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    Ao meio-dia, nosso protagonista despertou sobressaltado, o corpo encharcado de suor. Seus olhos refletiam uma mistura inquietante de medo e confusão.

    — Gallael… — murmurou, como se chamasse alguém distante. E, de fato, chamava. O maldito estava além de seu alcance — e talvez nunca mais estivesse.

    As palavras emergiam carregadas pela angústia de um pesadelo, o peso sufocante do “e se” que nunca se concretizara. Sua exaustão se desprendeu dos lábios em um sussurro, dissipando-se no ar como um último vestígio.

    Fragmentos do sonho ainda pairavam em sua mente — lembranças vívidas do ressoar da lâmina, do calor viscoso do sangue em suas roupas, do frio cortante que se infiltrava em seus ossos. Sua respiração entrecortada acompanhava o ritmo frenético do coração, que martelava contra o peito como se tentasse escapar.

    Seus olhos vaguearam pelo quarto, deslizando lentamente sobre o caos ao seu redor. A camisa pendia da porta, esquecida. Os sapatos jaziam ao lado da cama, prestes a tombar. Sobre o criado-mudo, a calça estava espalhada sem cuidado, compondo um cenário de desordem que ecoava o turbilhão em sua mente.

    — Seria? — perguntou a si mesmo, dando um tapa no próprio rosto em um gesto de frustração, seguido por um suspiro irritado; a raiva ainda o perseguia. — Merda, bebi demais… minha cabeça está uma bagunça! — Levantou-se sem se vestir.

    Lentamente, pouco a pouco, o que havia acontecido começou a se fragmentar em sua mente. Lembrou-se das risadas vergonhosas que dera, dos vexames que passara… Chegara a dançar sobre a cadeira.

    Aquela menina… Amai… do café o levara a um bar. Por um momento, sua mente, incapaz de sossegar em meio ao caos interior, fez com que ele cogitasse ideias absurdas — como a possibilidade de ela querer estuprá-lo ou vender seus órgãos.

    Mas, ao afastar esses pensamentos imbecis e voltar o olhar ao redor, sua vista parou na bancada. Algo chamou sua atenção: um bilhete escrito em um pedaço de papel.

    Nele, estava a mensagem:

    “Assim que acordar, me mande uma mensagem; vamos embarcar em nossa primeira missão!”

    Leu com desdém e suspirou.

    Vamos o quê? Tô fora! Pensou, pegando a toalha no guarda-roupa enquanto se dirigia ao banho, tentando afastar os pensamentos inquietantes daquela manhã.

    Trabalhar, mas já? Não, isso era demais até para um desocupado como ele.

    Mulheres! Ah, mulheres! Exclamou, imerso em sua própria confusão mental, antes de entrar no banheiro. Tentava associar as coisas… até as mais simples…

    Estava agitado, como um cão inquieto, incapaz de lidar com o tumulto ao seu redor. Atravessou o corredor do apartamento, repleto de desordem — uma confusão inexplicável, fruto da combinação de álcool e exaustão mental, que obscurecia seus pensamentos. Afinal, vivia como um zumbi, e agora, um zumbi sem responsabilidade…

    Ao chegar ao banheiro, percebeu que o sangue que vomitará ainda manchava as paredes de vidro do box e o chão.

    — Ninguém vai limpar isso, não? — gritou bem alto. E então revirou os olhos e suspirou pesadamente, desgostoso com o estado do lugar.

    — Maldição!

    Então percebeu: era só ele. Quem mais deveria fazer isso?

    Muitos adolescentes eram como ele… bem, enfim…

    Enquanto afundava em seu desagrado, do lado de fora, o dia começava com um brilho intenso, a luz matinal queimando o horizonte com um calor quase insuportável. O asfalto fervia sob a intensidade da aurora, criando um cenário árido e vazio. As pessoas, consumidas por um cansaço extremo, lutavam contra a falta de ânimo.

    Era o dia mais quente em cem ciclos, transformando a cidade em um deserto sufocante. Em meio a esse calor, dois homens conversavam sobre negócios em um bar no distrito de Sangai — uma região mais modesta, lar dos estrangeiros ilegais, ou aijianos, aqueles que não possuíam o sangue puro dos nativos de Saisho.

    Fazendo uma breve analogia para contextualizar esse purismo, era como se os “verdadeiros aijianos” fossem apenas os nipônicos, enquanto os demais eram considerados raças impuras. Afinal, o império era governado pelo Estado-nação vencedor da Grande Guerra.

