinzentado.
    A escuridão cobrava seu preço do mundo.
    Ao olhar para frente, percebeu uma placa pendurada que anunciava:
    “Por favor, apareça ou entre em contato com a gerência para resolvermos o problema da porta!
    – assinado, síndico.
    Soltou um suspiro irritado ao reler pela enésima vez. Aquilo não era novidade para ele.
    Poxa, eu jurei que me livrei disso na semana passada.
    Sem perder tempo, arrancou-a com impaciência e a jogou no corredor com desdém. Pensou em alguém sem paciência? Ele era mais!
    — Olha só, o que você me faz passar… — murmurou, enquanto enfiava as mãos nos bolsos do sobretudo. — Só pela irritação, eu quebraria esse maldito contrato!
    Com pressa, encontrou seu cartão, a chave do apartamento, e a aproximou do painel digital. A porta abriu-se automaticamente, parando ao atingir a abertura adequada.
    Finalmente em casa…
    A luz acendeu-se instantaneamente com seu primeiro passo, revelando o estado em que deixou o apartamento. A toalha estava ainda sobre o sofá, os travesseiros espalhados pelo chão, a TV na tela de descanso após longo período ligada, e o som do chuveiro podia ser ouvido desde a entrada.
    Sua tranquilidade foi interrompida bruscamente quando, de repente, o telefone fixo, silencioso desde que comprara o apartamento, começou a tocar teimosamente, ecoando pelos cômodos e perturbando a paz que ele pensava ter.
    — Merda… Só eu chegar, que começa!
    Seguindo o fluxo cotidiano, atravessou a cozinha meio bagunçada; a frigideira que usara há dias ainda permanecia lá, firme no fogão. Pelo corredor, passou rapidamente pela porta do banheiro, desligando o chuveiro, e entrou no quarto. No criado-mudo ao lado de sua cama, desarrumada como só um adolescente consegue deixar, encontrou o telefone e sua coleção de remédios, aliados essenciais no enfrentamento do transtorno bipolar.
    Hm, já faz uma semana que não me aproximo disso…
    Com o olhar perdido em pensamentos, pegou o telefone de forma automática, sentindo o fio espiralado, quase como um arame de caderno.
    — Alô? O que precisa?
    — Yamasaki, aqui é Hidetoshi Nakata, diretor-geral da academia de esportes de Hiragana. Tentei te ligar mais cedo, sem sucesso…
    — Ah, diretor Nakata, quanto tempo. Tive alguns imprevistos. Enfim, sobre o que se trata?
    — Bastante tempo. Bem, aqui na academia, estamos enfrentando aparições incomuns, uns seres horrendos, segundo os alunos. Alguns atletas até foram atacados… Mas não há vítimas fatais!
    — Atacados? Mas não houve vítimas? Hm… — Jogou o olhar de um lado para o outro. — Pode ser uma aterrorização. Se ela não conseguiu matar ninguém até então, deve estar fraca ainda…
    — Sim, exatamente! Isso é o que o relatório de identificação mencionava — a voz do homem estava carregada de entusiasmo, apesar dos fatos — Sei que não é o tipo de serviço usual para um exorcista com suas habilidades, mas a academia valoriza quem já nos prestou serviços. Por isso, peço, não, imploro que nos ajude nisso!
    — Entendo… bem…
    Diante do apelo, revirou os olhos, soltou um suspiro profundo e colocou a mão no bolso. Já havia realizado alguns trabalhos lá, nada importante, quando ainda era um exorcista no início da carreira.
    Se tiver uma grana na conta, vou recusar. Esse velho é muito chato!
    Mas não encontrou nada.
    Droga! Como me esqueci!? Quebrei o smartphone!
    O som intermitente do ruído da chamada acompanhava-lhe os pensamentos.
    Não tenho escolha…
    — Bem, me espere. Quando as aulas se encerrarem, eu vou e combinamos os valores, certo?
    — Certíssimo! — Ouviu-se o som dele quase saltando da poltrona do outro lado. — Aguardo sua vinda à minha sala após o término do expediente. Obrigado!
    Desviou o olhar para o espelho, posicionado na porta do guarda-roupa em frente à cama, segurando o telefone com grande desânimo, afastando-o do rosto.
    — Ah, Azaael, nem bem chegamos e já vamos voltar a trabalhar! Ser exorcista parece mais complicado que ter um emprego comum! — resmungou para seu próprio reflexo, guardou o telefone e ouviu o “bip” imediatamente após.

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