Índice de Capítulo

    — Sério, esse plano de vocês é hilário, pra caralho! — diz o velho Antônio, encarando os dois enquanto degusta sua vodca direto da garrafa, marcada com o rótulo Esplendor do Douro Vodka, de sua terra natal. Bebe como se fosse água, dando goladas entre as falas — Mas estou precisando disso… de algo imbecil. Faz tempo que nada me cativa! — reclama.

    — Entendo… então isso seria um sim? — diz Milk, entediado, naquele ambiente que fedía a álcool e mijo. Típico de um bêbado solitário. Kwawe, por sua vez, esperava escorado no armário, se espremendo pra caber ali.

    — É… é um sim! Na ordem, eu fazia o mesmo que faço lá no bar: trabalhava, trabalhava… Um ciclo fodido! — afirma, e suspira fundo, caindo de braços abertos sobre a cama. O álcool escorre da garrafa, molhando o colchão — Quero foder um pouco esse mundo! — Como quem entrega um manifesto cansado.

    Uma risada amarga se escondia sob a máscara que usava. Talvez não pertencesse àquilo, mas oportunidades não escolhem quem as agarra.

    — Ótimo… — disse, se levantando, aliviado ao perceber que Antônio já desmaiava, iniciando um ronco pesado de exaustão — Kwawe… amanhã teremos mais dois pra recrutar. Espero que estejam mais aptos ao diálogo… ou, pelo menos, que não estejam caindo aos frangalhos.

    — V-verdade. Tomara que tenha uma bonitinha…

    — Tá pensando em mulher essas horas?

    — Ehr, não! Nada disso… com isso, o chefe vai ficar aliviado, não? Mais representatividade feminina… — resmungou, tossindo uma, duas vezes — E me lembra, por favor, de nunca mais exagerar na cerveja… — reclamou, com a voz arranhada, como quem já sabia que falharia de novo.

    — Melhor exagerar na bebida e ficar rouco do que acabar naquele estado. Enfim… vamos?

    Um único aceno do grandalhão. Sério, firme.

    — É… ainda tô lúcido, ao menos…

    — É disso que eu tô falando!

    Bateu no peito dele, com orgulho.

    E então, os dois seguiram para fora, cruzando o parque, atravessando a trilha da mata escura, até alcançarem a estrada, onde a van os aguardava.

    Dali, seguiram caminho de volta, enquanto Yamasaki e sua admiradora deixavam Arthur em casa.

    Ele desceu num bairro residencial simples, no distrito de Hiragana. Um complexo de apartamentos comuns. Do tipo que qualquer um consegue pagar, até com o pior emprego do mundo.

    É… a situação do nosso loirinho não era das melhores. Irônico, pra alguém com uma aparência tão elitista.

    — Valeu, gente! — disse, animado, acenando antes de desaparecer escada acima.

    Simpatia era o seu charme.

    Deixando-os a sós.

    — Ele é legal, vai? — comentou, percebendo que seu café sem açúcar continuava alheio à realidade — Yami? — chamou de novo, virando o rosto na direção dele.

    — Ah… fala — respondeu, ainda vendo os fios vermelhos que haviam cruzado sua visão. Aquele odor, aquela sensação na pele… Piscar não bastava.

    Fechou os olhos por um instante.

    E então os abriu.

    — O que você tinha dito mesmo?

    Percebeu o olhar dela. Descontente.

    — Você tá estranho. O que foi, hein? Aconteceu alguma coisa? — resmungou, curiosa demais pra segurar as perguntas.

    — Eu? Ah… não sei…

    — Qual é… só quero ajudar. Não vou te zoar se viu o Gasparzinho, vai! — disse, meio maldosa, sem perder a chance de cutucar. Então o olhou, esperando que dissesse algo.

    — Há, há… — Com um sorriso seco. — Eu só tive um déjà-vu Sei lá… uma alucinação. Acho que foi porque não estava com o crucifixo… — completou, tentando acalmar a ansiedade visível nos olhos dela.

    — E o que você viu?

    Hesitou. Só por um segundo.

    — Um demônio. Cabelos vermelhos. Ele me cumprimentou e… Então, um baque. E eu tava aqui de novo. Vendo você me estender a mão.

    Desabafou, enfim.

    — Parece uma alucinação sobrenatural… mas por quê? Como? Não havia entidades lá. Você comeu alguma coisa hoje, Yamasaki? — perguntou, desconfiada.

    Então, colocou as mãos sobre os ombros dele, arrastando-o suavemente até seu peito.

    Com a mão livre, deslizou os dedos pela corrente prateada, até alcançar o crucifixo. Então, o puxou com cuidado.

    — Aqui! — Entregando nas mãos dele.

    — Seu crucifixo? Não vai precisar? — murmurou, surpreso, sentindo a mão dela sobre a sua, carinhosa, enquanto encaixava o objeto entre seus dedos — Que foi…? — reclamou, num fiapo de voz.

    — Tenho outros. A cada promoção, meu pai me dava um. Ele é meio coruja, sabe… — Sorrindo com doçura, o olhar distante. Encarava um poste solitário no meio da escuridão, onde vaga-lumes se reuniam ao redor da luz.

