Índice de Capítulo

    “Amar o que faço?Existe um louco que ame aquilo a que foi forçado?

    — Yami Yamasaki

    ✧ ✞ ✧

    Iniciando o serviço enfim avançou, guiado pelo grito misterioso que, com sua vasta compreensão do mundo espiritual, reconhecera como sobrenatural.

    Com sua audição, centenas de vezes mais aguçada que a comum, percebeu a leve distorção no ar, sutil, mas inconfundível: marca de uma atividade demoníaca.

    Seus passos eram cautelosos, enquanto os olhos vasculhavam cada sala, parede e porta.

    No silêncio opressivo, surpreendia-se com a ausência de qualquer sinal de vida, ainda que soubesse da suposta presença em serviço.

    E, à medida que seguia adiante, a escuridão parecia acompanhá-lo, rastejando às suas costas, envolvendo o espaço num breu que reduzia, pouco a pouco, seu campo de visão.

    — O tempo simplesmente voa… — murmurou para si, movendo-se como um fantasma entre as janelas para quem visse de fora.

    Ao final, próximo à escadaria que conduzia ao primeiro andar, deparou-se com um ambiente peculiar. À esquerda, um relógio, pousado sobre um bebedouro, marcava cinco minutos para as nove da noite, ao lado de um banco de espera solitário.

    Em um mundo, quatro horas mais tardio ainda restavam duas horas para o cair total da noite, mas a escuridão já se derramava pelo horizonte, engolindo qualquer vestígio de luz.

    — É, estamos em território de caça — a voz de Azaael subiu das profundezas da mente do rapaz — Que ironia: mal sabe ele que os caçadores somos nós! — gargalhou, debochado.

    — Pelo visto…

    Lançando um olhar pela última janela do corredor, ao lado do bebedouro. O céu jazia afogado em trevas, sem a luz fria de Nox dominando o mundo, tampouco os brilhos das almas ascendendo como pontos distantes na vastidão.

    — Como essa criatura acumulou tanto poder sem ceifar vidas?

    — Uma aterrorização não tem poder sem semear terror — rosnou — Pensa, pirralho: o velho está mentindo.

    — Eu sei. Na verdade, já considerei isso… É estranho alguém não solicitar um exorcismo antes, por mais maluco que seja, sempre termina em acidentes… — Um suspiro profundo — Mas, entendendo ou não, ele é um merda!

    Eu… não sou muito melhor…

    Velou-se em silêncio.

    — No fim, tanto faz. Vamos só acabar logo com isso! — Numa mistura de determinação e desilusão, após beber da verdade e entregar-se aos próprios ideais profanos.

    — Às vezes, agradeço por você ser tão egoísta! Haha!

    Egoísta?

    Ele ergueu novamente o olhar ao céu: o breu infinito, nada além dele. Em seguida recuou, enfiando as mãos nos bolsos do sobretudo.

    — Então é isso: pegamos a grana, vazamos, e nunca mais pisamos aqui… A menos que ele seja otário o bastante para pagar bem de novo! — concluiu entre gargalhadas, achando tudo grotescamente divertido.

    — Pela primeira vez, concordamos em algo! — respondeu, fixando o olhar à frente.

    Notou, então, uma parede sólida onde deveria existir a passagem para o outro lado do corredor, conectando à ala oposta do prédio.

    — A sorte é que isso vai terminar rápido… Parece que esse maldito está nos chamando!

    Sorriu de lado, com ironia, ao proferir tais palavras, e seguiu em direção à escadaria. O único som em seus ouvidos era o eco dos próprios passos.

    Enquanto descia os degraus, a escuridão adensava-se, obscurecendo ainda mais sua vista e comprometendo sua eficácia como caçador. Isso, contudo, não o intimidou: bastaria um instante para erguer sua aura e inverter os papéis.

    Seus sentidos, ainda que enfraquecidos, captaram uma energia negra difusa no recinto demoníaco. Uma presença sem começo ou fim discerníveis, como tentar perceber uma única gota d’água enquanto imerso em um vasto oceano.

    Ao final, alcançou o primeiro andar, encontrando-se entre dois corredores, guiado pelo chamado que pulsava à esquerda.

    O corredor, ladeado por armários escolares, estava tomado pelo som de passos apressados e golpes que ecoavam, ressoando como se esmagassem metal.

    Dançarei ao ritmo da sua música…

    Ele firmou o olhar e, desafiando a escuridão, avançou decidido até alcançar uma porta dupla de madeira. No topo, a inscrição gravada:

    Área de Treinos Práticos.

