Capítulo 36 - Os peões
Em meio ao horário de pico, o parque estava movimentado, todos alheios ao caos que estava no ar, indiferentes às mais de 157 mil mortes registradas em toda Aija, a maioria delas em Nova Tóquio.
Ao contrário, continuavam a seguir em frente, vivendo suas vidas como se nada estivesse acontecendo. Certo ou errado?
Se bem que, a essa altura, do que adiantaria protestos e mais caos? Os covardes já haviam dito não, e os corajosos já tinham erguido suas bandeiras.
— Halyna Boyko, das terras gélidas de Regnum, pelo nome, era da Ucrália? — perguntou Milk, após observar a bela jovem.
Ele teve que olhar para cima, tão alto quanto era, enquanto colocava as mãos nos ombros de Kwawe, que estava atrás, como um guarda-costas.
— Você é quase do tamanho do Sr. Kwawe, o tal brutamontes que mencionei… — disse, de maneira simpática.
— Ah, isso! Você também era de lá? — olhando o rapaz dos pés à cabeça. Parecia um pouco desconcertada.
Ele usava uma blusa decotada que se ajustava bem ao seu corpo magro e um shortinho acima do joelho.
— Senhor ou senhora? Ehr… e você, senhor Kwawe, era de Regnum também?
— Sou de Shamo. Eu e o grandão… Bem, vamos direto ao ponto, certo? — Sentando-se em um banco próximo ao lago do parque, ignorando sua pergunta.
Enquanto o grandalhão apenas confirmou com a cabeça, colocando as mãos nos bolsos.
— Certo, Ehr… e ele não está falando?
Sentando-se ao lado de Milk, observando-os de lado.
— Ele bebeu a noite toda, está com a garganta ruim. Bem, discutimos parte do nosso plano pelo smartphone, não tudo, mas a ideia…
— Entendi, bem… sim… eu saquei bem, vamos mudar tudo, mas é pela paz, certo? — Com um tom meio irônico.
— Sim… a história é violenta, mas os ideais… são pacíficos, é impossível separá-los. Desde que o primeiro homem matou, a morte esteve presente em todas as mudanças… veja a guerra de unificação de Aija, a disputa pelo império de Regnum, ou o genocídio em Shamo, todos eventos em nome da paz, todos com mortes, mas no final… — justificou, soltando um suspiro depois.
— Nada mudou…
— Nada! E assim continuará. Quem está no poder não se preocupa com quem está abaixo, e quem está abaixo não tem força nem tempo para deter essa máquina que os atropela constantemente…
— O paradoxo do trem, a carga importa mais que quem estiver preso aos trilhos… então, o trem nunca para… NUNCA!
— Exatamente!
— Mas o que nós podemos fazer? — o questionou. — Seremos nós contra o mundo? Isso sempre dá errado…
— Nós? — Foi satisfatório ouvir. — Bem, como eu disse, queremos quebrar esse ciclo. Não mais reinos, ordens ou impérios! Não mais deste mundo… Queremos antecipar, queremos combater o mal antes que surja. Em outras palavras, vamos eliminar o pecado e tudo o que ele traz! Então, sim, é uma guerra contra o mundo! — determinou.
— O pecado… Um mundo sem o nascimento do mal? Isso parece meio irreal, não? A menos que possamos controlar o tempo… podemos?
Nem quem controle ele é capaz de tal ato.
— Não! Mas não é tão irreal assim. Não para Romero e Rasen, nossos líderes. Nós temos fé no simulacro de Schattenstein, um mundo governado por um único ser, que separaria o joio do trigo e permitiria apenas os bons viverem. Ele seria forte o suficiente para afastar o mal e eterno para manter esse equilíbrio…
— Como? Vocês estão baseando isso na ideia desse lixo humano? Tirar nosso livre arbítrio?
— Sim! Mas é para um bem maior. Pense no mundo em que vivemos, um grupo apenas movido por ideias é fraco, cede ao tempo e à fadiga… A paz é um modelo irreal, um homem só pode mantê-la enquanto viver, ou nem isso!
— Hmm…
Ela então, cruzou as pernas, não parecendo colocar fé naquele descarrilhado de palavras.
— Com a habilidade inata de Rasen, ele pode absorver energia. Romero acredita que, assim, ele possa separar a energia neutra da energia negativa do mundo. Para isso, precisamos levar nosso messias a um novo nível. E aí vem a parte difícil, nosso plano é causar um grande caos, grande mesmo, com mortes, e ao final, possibilitar isso a ele!
