Capítulo 34 - Interações
Após se despedir de Shirasaki, que seguia de volta ao prédio, Yamasaki perdeu seus olhares por um instante na jovem, observando sua saia plissada balançar a cada passo. Em um movimento rápido, virou-se para seu reflexo no vidro do carro, vendo sua expressão mudar de envergonhada para séria — mas o que viu não foi a si. Em vez disso, era seu demônio particular, sorrindo de orelha a orelha.
A entidade aparecia estranhamente diferente, com os cabelos tingidos de um negro profundo e vestindo o mesmo sobretudo do exorcista.
— O que foi?
A vozl soou mais suave, mais humana do que de costume, tirando-o de seu estado de torpor.
— Nada! E que aparência é essa? É algum tipo de piada!? — disse, entrando no carro e batendo a porta com força após se acomodar no banco.
Ao colocar as mãos no volante, sua visão turvou, e ele soltou um suspiro impaciente.
— Aparência? Deve ser sua mente, garoto. Você não tomou seus remédios pela manhã, não é?
— Não! Mas… droga… — Fechou os olhos e levou a mão à cabeça, olhando entre os dedos enquanto sua vista tremia. As luzes dos postes e os carros estacionados transformavam-se em borrões. — Da última vez, tive quase nenhuma perturbação… e foi uma semana praticamente sem tomar remédio! Que merda! Será a maldita síndrome da escuridão!? — praguejou, batendo as mãos no volante, quase o quebrando.
— Calma, pirralho… você não vai resolver nada quebrando seu carro!
— Eu sei, PORRA! Só que, caralho, isso me irrita demais… — Colocando a mão no pescoço. Não sentiu seu companheiro de ócio — e então se deu conta — Meu crucifixo… — murmurou, deixando-se escorar no banco, sentindo cada centímetro do seu corpo em êxtase e soltando as mãos do volante.
— Ele cedeu às trevas daquele demônio, lembra? Ou será que a síndrome já fritou seu cérebro? Não, deve ter sido aquela garotinha… seu coração quase sai pela boca quando a vê… — provocou, e então franziu a testa, fechando os olhos.
— Imbecil. E Gallael? Nada? Nem ideia de onde possa estar? Já faz um ano nesse maldito contrato e, até hoje, só buscas infrutíferas!
— Já te falei, ele desapareceu! E a única forma de achá-lo é com um grande caos! Ele é astuto e, sendo exilado, não deve ter coragem de chamar a atenção de Luciel e sua trupe! — explicou a entidade novamente, mas as palavras se perderam nas profundezas da mente perturbada dele, mais uma vez.
— Grande caos? O que seria essa merda?
— Yamasaki… é autoexplicativo…
— Caramba, não estou falando do significado das palavras! Mas que diabos isso quer dizer? Como um momento caótico afetaria a presença dele? Caramba!
— Será o instante em que Luciel dará a primeira jogada. Claro, esses não serão, de fato, seus primeiros atos; a cada instante, ele está manipulando os eventos junto a seu cão, Asmael. Em breve, dirá as palavras malditas que farão as trombetas do inferno anunciarem o fim!
— Entendi… então minha maior chance está no apocalipse? Somente lá ele irá, enfim, aparecer…
— Sim! Mas… você não parece triste com isso. Normalmente, um humano estaria desanimado. Afinal, ESSE SERIA PRATICAMENTE O FIM DO MUNDO QUE VOCÊ CONHECE! — dramatizou, como se estivesse narrando um filme de terror. Suas palavras ecoaram na mente dele com tamanha entonação que pareciam reverberar por todo o espaço do carro, aumentando a tensão no ar e tentando provocar um arrepio na espinha do rapaz.
— É? Bem… eu já perdi tudo mesmo, o que posso lamentar? — fechando os vidros do carro ao apertar um botão no painel.
— Quanto drama… mas enfim… se você diz, Chatosaki, é como diz! — concluiu, provocando-o mais uma vez.
— Eu fazendo drama? Tá…
Deu partida no carro, deixando para trás o rastro do motor e a fumaça negra que se espalhava pelo ar, misturando-se com sacolas plásticas e jornais velhos.
Não se passaram nem duas horas, e já era o dia seguinte — o dia 32 daquela passagem.
