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    No meio da luz radiante de Aurora, um homem de cabelos loiros — longos, caindo até as costas — e pele bronzeada repousava em uma cadeira de praia sob a sombra de um guarda-sol. Os ombros caídos alcançavam quase os joelhos, enquanto ele fitava Milk com a expressão típica de um bêbado que despertara cercado por latas de cerveja vazias.

    Naquele dia, o rapaz estava sozinho. Acordara cedo, decidido a concluir suas tarefas. Em seus pensamentos, traçava planos para encontrar os outros dois após aquele encontro, carregando a obrigação habitual de ser útil ao seu líder.

    Estavam na extremidade do litoral, na praia do distrito de Gou. Ao redor, inúmeras pessoas buscavam esquecer seus próprios problemas, alheias ao caos que engolia o mundo.

    A venda sobre seus olhos fora colocada por ele mesmo — assim como a forca, que lentamente decidia seu fim.

    — Sério? Vocês queriam ferrar tudo e reconstruir o mundo? — disse, soltando um arroto pouco educado, o suficiente para o fazer revirar os olhos.

    Em sua mente, só conseguia se perguntar como pessoas tão distintas — em modos, intelecto e bom senso — tinham a audácia de se auto denominarem cavaleiros iluminados, assim como ele.

    — Não dá para reconstruir um mundo sem destruir, não é? — argumentava, já há alguns minutos preso a uma conversa infrutífera, tentando arrancar alguma seriedade do bêbado.

    Em troca, recebera apenas comentários imbecis e um hálito amargo.

    Por sorte, ele apenas assentiu com a cabeça — um gesto que mais parecia um convite àquela alegria entorpecida que o cercava.

    Mais um irresponsável, expulso conforme a regra número 23 da Ordem dos Exorcistas: “Nunca ferir diretamente um civil, independentemente da situação. Caso contrário, será expulso.”

    — É… não o mundo todo! — resmungou, dando de ombros — Essa merda é complexa, mas enfim… é melhor limpar tudo do que tentar achar algo bom no meio da sujeira. Mas, caramba, hoje não é dia disso! Por que você não pega uma cerveja, toma uma comigo e veste uma roupa mais… fresca?

    Convidou descaradamente, os olhos percorrendo-o com a sutileza de um caminhão desgovernado. O outro vestia um vestido preto que ia até os joelhos, os cabelos soltos na altura do queixo e a pele pálida como um fantasma quase refletia a luz.

    — Você até que é bonitinho depois de duas latas! He! He!

    Mas se levantou, emburrado.

    — Certo… bem, a gente se fala então. Eu não posso me dar ao luxo de parar e beber. Ainda preciso de mais um idiota para a causa…

    Estreitou os olhos, felino, como se medisse cada palavra com garras prestes a sair.

    — Mais um? Vocês levam isso a sério demais! — retrucou, cruzando uma perna sobre a outra com a calma insolente de quem nunca se importou — Olha esse dia garotinha! Será que vamos ter dias como esse nesse tal paraíso, hein!? HEIN!?

    Disse com ênfase teatral, jogando as mãos para trás como se não existisse um único dia ruim no mundo — ou como se ele simplesmente se recusasse a admitir que existiam.

    — Garotinha? Aff… fala sozinho! — rebateu.

    Virou-se de costas, ignorando-o por completo, deixando-o falando com o vento.

    Enquanto isso, o loiro devorava sua saia com os olhos — como um pedreiro faminto em plena seca.

    Embarcando em um táxi, rumo a mais um de seus inúmeros destinos.

    A manhã revelava-se escaldante para alguns e gélida para outros.

    Outros…?

    Dois homens trajados com ternos elegantes desceram de uma limusine e se depararam com um bar à beira da estrada que levava à cidade de Nova Tóquio.

    Era sofisticado, com uma entrada milenar e um ambiente temático inspirado nos anos dourados, época em que a cidade fora erguida. A madeira que o compunha era escura, tão antiga que seu nome se perdera no tempo — e já não se encontravam mais exemplares em Aija.

    Até mesmo a escadaria diante da grande porta dupla fora feita desse material, exalando um aroma tão agradável quanto o de um velho vinho.

    Visto de longe, o local assemelhava-se a uma pintura: cercado por árvores em suas costas, erguia-se como uma construção solitária em meio àquele cenário sereno e intocado.

    No instante em que adentraram o bar, apenas um atendente estava presente.

    Sentado em uma poltrona luxuosa, vestia um terno listrado, ostentando uma cabeça esquelética adornada por chifres. Ele descruzou as pernas e abaixou os ombros ao perceber que eles não apenas sentiam sua presença… mas também conseguiam vê-lo.

    — Meus irmãos, quanto tempo… — erguendo-se enquanto trevas desabavam ao seu redor. O manto negro que o envolvia refletia a energia sombria que dele emanava, criando um campo de invisibilidade astral por meio da retenção de fluxo — uma técnica que apenas demônios de alto nível eram capazes de executar.

    — Eu sabia que estaria aqui — disse aquele que caminhava à esquerda.

    Ambos haviam entrado juntos e, ao dar o primeiro passo, seus olhos se converteram do castanho ao vermelho.