— Messias? Vocês são meio que um culto?
— Não é bem assim, mas é parecido. Ele é nossa melhor chance, e, querendo ou não, não há muito motivo para negar. Olhe para o mundo ao seu redor, vivemos na esperança de um juízo final traçado por humanos. Quão irreal é o que queremos? Só soa insano. Por que você ainda vê o mundo com os olhos de uma criança, não?
— Talvez… sabe, eu vejo de forma irreal, sim, sei lá, queria um futuro bom, mas o sabor amargo na minha boca não me faz questionar, um ano na ordem já me fez me perguntar, por que só limpamos a sujeira? Por que não acabamos com o mal? — Olhando para as pessoas que andavam naquela parte, viu uma mulher guiar um cão, enquanto um mendigo era ignorado por cada transeunte. — A resposta é como um disparo, não há como, se eu mover minha mão, matar todos aqueles no topo, não acaba, apenas piora! — Em seus olhos, havia uma decepção que nenhuma luz poderia preencher.
— Exatamente, por isso, acho que você é perfeita para o nosso grupo, não acha?
Nesse instante, o silêncio.
Eternamente só, ela sentia, naquele sentimento de não pertencimento.
Queria que todos tivessem ideais nobres em sua mente. Não havia isso nos humanos nem nos exorcistas… então….
— Acho… na verdade, eu já estava dentro do seu grupo quando vi o anúncio. Não sei se viverei mais do que se fosse apenas uma exorcista, mas não viverei como um verme, que se esconde na sociedade, isso eu sei! — dando um sorriso, agora encarando os gansos nas águas.
Milk deu um sorriso de alívio. Esperava que fosse difícil, mas ela já estava encaminhada por sua decepção pessoal, estampada em sua cara, por mais que não fosse evidente.
E ele sabia que a adição dela ao grupo seria um passo significativo para alcançar seus objetivos. Porém, também compreendia a gravidade das ideias que estavam sendo discutidas ali. A missão que haviam abraçado era nada menos que uma revolução contra as estruturas fundamentais da sociedade.
Ele olhou ao redor, observando as pessoas no parque, alheias ao diálogo intenso que acabara de ocorrer. Era como se estivessem em universos paralelos, onde as preocupações e os ideais deles não se cruzassem. No entanto, sabia que, cedo ou tarde, as consequências das escolhas que estavam fazendo se tornaram evidentes para todos.
Bem, enquanto estavam cientes dos riscos, consequências e do caos.
Outros… servos do breu.
Se encontravam em um instante marcado por uma atmosfera carregada de calmaria e mistério.
Dois reis do abismo.
E enquanto Leviel emergia das águas tumultuadas, em sua aparência escamosa e selvagem, o demônio à sua frente emanava uma presença majestosa e sombria, vestindo vestimentas dignas de um monarca.
— Leviel, você demorou, meu irmão… — proferiu, com sua voz ressoante, enquanto observava seu companheiro emergir.
— He! He! Não é para tanto!
— Não? Duas horas.
— Fui até as profundezas do abismo e voltei, como não iria demorar? — retrucou, erguendo-se com uma expressão confiante, mesmo sendo ligeiramente mais baixo que seu irmão. Seus cabelos azuis, molhados pela água do mar, caíam sobre seu rosto enquanto ele se preparava para a conversa que seguiria.
— Asmael já lhe contou o que faremos, não?
— Qual o plano?
Claramente, não sabia, nem fez questão.
— Morte aos celestes! Aliás, me contou que será um golpe no escuro. A partir deste instante, não há ramificações do tempo e do espaço, o que significa que será determinado por nosso empenho e sorte. Você está preparado? — questionou, observando atentamente os anéis dourados em suas próprias mãos.
A avareza de ser o mais ganancioso dos seres do abismo.
— Hehe… Eu sempre estou preparado, Mael. Quero ver se a profecia daquele velhote é verdade! — declarou batendo no peito com determinação, causando respingos ao seu redor.
— Velhote? — questionou, limpando seu terno, meio emburrado.
Só ele valia o preço de uma frota de carros de luxo.
— É… um caranguejo caduca que vive em minha praia… — respondeu, com um sorriso zombeteiro.
— Imbecil… — afastando-se. — Que ânimo… hein!? — completou, virando-se para o horizonte e observando a ventania sobre as copas das árvores.
Apesar da distância, a presença deles reverberou até na capital, anunciando que algo sinistro estava prestes a acontecer.
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