Capítulo 18 - Vingança
O passado, até que ponto ele moldou quem você é? Essa era a pergunta que ecoava na mente de um tolo enquanto caminhava pelas terras desoladas, dominadas pelos fantasmas que sua mente inquieta não conseguia apagar.
Com os dedos tocando as grades enferrujadas de um terreno abandonado pelo tempo, ele pôde ver e perceber as marcas deixadas pelas mazelas de um passado nada glorioso.
Ali, diante de seus olhos, estavam as ruínas do antigo Jardim das Flores Douradas, um bordel outrora famoso nos arredores do distrito de Gou. Agora, era um local sombrio que ainda assombrava a mente de seu visitante.
Rasen, aquele tolo que não visitava o lugar havia cinco anos, caminhava com passos suaves, porém determinados.
Ao atravessar o portão sem cadeado, sujou os sapatos no solo enlameado. O terreno, que um dia fora parte das luxuosas entradas de Nova Tóquio, dignas de um cartão-postal, já fora a casa dos prazeres e dos pecados.
O tempo transformou a glória em decadência, e ele não pôde deixar de se perguntar o quão profundamente seu próprio passado estava entrelaçado com aquele cenário desolado. Me encontro aqui, novamente, nas terras do purgatório… pensou enquanto subia a escadaria à sua frente, doze degraus que o levavam até a grande porta dupla de madeira. Ao tocar a superfície da porta, sentiu a poeira cobrir seus dedos e, com um empurrão firme, a porta rangeu e quase cedeu.
O cenário se desenhou primeiro em sua mente, mais nítido do que aquilo que seus olhos enxergavam.
Enquanto caminhava lentamente pelo salão, ele observou como o esplendor do passado contrastava com a decadência do presente. O chão, outrora lustrado, agora estava opaco e coberto por fragmentos de vidro e destroços de móveis antigos.
Imaginou as festas e celebrações que um dia preencheram aquele espaço com vida e música, onde risos, gemidos e toques sussurrados ecoavam pelas paredes.
Agora, o silêncio pesado predominava, interrompido apenas pelo ruído suave de sua respiração. Os quadros nas paredes estavam desgastados pelo tempo, suas cores desbotadas, mas ainda capazes de despertar memórias esquecidas.
À medida que avançava, notou vestígios de um luxo passado, como cortinas de veludo desbotadas e candelabros ornamentados, agora encobertos por uma camada de pó.
Era como se o tempo tivesse parado ali, preservando as lembranças de uma época mais brilhante, mas o peso da realidade não pôde ser ignorado. Percebeu que estava andando sobre as sombras de um lugar que um dia fora grandioso, agora transformado em um reflexo sombrio de seus dias de glória. Crec-crec. A madeira rangeu enquanto alguém descia a escadaria, interrompendo seu déjà vu. Seus olhos pousaram novamente sobre a fonte de seu tormento. Lá, sozinho e exausto, estava seu pai, o homem que destruiu sua primeira vida e atormentava sua alma com as lembranças de seus abusos cruéis.
Já enfraquecido, parecia uma sombra do que já fora, um fantasma de seu próprio passado. A visão foi um confronto amargo com as lembranças dolorosas que nunca o deixaram. Mas agora, ao encará-las após tanto tempo, sentiu um turbilhão de emoções, uma mistura de dor, rancor e uma estranha sensação de liberação. E o fato de ele ainda estar vivo lhe trouxe um alívio, no mínimo estranho.
Pois o momento foi, ao mesmo tempo, perturbador e catártico, um confronto direto com a lâmina que açoitou seu coração.
Enquanto descia a escadaria, viu-se diante de um homem extremamente envelhecido, quase calvo, vestido em trapos, segurando um prato com uma vela acesa.
— Quem é você? Já não há mais nada que valha aqui! Vá embora! — disse com a voz rouca e desgastada.
A surpresa o tomou ao ouvir essas palavras. Como poderia esquecer sua face? Logo aquele que trouxera a morte à sua vida?
A sensação foi amarga e, ao mesmo tempo, carregada de uma tensão arrepiante, enquanto se encaravam naquele salão.
— Quem? Não reconhece sua vítima? Seu filho? — Seus olhos ardiam com uma tempestade que despedaçava a pouca calmaria que o havia tomado.
Talvez… Sentia-se forte e confiante, como um lobo diante de uma ovelha. Não temia mais os dedos gélidos de seu agressor, pois estava pronto para confrontar seu passado e buscar justiça.
Sua justiça!
— Rasen? — Ele assentiu em resposta.
— Bem, ainda se lembra do meu nome, então o destino não foi tão cruel assim. Mas é sempre assim, não é? O mal nunca paga por suas ações…
Enquanto falava, as cenas vinham à sua mente como uma tormenta: sendo oprimido pela força do velho, as várias horas vomitando no banheiro; o amargo em sua boca; a dor entre suas pernas…
Enquanto isso continuar, o mundo jamais mudará… Aquilo precisava terminar.
Essas palavras de seu acusador foram meros devaneios, mal atingindo os ouvidos do velho, que permaneceu alheio à dor e ao sofrimento que causara.
— O que quer dizer? Droga, olhe para mim! Você já me arruinou, miserável, você e aquela vadia da sua mãe! — gritou, com a voz carregada de ressentimento e ódio. — Meu bordel, meu dinheiro, minha dignidade se foram! Filho da puta! — continuou.
