Capítulo 4 - Adrenalina
Ele as lançava em diagonal, erguendo os braços de baixo para cima enquanto elas cresciam, cortando o ar e devorando tudo à frente. O calor intenso envolvia seu rosto, e as brasas, vivas e vorazes, dissipavam a escuridão ao redor com uma dança ardente.
Diante da visão impressionante, até as sombras ao redor da entidade recuaram, despindo-a em meio a seus tormentos pela iminência do feitiço.
E quando chegava, inevitável, uma erupção implacável irrompe, atingindo-o sem chances de desvio: um tornado violento de fogo que o incendiava sem trégua. Cada centelha de chama, ardente e vibrante, dançava freneticamente ao seu redor.
À medida que as labaredas se espalhavam de forma apoteótica, o calor que devorava sua pele revelou a magnitude do confronto.
Contra quem estava, era um dos maiores prodígios.
O ambiente, outrora mergulhado na escuridão, resplandecia agora com a intensa erupção de fogo. A luz das chamas penetrava os cantos mais sombrios, revelando detalhes antes ocultos e projetando sombras dançantes sobre as expressões contorcidas da “vítima” nas paredes.
Sob o incessante crepitar, o contorno do corpo do demônio se obscurece ainda mais, enquanto seus olhos perdiam a nitidez, engolidos pelo calor avassalador.
— Está quente, não é? — brincou, com um sorriso que oscilava entre a confiança e o cinismo.
Apesar de sua aparente calma, suas sobrancelhas arquearam ligeiramente, traindo o desconforto diante do que se desenrolava.
A besta demoníaca já deveria ter caído…
Persistindo sob seu olhar, a criatura permanecia inabalável. Em meio à cena aterrorizante, intensificada pelas chamas famintas por vítimas, suas contorções de fúria lançavam gotas de sangue ácido e púrpura, que corriam pelo chão, queimando o solo aos pés do exorcista.
Ainda assim, não recuou, mesmo enquanto o piso derretia sob seus sapatos, dissolvendo-se em uma névoa corrosiva.
Os gritos da criatura, antes carregados pela dor lancinante das chamas queimando sua carne, transformaram-se em um brado de ódio puro. O som reverbera em ondas sônicas que enfraquecem as garras ferventes do fogo, fazendo tudo ao redor tremer. Sua carne carbonizada exalava um odor acre, enquanto, desafiando o inferno ardente, parecia prevalecer sobre as brasas inclementes.
A escuridão, como uma entidade viva, respondeu ao chamado de sua fúria. Ela emergia, densa e implacável, fechando-se em torno dele. Com um movimento preciso, abriu caminho entre as garras calorosas que o aprisionavam, afastando-o. No embate entre a decadência das chamas e a astúcia da escuridão, formava-se uma dança caótica e aterradora, onde a cada instante ecoava o triunfo da sombra sobre o fogo.
Num salto audacioso, a entidade lançou-se contra ele. Um estrondo reverberou pelo ambiente, e uma cortina densa de poeira ergueu-se, obscurecendo momentaneamente a visão.
Contudo, em uma velocidade impressionante, ele escapou tão rapidamente que a besta só percebeu sua ausência após a poeira dissipar-se completamente no ar.
O que permaneceu foi apenas a destruição deixada para trás, traçando um rastro de caos. As paredes pareciam prestes a ceder a qualquer momento, e a entrada havia sido reduzida a um amontoado de entulho e pedaços de madeira acumulados sob a cratera.
Em meio a esse tumulto, Yamasaki posicionou-se atrás dele e, ironicamente, aplaudiu sua tentativa de atingi-lo. Sob o olhar atento do protagonista, suspirou com determinação e, com um sorriso ácido, dirigiu um último gracejo à criatura:
— Belo golpe! Mas errou, e isso foi fatal!
Interrompendo o gesto teatral, ergueu o braço direito e, com os dedos em forma de pistola, concentrou uma esfera cortante de vento na ponta do indicador.
Diferente do feitiço anterior, aquilo não era uma simples liberação de energia.
Ele manipulava o ar, canalizando a energia de seu espírito através da conexão astral-elemental que unia o mundo, seus conceitos e suas criaturas. A sinergia entre esses elementos convergem em uma dança etérea com a natureza, fluindo como se cada movimento fosse predestinado.
Essa harmonia energética culmina na criação de um feitiço poderoso e econômico, já que a transmutação não ocorria, limitando-se apenas à liberação da energia acumulada.
Seu olhar refletia uma intensidade equiparável às brasas que conjurava anteriormente, estas agora consumindo o cenário atrás de suas costas, transformando tudo ao redor em uma caótica pintura de fogo e destruição.
O espetáculo fez o prédio tremer, envolvendo-o em poeira e fumaça, criando um caos visual e sensorial.
No primeiro andar, as pilastras que sustentavam o edifício estremeceram, e rachaduras fluíram pelo concreto, esculpindo o trajeto de um rio na estrutura, como se a própria arquitetura estivesse se contorcendo em agonia, despedaçada pela força do impacto.
Os únicos presentes, além dos combatentes, apressaram-se a sair das salas, buscando desesperadamente segurança em meio ao tumulto.
O diretor e seus funcionários cambaleiam pelo corredor, tentando escapar da fumaça que invadia o local sem piedade, sentindo a pressão do caos se fechar sobre eles como um abraço mortal.
Enquanto a batalha prosseguia no andar de baixo, cada golpe da entidade provocava tremores, fazendo-os imaginar que, a qualquer momento, o prédio cederia sob a força devastadora do confronto.