    — Setecentos mil ienes?! Que diabos! Não dá para fazer um desconto? — reclamou Hugo, sentado à esquerda com as pernas cruzadas, vestido com um terno rosa, com uma flor enfeitando o bolso do relógio.

    Sempre excêntrico, como de costume.

    — Qual é, mão de vaca, você gasta metade desse valor toda semana em bebida! — retrucou, impaciente e um tanto emburrado, o rapaz alto sentado à direita. Vestia uma blusa cinza justa, que destacava seus músculos e atraía o olhar de Hugo Moreau, que, ao seu lado, bebia de forma distraída, degustando tanto a bebida quanto a conversa.

    Ele tinha um físico semelhante ao de um atleta, com a musculatura de um fisiculturista.

    — E daí? Minha vida luxuosa tem seu preço…

    — Sei bem…

    — Mas, enfim, você terá esse valor pela cabeça de Diego Romero. E já aviso, meu amigo, ele é um exorcista de nível cinco, com habilidades refinadas… — Retirando um envelope do terno e colocando-o sobre a mesa. — Aqui estão todas as informações sobre o alvo: seus métodos, suas técnicas e, além disso, forneceremos tudo o que for necessário para que você tenha sucesso… garantido! — determinou.

    Em seguida, pegou um copo de vodca sobre a mesa e bebeu com certo nervosismo, sentindo o alívio momentâneo que o álcool lhe proporcionava, libertando-o de seus pesares, ainda que por breves segundos.

    — Grau cinco?

    — Uhum…

    — Bom, esse tipo de exorcista é cauteloso e tem habilidades sensoriais aguçadas. Não dá para esperar que ele esgote sua energia de uma vez só. De qualquer forma, não preciso de mais nada! — concluiu, ele estava segurando uma lata de refrigerante de laranja.

    Então, agarrou o envelope com a outra mão, segurando-o apenas pelas pontas dos dedos, um sorriso meio de lado surgindo em seu rosto.

    — Ehr… não me fale desses detalhes técnicos, essa parte é com você, garanhão… — disse, dando outro gole na bebida, enquanto seus olhos acompanhavam um senhor que passava lentamente de bicicleta, carregando um punhado de pães na cesta.

    Era um pobre qualquer… Mas quem seria ele para se importar? Logo ele, de moral tão duvidosa.

    Quase riu, mas…

    Fez uma breve pausa antes de continuar:

    — Mas me conta, Tamashiro, esse pacto que você fez… valeu a pena? — perguntou, com um olhar curioso.

    — Pera…

    Pausou, soltando um arroto antes de franzir a testa em direção ao seu contratante, exalando um suspiro cheio de si.

    — Minha filha está viva, não é? — Um sorriso brincalhão nos lábios.

    — Claro que está! — confirmou, também em um tom leve e divertido. — Mas enfim, você continua o mesmo, não é? Não nasceu uma segunda personalidade ou… nasceram asas de morcego, não é? — acrescentou, deixando escapar uma risada suave, acompanhada pelo leve odor de álcool entre seus lábios.

    — Ah, é claro! — com um aceno de cabeça. — Tinha que fazer uma piada dessas, não é? Mas não… até agora, sou o mesmo imbecil de sempre! Hahaha!

    — Você não muda! Não adianta, existem homens firmes e existem caras como você…

    — Como eu? — arqueou a sobrancelha, intrigado.

    — Os cabeças-duras!

    Ao ouvir isso, lançou um olhar para o relógio acima da moldura da porta e soltou uma risada baixa.

    — Bem… de qualquer forma, foi um prazer revê-lo, meu velho amigo! — levantando-se e estendendo a mão com um sorriso. — Deveria me contratar mais vezes para trabalhos como este. Este bar fica mais vazio a cada dia… a economia está ruim até para os bêbados irresponsáveis! — lançou um olhar ao redor, como se absorvesse o próprio ambiente melancólico.

    As mesas e cadeiras estavam empilhadas umas sobre as outras, feitas de madeira escura, e o ambiente permanecia vazio de funcionários. As paredes amarelas já mostravam sinais de desgaste, enquanto os copos sobre a bancada ainda continham restos de bebida deixados pelos clientes na noite anterior.