    — Eu e Mael viemos passar um tempo com você. Estamos de férias em Crea! — exclamou o outro com ironia, passando a mão sobre o balcão de madeira escura, ainda levemente úmido pela noite anterior.

    O cheiro de vodca misturada à cachaça mais barata ainda pairava no ar.

    Ali cheirava a pecado impregnado com o aroma persistente do enxofre, delatando que aquele era, de fato, o lar do caprino diabólico, cuja preguiça parecia corroer até mesmo a própria pele.

    — Asmael está com missões para nós… mas em tempo, local e data determinados — declarou Mael, afastando uma das cadeiras que compunham a decoração das várias mesas redondas espalhadas pelo amplo salão. Encarando o lustre de inúmeros cristais pendendo do teto — Precisamos nos disfarçar. Nada de chamar atenção, entende?

    — Eu entendo… — Com um leve sorriso que não alcançava os olhos — Então eles finalmente deram início ao plano. O apocalipse… mas o tabuleiro ainda não está como desejam?

    Ao terminar a frase, guiou a mão até uma garrafa de vinho — um Highfields Grande Reserve, que não custava menos de trezentos e vinte ienes — e a ergueu com certa reverência.

    — Aceitam uma bebida?

    — Aceito! Confesso que nunca bebi nada humano… a não ser sangue — confessou Leviel, encostando-se à bancada com um sorriso irônico.

    O corpo que ele possuía era o de um velho calvo, aparentando estar há décadas no fim de carreira — um detetive, ainda em pleno dia de serviço, com uma arma presa à cintura.

    Já seu irmão assumiu a identidade de um empresário, algo facilmente deduzido pelo relógio tão caro quanto aquele bar e pelas roupas de grife impecáveis que vestia.

    A ganância inerente ao seu ser transparecia até mesmo nas menores escolhas, revelando sua essência — como a de todos ali — enraizada no sentimento que deu origem ao mal: os sete pecados originais, fragmentados em sete entidades.

    — Bem… recuso, mas sim! — respondeu Mael com ambiguidade — Os dois estão em busca do instante perfeito. Segundo eles, há um único caminho que devem perseguir… Luciel, em sua eterna busca pela perfeição.

    Enquanto falava, fitava-o de lado, com um olhar que mesclava cansaço e sarcasmo.

    Como se cada palavra carregasse o peso de eras presas a um destino que não escolheram.

    Enquanto falava, Beel o servia e a si próprio, enchendo duas taças com o vinho denso e escuro.

    Seria um dia cheio — um dia de reencontro — mesmo para criaturas tão malditas quanto eles.

    — Luciel nunca está satisfeito — Com um sorriso enviesado — Ele conhece o próprio caminho. Mas vocês… me surpreende ver que estão fazendo o trabalho que o cão de Asmael deveria estar executando.

    Os dois riram ao ouvir isso.

    Baixa, ácida, quase um deboche contra o próprio destino.

    — De fato — respondeu Mael, erguendo a taça — Mas não queremos terminar como Azaael e Bezeel… Ser o cachorrinho de um moleque ou apodrecer trancado numa dimensão distante? Não, obrigado!

    Deu um único gole longo e engoliu metade do vinho, limpando os lábios com o dorso da mão.

    — Somos livres… ou, ao menos, gostamos de acreditar nisso.

    — E, no fim das contas, estamos apenas sendo levados pelo fluxo — Após longos segundos admirando o próprio relógio dourado — Você, mais do que ninguém, sabe o quão exaustiva é essa jornada. Ninguém controla o destino… ou sequer a realidade.

    — Sei… uma sede que leva a alma… a flertar com o próprio fim — murmurou, com a voz baixa e pesarosa — Triste… meus irmãos…

    Por um breve instante, quase sentiu de novo o gosto amargo do dia em que abandonara a causa que nunca fora sua.

    Mas não fez nada. Apenas esperou. E esperou… enquanto aquela causa, como uma praga, destruiria lentamente o mundo ao redor — pedra por pedra, alma por alma.

    E mesmo assim, não interveio até esse instante.

    — Enfim… acho que vou aceitar um pouco…

    — Bateu a recaída no corpo? — provocou Leviel, já estendendo a taça quase se esvaziava.

    — Pois é… caramba… agora entendo os humanos! — Soltando uma risada breve e amarga — Beber pra não falar dos problemas. Haha!

    O riso se espalhou entre eles como fumaça — leve na superfície, mas denso demais por dentro.

    Enquanto também encarava a taça à sua frente com um leve anseio, como se tentasse escapar dos pensamentos tediosos que o assolavam, fragmentos de consciência que nem mesmo os demônios conseguem silenciar.

    — Um brinde, então, ao inevitável — proclamou, enchendo mais uma taça antes de entregá-la ao irmão.

    Ergueu o braço, solene.

    No tilintar seco e cristalino das taças, os três brindaram.

    — SAÚDE!

    A palavra reverberou por todo o salão como um eco — suas vozes unidas num cântico profano, envoltas na penumbra. Era quase um ritual.

    Um brinde à condenação que chamavam de liberdade.

    Três demônios entraram em um bar.

    É, poderia ser o começo de uma piada… Ou talvez o fim.

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