Lidando com cada movimento, ele encarava as tentativas de esmagamento do demônio com uma agilidade incomparável, escapando de cada ataque sem sequer suar. Cada golpe rompendo o ar ou esmagando o chão gerava ondas de choque que faziam as paredes e o piso estremecer, como se o próprio edifício estivesse à beira do colapso.
A vidraça do teto cedeu, e os cacos caíram entre eles, refletindo seus olhares em cada pedaço que se estilhaçou no ar.
Determinado a não ser surpreendido, ele continuava antecipando cada investida, movendo-se com sutileza, como se dançasse ao ritmo da destruição que se desdobrava ao seu redor.
Mantendo o mesmo mudra na mão, absorvia cada vez mais a ventania que o circundava, comprimindo-a. Em suas mãos, a energia era tecida e moldada como se ele fosse seu mestre.
Um feitiço como esse será suficiente…, pensou.
Por outro lado, a pele da criatura regenera-se lentamente das queimaduras, a cada tentativa falha de golpeá-lo, como se a própria natureza do demônio se adaptasse à dor, tornando-o cada vez mais implacável.
O exorcista sentiu-se empolgado com a perspectiva de que exploraria todas as possibilidades ao seu alcance, enquanto, gradualmente, percebia sua aura profundamente vermelha chocar-se contra a aura negra e abissal da entidade, criando uma colisão de forças opostas.
As duas energias uniram-se em uma sinfonia uniforme, como se dançassem em perfeita harmonia, uma colisão entre luz e escuridão, entre o físico e o espiritual. Somente em um instante como aquele, trevas e energia espiritual tornaram-se impossíveis de discernir, fundindo-se de maneira tão intensa que a linha entre ambas desaparecia por completo.
Esse instinto…
Uma ferocidade crescente tomou conta de sua mente, quebrando a monotonia gélida que ele carregava. Sua enfermidade, antes um peso, parecia fundir-se à intensidade de sua aura, criando um ser tão caótico quanto um demônio.
O fazia perder as amarras da razão. Se tornava uma força selvagem!
Sou eu?
Interrompendo a sequência de golpes, ele ditou os próximos passos da dança, movendo-se com precisão e certa frieza. Ampliou a distância da criatura com um deslizar ágil para trás, mantendo os olhos fixos, atento a cada movimento.
A entidade, ciente de que sua vida estava em risco a cada segundo em que ele permanecia vivo, tentou agarrá-lo com uma fúria cega, mas escapou, dando um passo lateral, veloz como um relâmpago, tornando-se uma sombra em movimento.
Erguendo novamente o braço à altura da cabeça dela, observou as garras do ser espalharem trevas no ar, uma manifestação de poder tão intensa que parecia capaz de desmembrá-lo.
Sem dar mais chances à criatura, ele canalizou uma rajada de vento, impulsionada pela energia espiritual que fluía de sua aura. O movimento foi instantâneo. Em alta velocidade, ele disparou à queima-roupa uma minúscula esfera de vento, que atravessou o espaço com precisão.
A esfera colidiu diretamente com a cabeça da besta, despedaçando-a em incontáveis fragmentos. O impacto gerou uma explosão expansiva de dentro para fora, desintegrando o crânio da criatura a uma velocidade tão avassaladora que nenhum olho humano seria capaz de acompanhar.
O sangue púrpura, espirrando como uma cascata, banhou seu uniforme, enquanto o corpo da criatura cedia no mesmo instante, desintegrando-se como se fosse feito de areia fina. Observou em silêncio enquanto o restante da besta desabava, se desfazendo sob seus pés, como se não fosse nada além de uma ilusão partida pela força de seu feitiço.
Suas vestes e pele não sofreram corrosão; o sangue não afetava seres e objetos com aura espiritual, deixando-o ileso. A proteção funcionava como um escudo invisível, repelindo os efeitos do caos que a batalha havia gerado.
A técnica, que ultrapassa a velocidade do som inúmeras vezes, deixou em seu rastro um cone de condensação — uma marca indelével de sua passagem. O feitiço distorceu o espaço ao redor, liberando ventos que, gradualmente, se dissiparam, apagando suavemente os últimos vestígios da energia descomunal que havia sido liberada.
Alívio foi a sensação que tomou conta de seu ser!
Ele permitiu que a mente se desocupasse, ao menos daquele mal, deixando a ansiedade da batalha para trás. O combate, finalmente, terminou.
O exorcista, aliviado pelo peso da luta, pôde finalmente contemplar o cenário devastado que deixou para trás. Tudo havia se transformado em escombros; o que um dia fora a sala de ginástica agora estava irreconhecível. Paredes rachadas e o piso despedaçado contavam a história de um edifício que parecia ter se curvado à força do embate. Cada fragmento de destroço parecia carregar as cicatrizes do confronto.
— Caramba… quanta adrenalina, pirralho! — comentou Azaael, surpreso.
Através dos olhos de seu hospedeiro, ele viu tudo: a batalha feroz, o impacto devastador e, por fim, a escuridão que envolveu o prédio desfazer-se em fragmentos. Esses caíram ao chão e, como se jamais tivessem existido, desapareceram instantaneamente.
E no derradeiro resplandecer do horizonte, a noite já havia assumido o seu trono.
A luz que penetrava a escuridão revelou múltiplos focos ascendendo do solo aos céus — as vítimas da entidade, ou o que delas restava.
Fragmentos de almas, enfim, transformaram-se em brilhos que pontuaram o firmamento, libertos do tormento causado pelo mal. Era o último vestígio de vida que ainda persistia no mundo físico, mas que, ao final de sua jornada, também alcançaria o destino final.
Como as chamas de uma fogueira à mercê do tempo, sua aura lentamente se dissipou.
O calor que antes emanava de sua pele dava lugar ao frio, que novamente o envolvia.
O exorcismo estava, enfim, concluído.
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