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    — Yamasaki? — a voz ecoou daqueles lábios secos, ásperos como papel velho, enquanto uma mão agarrava a gola de suas vestes e puxava o tecido com uma firmeza sufocante.

    O nó da gravata pareceu apertar ainda mais.

    Sua visão estava turva, como se uma névoa espessa o separasse do mundo, permitindo-lhe distinguir apenas o contorno do paletó listrado e o brilho metálico nos fios vermelhos de cabelo que caíam sobre o rosto do estranho.

    — E-eu!? — respondeu, piscando rápido, tentando se agarrar à realidade.

    Então, sem aviso, a escuridão desceu sobre seus olhos como uma cortina pesada.

    Quando voltou a si, estava em seu quarto. O silêncio era tão absoluto que a própria respiração parecia alta demais. O relógio de seu smartphone, abandonado ao lado do travesseiro, marcava trinta minutos para o meio-dia.

    Mas… Aquela voz… aquela presença… continuavam gravadas, latejando em sua mente como um eco que não sabia calar.

    Num lampejo de lucidez, esticou os braços e afastou o lençol amarrotado que cobria seu corpo, revelando veias arroxeadas que se espalhavam como raízes sob a pele.

    A sensação de frio percorreu-lhe os dedos. Sem hesitar, pegou um de seus remédios, a tampa do frasco tilintando com um som seco no quarto abafado.

    Merda… o que foi aquilo? pensou, engolindo o comprimido seco, sentindo-o arranhar a garganta antes de desaparecer no vazio do estômago.

    Uma ideia súbita atravessou-lhe a mente como um relâmpago.

    — Azaael? Você tá aí? Já se recuperou, caramba?

    — Tô sempre aqui…

    No instante seguinte, um arrepio percorreu-lhe a espinha.

    Levou a mão à orelha ao sentir um calor úmido escorrer — sangue.

    O leve arranhar em seus tímpanos se intensificara como garras finas, rasgando o silêncio e deixando no ar um zumbido que parecia se enroscar em seus pensamentos.

    — Porra… — Levando a mão à orelha.

    Sentiu o sangue quente escorrer pelo braço, deixando um rastro pegajoso na pele, enquanto uma dor de cabeça latejante se espalhava, como se algo tentasse romper sua mente por dentro.

    — Que foi? Tá dodói, é?

    — Quê? Ah… porra… sua voz tá horrível… o que você tá fazendo? — A respiração irregular, levantando-se cambaleante — Para com isso! P-para…

    A mão outrora livre que buscou apoio no criado-mudo esbarrou no frasco dos remédios, derrubando-o.

    As cápsulas se espalharam pelo chão como pequenas sementes coloridas, rolando para debaixo da cama.

    O impacto quase arrastou o smartphone junto, que deslizou até a beirada, oscilando perigosamente antes de parar.

    — Minha voz? Caramba…

    Seu timbre que soava mais distorcido a cada palavra.

    — Falei para parar… — apertando os olhos.

    — Mas eu não tô fazendo nada, cacete!

    Mais sangue pingou no chão, formando pequenas manchas escuras que se espalhavam lentamente. Ele sentiu um choque atravessar-lhe a cabeça, como se fios invisíveis se enrolassem em seu cérebro. Instintivamente, deu um tapa no próprio rosto, mas a dor não cessou — pelo contrário, transformou-se em uma pulsação pesada, latejante, que parecia querer empurrar algo para fora de dentro dele.

    — Não fala! Deixa… deve ser efeito colateral. Desde que você fez aquilo, nada funciona direito…

    Calou-se por fim.

    Seguiu cambaleante até a cozinha, o piso frio sob seus pés nus arrancando-lhe um arrepio.

    Ao se aproximar da fenda que Azaael havia aberto no chão de seu apartamento dois ou três dias antes, percebeu… algo.

    — Que porra!? — exclamou, fechando os olhos por um breve instante, engolindo em seco ao tentar processar o estrago.

    Arrastou-se até a cozinha, onde abriu a torneira e bebeu água direto do jato, inclinando o rosto como um homem que acabara de atravessar o deserto de Shamo.

    O líquido gelado escorrendo pela garganta parecia uma descoberta nova, quase sagrada.

    Estava completamente nu, sem um fio de roupa.

    E, pior, não havia trazido o smartphone consigo. Caminhou até a geladeira, abriu-a e pegou uma coxa de frango esquecida, devorando-a ainda fria, com mordidas rápidas e desajeitadas.

    Sede… fome… e então lembrou que, apesar de tudo, ainda era humano.

    Manejou uma panela até o fogão e suspirou profundamente. A louça continuava lá, acumulada na pia havia dias, exalando o cheiro azedo e entranhado de comida podre.

    Com expressão emburrada, começou a lavar cada prato e cada copo, como quem cumpre um castigo inevitável.

    Se sentiu como Sísifo.

    Quando terminou, colocou a frigideira no fogão, ao lado da panela. Pegou dois ovos, enquanto jogava o bacon no micro-ondas.

    Quebrou as cascas sobre o metal, despejando o conteúdo na frigideira junto de um jato generoso de óleo, sem se preocupar com medidas ou cautela.

    Ligou o fogão, e o primeiro estalar da gordura preencheu o silêncio da cozinha.

