Capítulo 32 - União
Dezenas de andares abaixo, Yamasaki observava enquanto Amai riscava a Floresta dos Mortos no quadro de missões públicas, afixado na parede ao lado do balcão de recepção, no térreo do prédio. Encostado com o ombro esquerdo, mantinha os olhos fixos na garota — havia algo nela que lhe chamava demasiadamente a atenção.
Talvez fossem suas pernas… ou a cintura…
— Certo… e qual será nossa próxima empreitada? — perguntou.
Ela percebeu e o encarou com um sorriso sem jeito, estendendo a caneta vermelha que havia usado.
— Hã?
— Você escolhe o azedinho — voltando os olhos ao quadro repleto de panfletos de papel, cada um descrevendo missões não remuneradas, pedidos anônimos que haviam sido adicionados à fila de espera — muitos deles há meses, alguns há anos.
— Só essas?
— Só… E nem ouse aceitar nenhuma missão pelo seu Gchat, hein! — Em um tom meio mandão.
— Sério? Você é algum tipo de idealista anti-dinheiro? Ou só é maluca mesmo?
Diante dele, demonstrou toda sua graça ao colocar as mãos na cintura, o rosto avermelhado e um jeito meio emburrado.
— Não! Oh, Yamasaki, você já não ganhava dinheiro demais? Sei lá, ouvi dizer que você faturou cinquenta mil ienes só pelo último exorcismo. Vamos fazer um pouco de trabalho comunitário, vai? Acho que podemos mudar essa reputação horrível que temos… — declarou, jogando os cabelos para trás ao perceber que ele ainda a encarava, mesmo diante da afronta.
Ela era uma exclamação — algo que mudava por completo a vida cômoda que levava.
Mas foi o suficiente para convencê-lo.
— Você fala como o velho Kyotaka… Bem, vamos lá, né? Se não, não saímos daqui hoje. E mais tarde, esse pessoal todo aí de fora vai fechar a via — envergonhado.
— Bem, deixa eu ver… Temos o hospital infantil abandonado em Katakana… o túnel assombrado de Sangai… São os mais urgentes. Então, qual você escolhe?
Como não pegou a caneta, ela cruzou os braços e levou a ponta que não escrevia até os lábios.
— O túnel! — decidiu apressadamente, logo após ela falar.
Ela iria comentar sua escolha… mas…
Nesse instante, um jovem rapaz loiro, vestido com um terno azul impossível de ignorar em meio a tantos sobretudos pretos, se aproximou. Seus olhos brilhavam intensamente como estrelas — fervilhantes no horizonte de suas íris, profundos e azuis como os oceanos de Flumem.
— Yamasaki Yami e Shirasaki Amai, finalmente! — disse, ajeitando a gravata sob o crucifixo, exalando confiança em seu semblante. — Que surpresa encontrá-los em um quadro de missões públicas. Dois dos três maiores exorcistas da geração, sendo tão… gentis! — Sua atitude pareceu estranha para os dois.
A voz sem vacilos, as atitudes confiantes.
— Qual o problema? — retrucou, sendo imediatamente repreendido por um olhar de reprovação dela.
— Yamasaki! Ehr… Você deve ser Arthur Lewys, não é? Ouvi falar de você. Meu pai é um entusiasta do exorcista metido a herói! — brincou, agarrando a manga do sobretudo do emburradinho sacudindo-o com certo exagero.
— Grande Shirasaki Rimuru! Tive uma boa conversa com ele. Enfim, vou ser direto com vocês: posso acompanhá-los? — Descarado, encarando o grande “não” estampado nos rostos dos dois. Talvez mais evidente no “azedinho”, que expressava um desgosto abissal à simples ideia, como uma campainha desagradável ecoando na mente.
— Você!? Ah, senhor Lewys, não sei se isso seria uma boa ideia. Aliás, você não está registrado em uma equipe? — questionou, tentando suavizar o mau humor e a aversão social dele.
— Não! Na verdade, eu fiz uma solicitação para entrar na equipe de vocês. Sabe como é… é muito difícil se encaixar aqui. Todo mundo me acha um estranho. E vocês… não me levem a mal, mas vocês também são bem estranhos! — segurando os ombros de ambos com um sorriso descarado e um tom evasivo. — E aí?
Esperava por um “sim” retumbante.
— É… até faz sentido… — disse Yamasaki, que mal se importou com o termo usado. Jogou o corpo para trás, visivelmente irritado. — Mas não tô a fim de mais pé no saco, não! — completou, virando as costas para o rapaz.
— Até? Nem me coloca nesse meio, hein! O azedinho pode até ser esquisito, mas eu sou bem normal, tá? — retrucou, também incomodada. Deu um passo para trás, afastando-se dos dois. — Mas… você pode ir sim. Acho que, fazendo um pedido especial, a Ordem deve te aceitar — mostrando a língua para o mau humorado, que apenas revirou os olhos.