    — Que coruja, hein… — Meio sem jeito — Bem, enfim… eu vou aceitar, então. Melhor do que receber outra bronca daquela velha. Já seria a segunda esse ano…

    Colocou o crucifixo no pescoço, quase aliviado.

    — Ela não cansa… típica velha com PhD em dar bronca em jovem — completou, suspirando — Já deviam ter a aposentado.

    — Caramba… acho que até hoje só desgastei um crucifixo. Talvez você esteja liberando energia de um jeito nada refinado… — comentou, observando a feição dele com atenção. Quando o viu suspirar, teve certeza — É isso mesmo, Yamasaki?

    Ela então pegou o braço dele com as duas mãos, cheia de si, como se tivesse acabado de desvendar um mistério.

    — Talvez… Eu nunca entendi esse negócio de refinar energia espiritual. Não entra na minha cabeça! — resmungou, frustrado.

    — Não? Não acredito! O exorcista de grau cinco, não sabe como fluir bem a própria energia? Há! Há! Cômico! — provocou, fitando-o de lado, depois de girar o corpo para frente com um entusiasmo quase teatral — Quer que eu te ensine?

    — Você não fala… você humilha — respondeu, sorrindo com incredulidade — Vai lá… fala, gênio. Prodígio da geração! — completou, no mesmo tom ácido.

    — Certo, certo… — Revirando os olhos com um sorriso. Então, como se fosse parte de um ritual, puxou um par de óculos da bolsa e os colocou.

    A cena já beirava o inacreditável.

    — Imagine sua energia espiritual como água.

    — Água? — Franziu a testa, cético — Sério, Amai?

    — Sim. Água. Pense na sua energia fluindo dentro de você como a corrente de um rio. Quando a água flui de forma controlada, ela segue um caminho definido e chega ao destino sem desperdício. Do mesmo jeito, sua energia espiritual precisa fluir com direção e não jorrar por aí feito mangueira furada.

    Ela falava enquanto gesticulava no ar, como se desenhasse o curso do rio com as mãos, traçando curvas imaginárias com precisão, quase poética.

    E ele? Bufou, ainda incrédulo.

    — Então agora eu sou um rio? Tá de brincadeira!?

    — Tô tentando ajudar. Ou prefere continuar desperdiçando sua energia como um encanamento furado? — retrucou, já irritada com a implicância.

    Ele cruzou os braços, ainda desconfiado.

    Mas a curiosidade venceu.

    — Tá… vá lá. Continua.

    — Pense num encanamento com vazamentos. Ele desperdiça água, certo?

    Ela fez um gesto com as mãos, como se a água escorresse pelos dedos invisíveis.

    — O mesmo acontece com sua energia espiritual. Se você perde o controle emocional ou não mantém o foco, você desperdiça energia. É como se sua energia tivesse furos e ela vazasse por onde você menos espera.

    — Faz sentido… mais ou menos. Mas continua — Tentando não parecer interessado.

    — Outra coisa importante é a purificação e o refinamento. Pense na água de uma nascente pura. Ela precisa ser mantida livre de poluentes pra ser saudável e útil, certo? Sua energia espiritual funciona do mesmo jeito. Ela também precisa ser purificada e refinada. Práticas como meditação, controle da respiração… manter o humor positivo, tudo isso ajuda a limpar e melhorar o fluxo da sua energia. E permite que ela circule de forma mais eficaz, sem causar desgaste ou colapsos.

    — Purificar e refinar… — repetiu, com uma expressão meio cínica — Tá. E eu faço isso como, exatamente?

    — Meditação. Respiração controlada. Manter-se positivo… — ignorando o sarcasmo.

    — Hm. Tô perguntando como eu vou fazer essas coisas…

    — Tentativa e erro… não?

    — Aff…

    — E tem mais. Assim como a água pode ser armazenada em reservatórios para ser usada quando necessário… Sua energia espiritual também pode ser acumulada. Essas mesmas práticas de meditação, respiração, foco – ajudam você a guardar energia. E, mais importante: a liberar com precisão. Na hora certa. Quando realmente precisar.

    — Então vou ser um tanque de água agora? — Finalmente tinha entendido aquele conceito que foi ensinado ainda no primeiro ano da academia… e que ele ignorou, como uns 80% das aulas.

    — Se quiser pensar assim… sim. E não esquece da adaptabilidade e da flexibilidade. A água se molda. Ela muda de forma conforme o recipiente, o ambiente, a pressão. Sua energia espiritual precisa fazer o mesmo. Praticar o controle da respiração, manter a calma. Tudo isso te ajuda a ser mais resiliente. Ajustar o fluxo conforme a situação. Não resistir… mas fluir.

    Ele a encarou por um momento, ainda tentando manter a pose de cético.

    — Vai… tenta. O que você tem a perder? — Segurando o olhar dele com firmeza, mas sem rigidez.

    Apenas… certeza.

    — Tá bom, vou tentar. Mas se isso não funcionar… vou te zoar pelo resto da vida, tá?

    — Combinado — Ela sorriu, satisfeita.

    Tirou os óculos, prendeu a risada piscando para ele.

    E seguiram, sem pressa, rumo à sede do clã Shirasaki. A noite, enfim, os deixava em paz.

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