    Ao empurrar, o ranger da madeira ecoou pelo corredor, uma sinfonia sinistra que lhe perturbava a mente, abrindo-se como um abismo diante de seus olhos. A escuridão, densa como tinta, parecia fitá-lo de volta, como se o próprio ambiente tivesse consciência de sua presença no epicentro dos eventos sombrios.

    Avançou novamente, destemido, mergulhando no recinto do mal, onde cada passo ampliava a sensação da entidade ainda oculta.

    Mais portas duplas se sucediam, separando o corredor das quadras e salas de treino, cada uma prometendo possibilidades tanto promissoras quanto inquietantes. Ele leu cada inscrição até que, ao se aproximar da sala de ginástica à direita, onde ouviu o grunhido áspero de um corvo.

    — O rato está indo… — gracejou, ao sentir um vulto às costas. Talvez fruto de sua insanidade, ou do poder corrosivo que o mal exercia sobre o lugar.

    Quanto mais imerso em um território predatório, mais insano e indefeso um ser vivo se tornava.

    Ignorando essa sensação, persistiu, empurrando a porta marcada pelo desgaste — mais evidente que em todas as outras. Mesmo com sua força sobre-humana, ela cedeu lentamente, rangendo como uma queixa abafada, revelando cautelosamente o espaço oculto, como se o próprio ambiente relutasse em expor seus segredos sombrios.

    O local estava imerso em trevas. Apesar do teto envidraçado, a presença envolvia o prédio como um véu, impedindo qualquer raio de luz de atravessar.

    E no centro da área de ginástica, um cavalo de exercícios com alças se erguia em destaque, manchado pelo sangue fresco, e sobre, pousava um corvo.

    Sem hesitar, entrou por completo no recinto. Ao fechar a porta, empurrou-a com tanta força que quase a quebrou.

    O estrondo assustou-o, que alçou voo e se chocou contra os vidros com violência, morrendo no mesmo instante. Seu corpo caiu e se desfez numa poça de sangue enegrecido, já infestado de vermes, como se fosse devorado por dentro enquanto ainda respirava.

    Isso sequer chamou sua atenção.

    Ele manteve os olhos fixos na escuridão. As trevas se agitavam em movimentos sutis, oscilando como se algo as tocasse… embora nada jamais se revelasse por completo.

    Não atacará?

    Mordeu o lábio, sufocando a ansiedade que lhe corroía por dentro.

    Já estou de saco cheio desse filminho de terror!

    Sua impaciência transparecia apenas no olhar. Então, a aura sobrenatural começou a envolver-lhe o corpo, dissipando as trevas e revelando os movimentos à frente — como labaredas de uma fogueira açoitada pela ventania.

    O som de passos respondeu, ecoando pelo recinto, acompanhado por um fedor pútrido que se adensava no ar.

    Finalmente…

    Reunindo o fôlego, lançou o desafio:

    — Manifesta-te!

    E a silhueta da criatura emergiu. Um ser de pele como o tecido muscular, escura como o breu; olhos luminosos e dentes afiados. Chifres curvados, semelhantes aos de um carneiro, coroavam-lhe a cabeça, enquanto pesos de metal, presos por correntes às mãos, arrastavam-se como marcas de um prisioneiro.

    Cada passo da criatura fazia o chão rachar, enquanto sangue fresco escorria de seus chifres e dos pesos, marcando o solo com uma melodia mórbida.

    — Finalmente saiu da toca, hein, feioso? — provocou, firmando os pés e aproximando as mãos do peito.

    — Fei… o… so?

    A tentativa de articular uma palavra bastou para que, num único movimento, sua interação com o ar se transformasse em uma rajada devastadora, força que esmagaria facilmente um humano comum.

    Mas, contra o exorcista, não passou de uma brisa. O impacto, no entanto, destroçou a parede atrás, estilhaçando-a em fúria.

    Sério? Será que ele imbuiu trevas nesse golpe?

    No fim, não passou de um arranhão. Nenhuma ferida substancial.

    E em resposta sua aura expandiu-se, inundando o ambiente em um tom vinho profundo, enquanto um feitiço escapava suavemente de seus lábios:

    — Transmutatio materiae et status…

    Chamas vermelhas irromperam entre seus dedos, e seus olhos, tomados por uma determinação feroz, fixaram-se na criatura. Estava prestes a exorcizar a entidade.

    — Tá pronto para virar lixo assado?

    Um leve sorriso curvou-lhe os lábios.

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

    Regras dos Comentários:

    • ‣ Seja respeitoso e gentil com os outros leitores.
    • ‣ Evite spoilers do capítulo ou da história.
    • ‣ Comentários ofensivos serão removidos.
    AVALIE ESTE CONTEÚDO
    Avaliação: 95% (4 votos)

    Nota