— Maldita… — praguejou, baixinho.
— O que disse, mocinho…?
— Nada!
— Então está tudo certo? — apoiando-se no quadro com um sorriso exagerado.
Seu jeito extravagante animava-a, que já começava a imaginar as situações absurdas em que colocaria Yamasaki.
Enquanto, o próprio murchava como um maracujá ao sol — seu tormento agora estava mais que completo.
— Está!
Ela falava sobre o desanimado, “não…” do azedinho; o seu breu, agora, era ofuscado por duas luzes.
Enquanto, em um tempo que não podia ser medido, numa era tão remota que entre a humanidade ainda não havia pecado, Hideki completava mais uma de suas mortes, caindo de um penhasco após tanto se arrastar. Foi partido em inúmeros pedaços, sem o equilíbrio gravitacional que o firmamento trazia, junto às forças de direção de Nox e Aurora, sofrendo com a pressão do espaço que o empurrava milhões de vezes mais.
Seu corpo se dividiu em várias partes, e seu sangue, de tons vermelhos escuros, espalhou-se sobre o deserto pálido — quase de areias brancas — daquele pedaço de terra flutuante.
Amane…
Esse nome ecoava em seu subconsciente, que não cedia à morte, graças à entidade demoníaca ligada à sua existência, manifestando-se como trevas e regenerando seu corpo instantaneamente.
Repetia a dor do Kamikaze — fibras, músculos, ossos… se regenerando em um único ato.
— Ahhhhh — soltou, meio rouco, sentindo novamente seus pulmões clamarem por oxigênio. — De… mônio! — murmurou, observando as veias saltarem, marcando seu corpo como se estivessem prestes a explodir.
Hideki… seu imbecil! Ceda à morte! Me deixe assumir! Eu juro que sua alma não será levada! Determinava a voz em seu interior.
Mas ele não conseguiu responder; pelo contrário, cedeu ao cansaço, à exaustão — à própria morte, que o chamava.
Vamos! Abrace-a! Eu juro, por ser quem sou, que irei levá-lo comigo… até que possamos sair daqui. Eu cuidarei da sua cria, mas não deixe que nós dois terminemos aqui! Serão cinquenta ciclos longe de sua filha… Não se importa se ela morrer? Ou com o futuro que Asmael e Luciel estão tramando!?
Essa voz era a Razão, manifestando-se em um lapso de instante na consciência do demônio.
As mãos do possuído agarraram-se com força ao terreno. Lágrimas escorriam de seus olhos e se desfaziam no ar como poeira. E, diante da morte — uma entre várias —, escolheu, enfim.
Seus olhos ficaram brancos, num baque violento que quase explodiu seu crânio. Logo, um breu profundo invadiu seu olhar — um negro abissal —, e então ele se ergueu. Mas já não era mais Hideki. Era Bezeel, o Traidor — assim era conhecido —, o rei demônio, o segundo a se recusar a se ajoelhar diante de seu irmão… e diante do Senhor da Escuridão.
O Senhor da Gula.
Aquele capaz de devorar o mundo.
Quando se erguia lentamente, os cabelos negros — outrora tão vibrantes — perdiam o brilho, transformando-se em tons acinzentados, como se a própria sombra os envolvesse. Sua armadura — sua pele negra — irrompia ao redor de seu corpo, envolvendo-o em uma aura sinistra. Grandes ombreiras de espinhos, tão afiados quanto espadas, surgiam, dando-lhe uma aparência ainda mais intimidadora.
Em sua cabeça, dois chifres de cabra emergiam lentamente, curvando-se para fora com uma malevolência inegável. Seus olhos, antes abissais, transformavam-se em um vermelho profundo, com as laterais manchadas por uma tatuagem sombria — como se as próprias trevas estivessem cravadas em sua pele. Seus lábios, antes suaves e humanos, agora pareciam os de um cadáver: pálidos e sem vida.
Suas vestes de proteção ostentavam ramificações douradas — uma lembrança pálida de sua antiga nobreza —, agora corrompidas pela escuridão que o consumia. Uma capa preta, esvoaçante e imponente, cobria-lhe as costas e os braços como um manto.
— Então não há mal neste tempo? Não há demônios? Hehehe… — riu com desdém. — Então há um estoque quase infinito de energia negra para ser drenado!
Enquanto falava, levou a mão até a altura do peito e, reunindo as palavras entre os lábios, proferiu:
— Per benedictionem abyssi, inter digitos meos, emergat essentia luminum, quae in caelis manifestantur!
Assim que as palavras malditas foram pronunciadas, uma esfera de energia surgiu — e, no horizonte, os inúmeros brilhos no céu ao redor desapareceram. Aquela era sua dádiva do abismo.
Essentia Furcator.
Por meio dela, o Demônio podia absorver a essência das coisas — como o grande devorador que era.
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