Kyotaka finalmente saiu da reunião tão importante entre os nove membros do conselho, às quatro da madrugada. Foi uma reunião longa, onde todos os acontecimentos foram discutidos. Após a saída da maioria, Hugo Moreau deixou a sala junto de Seiji Watanabe. Cúmplices, trocaram olhares no corredor enquanto viam os demais se afastarem.
— E então? Posso dizer que foi um sucesso? — perguntou o velho, acariciando a barba enquanto encarava a pintura à sua frente.
Na imagem, uma grande mão pintada de branco surgia entre nuvens carregadas, lançando sua luz sobre uma sombra em um deserto igualmente negro.
— Não recebi resposta… — murmurou, meio emburrado, olhando para a mesma pintura. — Normalmente, Hideki demora menos da metade de um dia para eliminar o alvo, mas até agora, nada. Nem mesmo uma resposta de fracasso! — sua preocupação transparece nitidamente no rosto.
— Hm… então contratou o senhor Tamashiro? Hehe… Você sabe dar boas jogadas, senhor Hugo. Mas, se ele falhou, estamos com um elefante ainda maior na sala. Kyotaka, assumindo essa postura mais pacífica, está criando suas próprias cobras! — determinou.
— Infelizmente… Acho que anda ouvindo demais os pirralhos, ou talvez esteja mesmo bem gagá. Não há como um cérebro se manter são após cento e oitenta a nove anos aqui! — brincou, virando-se para o elevador distante. — Enfim, querendo ou não, teremos que aguardar até mais tarde. Eu te aviso se der tudo certo! — sussurrou.
— Certo… Bem, nos vemos na cerimônia de passagem. Logo, a nova geração de exorcistas será formada. Talvez seja a última… — comentou, enquanto um arrepio percorreu a espinha de Hugo. Ele observou o outro caminhar para a escadaria, dando-lhe as costas. — Que Elum te abençoe! — despediu-se.
Última?
Pensou, e então ergueu o smartphone até o peito. Havia inúmeras ligações para Hideki, nenhuma delas atendida. Ele navegou pelo sistema do celular, revisando suas conversas com um gesto de deslizar para cima, mas nada.
O último “visto por último” datava da tarde anterior.
Até que uma mão tocou seu ombro, logo após a porta da sala de reunião se fechar com um baque suave. Era uma mão amiga, que reconheceu mesmo sem precisar olhar.
— Rimuru Shirasaki… — disse, virando-se e encarando o rosto de seu antigo colega, dos tempos em que ambos eram apenas exorcistas de campo. Os cabelos castanhos-escuros dele ainda mantinham certa vivacidade, e a barba feita revelava seu zelo habitual. — Você envelheceu mal, hein! Sempre que te vejo, penso nisso! — brincou, arrancando um sorriso sincero do rosto do amigo.
— E você continua como sempre… um charlatão! — retrucou, tirando a mão do ombro dele e ajeitando o sobretudo de couro.
Passos suaves ecoaram atrás dos dois. Era Amai, que se aproximava de forma tímida, os olhos observando com cautela o reencontro.
— Pai… Vamos? Se não, a mamãe vai te matar, e eu não quero ficar ouvindo as reclamações dela, hein! — disse ela, erguendo os ombros e fechando quase completamente os olhos de sono.
Sua boca se abriu em um bocejo.
— Depois… Bem, então aí está a herdeira do seu clã, o maior prodígio da geração! — comentou, passando por Rimuru com um sorriso no rosto. Em seguida, lançou um olhar convencido para ela. — Os boatos são verdadeiros… você tem a mesma energia do seu pai. Enfim, depois eu apareço lá para visitar vocês. Agora… vou me afogar em um uísque — murmurou, com dramatismo.
Sujeitinho…
Pensou a garota, endireitando a postura.
— Por favor! — disse, então encarando sua filha, desfocando-se de seu amigo, que já se dirigia ao elevador. Soltou um sorriso. — Você é a cara da sua mãe, né? Não são só os cabelos! Bem, vamos, sim, mas nada de barulho, hein? Amanhã, ela e seu irmão têm trabalho comunitário bem cedo, então, silenciosa como um gato! — brincou.
— Eu sei, eu sei… — respondeu, virando-se e chamando-o como se fosse um garçom. — Acompanhe-me, senhor Shirasaki! — e segurou a risada.
Águas calmas, nas quais navegavam…
Mas só na superfície.
As coisas estavam demasiadamente agitadas ultimamente.
E as brasas da fogueira do destino ainda ferviam, mesmo após tanto caos…
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