Capítulo 49 - Dramasaki
— Yamasaki? — a voz ecoou daqueles lábios secos, ásperos como papel velho, enquanto uma mão agarrava a gola de suas vestes e puxava o tecido com uma firmeza sufocante.
O nó da gravata pareceu apertar ainda mais.
Sua visão estava turva, como se uma névoa espessa o separasse do mundo, permitindo-lhe distinguir apenas o contorno do paletó listrado e o brilho metálico nos fios vermelhos de cabelo que caíam sobre o rosto do estranho.
— E-eu!? — respondeu, piscando rápido, tentando se agarrar à realidade.
Então, sem aviso, a escuridão desceu sobre seus olhos como uma cortina pesada.
Quando voltou a si, estava em seu quarto. O silêncio era tão absoluto que a própria respiração parecia alta demais. O relógio de seu smartphone, abandonado ao lado do travesseiro, marcava trinta minutos para o meio-dia.
Mas… Aquela voz… aquela presença… continuavam gravadas, latejando em sua mente como um eco que não sabia calar.
Num lampejo de lucidez, esticou os braços e afastou o lençol amarrotado que cobria seu corpo, revelando veias arroxeadas que se espalhavam como raízes sob a pele.
A sensação de frio percorreu-lhe os dedos. Sem hesitar, pegou um de seus remédios, a tampa do frasco tilintando com um som seco no quarto abafado.
Merda… o que foi aquilo? pensou, engolindo o comprimido seco, sentindo-o arranhar a garganta antes de desaparecer no vazio do estômago.
Uma ideia súbita atravessou-lhe a mente como um relâmpago.
— Azaael? Você tá aí? Já se recuperou, caramba?
— Tô sempre aqui…
No instante seguinte, um arrepio percorreu-lhe a espinha.
Levou a mão à orelha ao sentir um calor úmido escorrer — sangue.
O leve arranhar em seus tímpanos se intensificara como garras finas, rasgando o silêncio e deixando no ar um zumbido que parecia se enroscar em seus pensamentos.
— Porra… — Levando a mão à orelha.
Sentiu o sangue quente escorrer pelo braço, deixando um rastro pegajoso na pele, enquanto uma dor de cabeça latejante se espalhava, como se algo tentasse romper sua mente por dentro.
— Que foi? Tá dodói, é?
— Quê? Ah… porra… sua voz tá horrível… o que você tá fazendo? — A respiração irregular, levantando-se cambaleante — Para com isso! P-para…
A mão outrora livre que buscou apoio no criado-mudo esbarrou no frasco dos remédios, derrubando-o.
As cápsulas se espalharam pelo chão como pequenas sementes coloridas, rolando para debaixo da cama.
O impacto quase arrastou o smartphone junto, que deslizou até a beirada, oscilando perigosamente antes de parar.
— Minha voz? Caramba…
Seu timbre que soava mais distorcido a cada palavra.
— Falei para parar… — apertando os olhos.
— Mas eu não tô fazendo nada, cacete!
Mais sangue pingou no chão, formando pequenas manchas escuras que se espalhavam lentamente. Ele sentiu um choque atravessar-lhe a cabeça, como se fios invisíveis se enrolassem em seu cérebro. Instintivamente, deu um tapa no próprio rosto, mas a dor não cessou — pelo contrário, transformou-se em uma pulsação pesada, latejante, que parecia querer empurrar algo para fora de dentro dele.
— Não fala! Deixa… deve ser efeito colateral. Desde que você fez aquilo, nada funciona direito…
Calou-se por fim.
Seguiu cambaleante até a cozinha, o piso frio sob seus pés nus arrancando-lhe um arrepio.
Ao se aproximar da fenda que Azaael havia aberto no chão de seu apartamento dois ou três dias antes, percebeu… algo.
— Que porra!? — exclamou, fechando os olhos por um breve instante, engolindo em seco ao tentar processar o estrago.
Arrastou-se até a cozinha, onde abriu a torneira e bebeu água direto do jato, inclinando o rosto como um homem que acabara de atravessar o deserto de Shamo.
O líquido gelado escorrendo pela garganta parecia uma descoberta nova, quase sagrada.
Estava completamente nu, sem um fio de roupa.
E, pior, não havia trazido o smartphone consigo. Caminhou até a geladeira, abriu-a e pegou uma coxa de frango esquecida, devorando-a ainda fria, com mordidas rápidas e desajeitadas.
Sede… fome… e então lembrou que, apesar de tudo, ainda era humano.
Manejou uma panela até o fogão e suspirou profundamente. A louça continuava lá, acumulada na pia havia dias, exalando o cheiro azedo e entranhado de comida podre.
Com expressão emburrada, começou a lavar cada prato e cada copo, como quem cumpre um castigo inevitável.
Se sentiu como Sísifo.
Quando terminou, colocou a frigideira no fogão, ao lado da panela. Pegou dois ovos, enquanto jogava o bacon no micro-ondas.
Quebrou as cascas sobre o metal, despejando o conteúdo na frigideira junto de um jato generoso de óleo, sem se preocupar com medidas ou cautela.