    — Ovos fritos? Você só sabe fazer isso? Em duzentos e setenta e cinco dias, eu vi você preparar duzentas e setenta e cinco refeições à base de ovos fritos… — reclamou Azaael, a voz carregada de tédio e como sempre provocação, irritando-o a ponto de quase arremessar os ovos contra o teto.

    Dessa vez, ao menos, não lhe causava aquela dor aguda nos tímpanos.

    — Caramba… e daí? Você nem come, pô! Ser só espírito deve ser bem cômodo, não?

    O olhar fixo na frigideira, enquanto o cheiro do óleo queimando começava a tomar a cozinha.

    — Na verdade, não… eu sinto fome, CARAMBA! — rebateu — Só que não preciso comer para viver! Energia negativa me dá a mesma energia que a carne humana!

    O rapaz ergueu uma sobrancelha, genuinamente curioso.

    — Demônios comem humanos? — Com sinceridade, mas também com um leve desconforto, como se não tivesse certeza se queria ouvir a resposta.

    — No purgatório, sim… mas eu comia alguns quando caí aqui…

    — Que nojo! — Rindo com incredulidade.

    O apito do micro-ondas interrompeu a conversa, e abriu o pacote de bacon, despejando também as tiras gordurosas na frigideira.

    — É melhor que ovos fritos!

    O sangue já estava seco em seus ouvidos e braços, endurecido em pequenas crostas escurecidas que ardiam quando a pele se movia.

    Mas não ligava; a dor constante havia se entranhado como um parasita em sua vida.

    — Tiras de porco… e eu que sou nojento? Esse bicho vive na merda…

    Yamasaki apenas encolheu os ombros, mexendo o bacon na frigideira, mas sentindo a paciência se esfarelar a cada nova provocação.

    — Você come humanos… e, provavelmente, os que comeu viviam na merda… — Mantendo os olhos na panela enquanto o aroma gorduroso dos ovos e do bacon se espalhava pela cozinha.

    — Eram mais limpos que você… garanto!

    — Vem cá… você não tem nada pra fazer, não? Caramba… justo hoje você resolve me encher? — Pegando o saleiro — Já não basta o Arthur e a Amai… será que eu não posso curtir o pouco de vida que me resta? — completou, desligando o fogão e soltando um suspiro pesado.

    — Dramasaki… bem, se quer que eu fique tranquilo, vamos fazer alguma coisa, pô! Você é um exorcista… não pensa em fazer nada do tipo hoje?

    — Se ninguém me chamar!?

    Da gaveta acoplada à pia, ele puxou um garfo de cabo vermelho — o mesmo que sempre usava, não importava o dia ou a refeição.

    — Isso! Eu e você, como nos velhos tempos! — insistiu Azaael, com uma animação quase infantil.

    — Não! Sai fora! — Já prevendo que não seria fácil lidar com ele depois de tanto tempo em silêncio.

    — Mas, se for um rabo de saia, você aceita o convite, né, seu tarado? Eu vejo o que você vê… não esquece!

    — Não enche! Caramba… e não fala como se eu fosse um tarado! — Servindo ovos e bacon em um prato branco de porcelana. A coxa de frango fria, que ainda estava na pia, foi arremessada diretamente na lixeira — Bom, eu vou comer… quer ver a nova série que estreou? A Eternidade de Ana. É interessante…

    — Ver série? Meh… bota aí…

    — Aposto que você vai sentir saudades de uma idiotice como essas! — Acomodando-se no sofá com o prato nas mãos e um travesseiro sobre o colo. Com a outra mão, segurou o controle remoto, apertando o botão que o levava à biblioteca online de filmes e séries em lançamento.

    Sem pensar muito, selecionou exatamente o título que havia mencionado.

    — Eu? Hahahaha! Vou sentir falta de te atormentar, menino… mas confesso que será uma experiência interessante, algo que lembrarei: esse tempo em que vivi preso ao mais deprimido dos humanos!

    O ambiente estava escuro e frio. Mesmo com a cortina meio aberta, nenhuma luz entrava; o firmamento estava coberto por nuvens espessas.

    Talvez Yamasaki até acreditasse que teria um momento de paz. Nos primeiros minutos da série, a protagonista seguia sua rotina — um instante de calma antes que os acontecimentos finais rasgassem sua comodidade — quando, lá no quarto, seu smartphone começou a tocar.

    A vibração fazia o colchão estremecer, e o toque irritante, escolhido por Amai, ecoava mais e mais até alcançar a sala.

    — Merda! — murmurou, fechando os olhos, mal levando a primeira garfada à boca.

    A paz que tentara cultivar se quebrou como vidro.

    Forçou-se a comer enquanto a série seguia, mas, instantes depois, de forma quase inacreditável, o telefone voltou a tocar — em conjunto com outro alerta.

    Aquele som, repetitivo e incômodo, deixava claro: não teria paz.

    Percebeu, com uma amargura silenciosa, que nunca teria.

    Teve a certeza disso quando a risada de Azaael, carregada de pura chacota, começou a ecoar em sua mente como um zumbido que não se cala.

    É… talvez o inferno seja em Crea.

    ÚLTIMO CAPÍTULO ESCRITO AQUI!

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