    Enquanto conversavam, Hugo permanecia atento, captando cada palavra com interesse, até que notou uma certa pressa no olhar e na fala do outro, como se houvesse algo urgente a ser feito.

    — Imagino… bem, tem planos?

    — Logo Amane estará fora da escola. Gostaria de poder conversar mais, mas… — Seu sorriso revelava um brilho de nostalgia enquanto seus olhos recaíam sobre o braço do companheiro, como se recordasse de tempos mais simples e descontraídos.

    — Entendo…

    — Se quiser me chamar para exorcizar demônios também… por dinheiro, estamos aí!

    — Demônios? Que ironia… O demônio dentro de você não ficaria furioso? — Levantando-se em seguida e ajustando seu terno com um gesto elegante. Depositando três notas de mil ienes sobre a mesa, continuou: — Mas enfim, posso arranjar coisas para você. Se não fôssemos amigos e sua falecida esposa não fosse minha irmã… — Admitiu, um tom de constrangimento colorindo suas palavras.

    — Não vem com essa… — Abaixando a mão e se virando para a entrada.

    Tamashiro, com quase meio metro a mais de altura, alcança as lâmpadas grudadas ao teto.

    — Bem, é um até logo?

    — É um até breve! — brinca o amigo, virando-se também em direção à saída. — Gostaria de ver a Amane, mas… bem, talvez ela não deva ser vítima desse mundo, não como minha irmã foi. Você entende, não é? — Pela primeira vez, ele fala com seriedade.

    — Isso dependerá unicamente dela. Mas, quando esse seu drama terminar, apareça! — Caminhando até a entrada.

    Instantes depois, o homem deixa o bar, e o dono fecha as grades com força, encerrando as atividades a partir daquele momento.

    — Quando eu terminar, vou passar por aqui, mas não prometo nada, certo? — Tirando a chave do carro do bolso, destravando a limusine estacionada do outro lado da rua.

    — Certo, se vier, me avise antes, e farei algo especial! — Virou as costas decisivamente e dirigiu-se à sua moto, uma Ducati Superleggera preta, que estava estacionada logo ali.

    — Pode deixar…

    Enquanto se afastava, pronto para partir, sentiu seu celular vibrar no bolso. Ao retirá-lo, viu uma notificação com um anúncio estampado em destaque no maior jornal do continente, o NTNews:

    “A você, que cansou de ver a mentira sendo passada como verdade, que já não aguentava mais a dor causada pela ordem que controlava tudo.

    Nós nos rebelamos contra os exorcistas, que esmagam quem ousa pensar diferente. Contra a Igreja de Elum, que prega a fé enquanto ignora a humanidade. Contra este Império, que deixava os ricos crescerem e os pobres definharem.

    E te convidamos a levantar a cabeça e caminhar ao nosso lado. Não precisávamos mais esperar por uma mudança imposta; precisávamos ser a mudança.”

    “Vamos construir um lugar onde as mentiras sejam enterradas e a justiça seja mais do que uma promessa vazia. Um lugar onde todos tenham a chance de respirar, viver e, finalmente, ser quem realmente são.

    A hora é agora. Vamos juntos criar o mundo que nos devem. Um mundo iluminado!”

    O olhar dele se fixou na tela por um momento, refletindo sobre o conteúdo da mensagem.

    Que diabos é isso?

    Era inacreditável.

    “Sua coragem será a centelha que acenderá a chama. Ao se unir a nós, não como um mero espectador, mas como parte dessa revolução, a mudança que muitos acharam impossível se tornará real e essencial para a derradeira transformação!

    Será sua luta, suas decisões, que tornarão aquele futuro radiante algo real. Não será apenas nossa vitória, será a sua também. Você fará parte disso. Será um de nós. Alguém iluminado!”

    Leu até o fim. Assim que terminou, fechou os olhos por um instante, tentando assimilar o que acabara de ler. Em seguida, ligou o carro e bateu a porta com força, quebrando a calmaria e a descontração que haviam permeado todo o momento anterior.

    — Merda, então esses filhos da puta jogaram essa bomba em cima de nós? Dessa forma? — reclamou, irritado. — E depois o Kyotaka quis dar tempo a esse maldito… Merda… ele não caiu sem antes a pólvora raspar em nossa face… maldição! — Quase quebrou o volante com um único tapa.

    A partir dali, o palco dos iluminados se ascendeu…

    Eles haviam feito a primeira jogada!

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

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