Ligou o fogão, e o primeiro estalar da gordura preencheu o silêncio da cozinha.
— Ovos fritos? Você só sabe fazer isso? Em duzentos e setenta e cinco dias, eu vi você preparar duzentas e setenta e cinco refeições à base de ovos fritos… — reclamou Azaael, a voz carregada de tédio e como sempre provocação, irritando-o a ponto de quase arremessar os ovos contra o teto.
Dessa vez, ao menos, não lhe causava aquela dor aguda nos tímpanos.
— Caramba… e daí? Você nem come, pô! Ser só espírito deve ser bem cômodo, não?
O olhar fixo na frigideira, enquanto o cheiro do óleo queimando começava a tomar a cozinha.
— Na verdade, não… eu sinto fome, CARAMBA! — rebateu — Só que não preciso comer para viver! Energia negativa me dá a mesma energia que a carne humana!
O rapaz ergueu uma sobrancelha, genuinamente curioso.
— Demônios comem humanos? — Com sinceridade, mas também com um leve desconforto, como se não tivesse certeza se queria ouvir a resposta.
— No purgatório, sim… mas eu comia alguns quando caí aqui…
— Que nojo! — Rindo com incredulidade.
O apito do micro-ondas interrompeu a conversa, e abriu o pacote de bacon, despejando também as tiras gordurosas na frigideira.
— É melhor que ovos fritos!
O sangue já estava seco em seus ouvidos e braços, endurecido em pequenas crostas escurecidas que ardiam quando a pele se movia.
Mas não ligava; a dor constante havia se entranhado como um parasita em sua vida.
— Tiras de porco… e eu que sou nojento? Esse bicho vive na merda…
Yamasaki apenas encolheu os ombros, mexendo o bacon na frigideira, mas sentindo a paciência se esfarelar a cada nova provocação.
— Você come humanos… e, provavelmente, os que comeu viviam na merda… — Mantendo os olhos na panela enquanto o aroma gorduroso dos ovos e do bacon se espalhava pela cozinha.
— Eram mais limpos que você… garanto!
— Vem cá… você não tem nada pra fazer, não? Caramba… justo hoje você resolve me encher? — Pegando o saleiro — Já não basta o Arthur e a Amai… será que eu não posso curtir o pouco de vida que me resta? — completou, desligando o fogão e soltando um suspiro pesado.
— Dramasaki… bem, se quer que eu fique tranquilo, vamos fazer alguma coisa, pô! Você é um exorcista… não pensa em fazer nada do tipo hoje?
— Se ninguém me chamar!?
Da gaveta acoplada à pia, ele puxou um garfo de cabo vermelho — o mesmo que sempre usava, não importava o dia ou a refeição.
— Isso! Eu e você, como nos velhos tempos! — insistiu Azaael, com uma animação quase infantil.
— Não! Sai fora! — Já prevendo que não seria fácil lidar com ele depois de tanto tempo em silêncio.
— Mas, se for um rabo de saia, você aceita o convite, né, seu tarado? Eu vejo o que você vê… não esquece!
— Não enche! Caramba… e não fala como se eu fosse um tarado! — Servindo ovos e bacon em um prato branco de porcelana. A coxa de frango fria, que ainda estava na pia, foi arremessada diretamente na lixeira — Bom, eu vou comer… quer ver a nova série que estreou? A Eternidade de Ana. É interessante…
— Ver série? Meh… bota aí…
— Aposto que você vai sentir saudades de uma idiotice como essas! — Acomodando-se no sofá com o prato nas mãos e um travesseiro sobre o colo. Com a outra mão, segurou o controle remoto, apertando o botão que o levava à biblioteca online de filmes e séries em lançamento.
Sem pensar muito, selecionou exatamente o título que havia mencionado.
— Eu? Hahahaha! Vou sentir falta de te atormentar, menino… mas confesso que será uma experiência interessante, algo que lembrarei: esse tempo em que vivi preso ao mais deprimido dos humanos!
O ambiente estava escuro e frio. Mesmo com a cortina meio aberta, nenhuma luz entrava; o firmamento estava coberto por nuvens espessas.
Talvez Yamasaki até acreditasse que teria um momento de paz. Nos primeiros minutos da série, a protagonista seguia sua rotina — um instante de calma antes que os acontecimentos finais rasgassem sua comodidade — quando, lá no quarto, seu smartphone começou a tocar.
A vibração fazia o colchão estremecer, e o toque irritante, escolhido por Amai, ecoava mais e mais até alcançar a sala.
— Merda! — murmurou, fechando os olhos, mal levando a primeira garfada à boca.
A paz que tentara cultivar se quebrou como vidro.
Forçou-se a comer enquanto a série seguia, mas, instantes depois, de forma quase inacreditável, o telefone voltou a tocar — em conjunto com outro alerta.
Aquele som, repetitivo e incômodo, deixava claro: não teria paz.
Percebeu, com uma amargura silenciosa, que nunca teria.
Teve a certeza disso quando a risada de Azaael, carregada de pura chacota, começou a ecoar em sua mente como um zumbido que não se cala.
É… talvez o inferno seja em Crea.
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