— Eu o ferrei? Você não se arrepende de nada, não é? — disse, com um tom de puro teatro. Empatia? Nem ele a tinha, nem a buscava. — Bem, para mim, tanto faz… O arrependimento é um luxo que você jamais conhecerá! — A intensidade fria de sua voz cortava como lâminas afiadas, enquanto seus olhos perfuravam o acusado.
Almejava sua cabeça decapitada, como a de Ned Stark.
— Arrependimento? O único arrependimento que tenho é não ter mandado sua mãe abortar você! Criança maldita… Mas eu sou um tolo. Sempre enxerguei o mal escondido em seu ser, mas preferi me cegar — disse, descendo as escadas com pressa.
— Mal? Você é uma fruta podre nascida de uma boa árvore. Eu, por outro lado, sou uma fruta rara que brotou de um solo árido e de uma árvore incapaz de dar bons frutos. Quem, de fato, é a criança maldita aqui? — bradou, e o medo percorreu o velho, enquanto a indignação o tornava ameaçador.
— A árvore podre… deu abrigo a você. Qual era a minha obrigação de cuidar do filho de uma puta? Nem sei se é de fato meu!
— Você jamais entenderá. Você é um santo para si… mas isso é algo que eu não permitirei que perceba. — Cruzou os dedos e o fitou. Quanto mais se aproximava, mais a aura do jovem se elevava, enquanto a ferida em seu coração, ainda exposta, sangrava de ódio.
Assim somos, iluminados! Naquele instante, não hesitou. Um momento de clareza e determinação toma conta de seu ser, levando-o a decidir: dar fim à sua dor e angústia, encarnadas naquele que é a personificação de seu tormento.
— Cosmicae Expansionis Punctum: Origo Mundi in Spirali… — suas palavras ressoam como um juízo final, carregadas de uma intenção decisiva. Sua aura se expande como uma onda, consumindo o ambiente ao redor e envolvendo o velho por completo.
Revelando sua técnica suprema, a culminação do poder de um exorcista, manifesta a essência pura de sua energia espiritual. É o ápice de sua existência, um confronto direto com o passado que o assombra. Pela primeira vez, ele sente a força necessária para enfrentar não apenas o inimigo à sua frente, mas também o peso do tormento que carregou por tanto tempo.
E, de repente, desaparecem daquele local fisicamente, e sob os pés de ambos surge uma escadaria infinita que se acabaria em um abismo, em espiral. Se encontram diante de um cenário surreal, com o velho contemplando o vazio absoluto aos céus, a escuridão eterna, enquanto o rapaz permanece firme à sua frente, do outro lado.
— O que é isso? Que lugar é este?
— Esta é a origem de tudo, pai. O mundo é como essa escadaria sem fim, uma espiral eterna, cheia de curvas e degraus que levam à infinitude… fascinante, não acha? — A tranquilidade em sua voz contrastando com a tensão da situação.
— Leve-me de volta! Por Elum! — grita, cambaleando enquanto escorrega pelos degraus. Seus olhos se arregalaram de horror ao sentir a escuridão ao redor envolvê-lo como um manto frio e opressor.
É tão densa que parece sussurrar promessas assustadoras, agarrando seus pés com garras geladas que atravessam até os sapatos.
— Clama ao seu criador? Mesmo sendo renegado por ele? Que patético! — ironiza, descruzando os dedos, o sorriso sinistro estampado em seu rosto. Seus olhos, frios, pousam no braço dele. — Disrumpe! — profere com uma firmeza sombria, a palavra ecoando como um veredicto.
Sua pena foi decretada naquele instante.
Uma espiral translúcida irrompe do vazio, atravessando seu ombro e descendo até o antebraço, penetrando a carne com uma precisão quase cirúrgica, mas terrivelmente cruel. O som áspero de pele e músculos sendo dilacerados reverbera, seguido por um grito que mal encontra forças para escapar de sua garganta.
— Maldição! — brada, a voz carregada de desespero, enquanto o antebraço mutilado se desprende e despenca no abismo infinito abaixo. O sangue escorre em torrentes implacáveis, tingindo a escadaria em tons vibrantes de escarlate. Cada gota, ao cair, ecoa na vastidão sombria como o som de um tambor fúnebre, o ritmo de sua agonia.
O sangue respinga, manchando suas próprias vestes enquanto ele, consumido pelo desespero, se arrasta com dificuldade. Cada movimento é um esforço penoso até que, finalmente, encontra apoio no gélido concreto da parede que acompanha a escadaria. Suas costas se pressionam contra a superfície fria, e seus olhos, antes vivos, agora turvos e opacos, refletem apenas a escuridão insondável que consome sua alma.
Frio e indiferente à cena de sofrimento, esboça um sorriso de canto, inclinando a cabeça enquanto observa entre as pernas trêmulas do homem. A tensão se torna insuportável quando os olhos de sua vítima se arregalam, os lábios tremendo em um esforço inútil de clamar por misericórdia.
Mas não há tempo para palavras.
— Não adianta pedir socorro… ninguém vai te ouvir…
Repetia a fala que o velho sempre dizia, a cada abuso cometido, como um mantra sádico.
O único som que preenchia o ambiente era o da carne sendo dilacerada, rompida sem misericórdia, seguido por um sussurro que flutuava no ar, carregando o peso de sua sentença macabra.
Então, novamente…
— Disrumpe!
O grito ecoou, como se a alma escapasse entre os lábios. E algo estava nascendo dentro dele, forjado pela brutalidade e violência que sua natureza vingativa impunha… o que seria?
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