Capítulo 49 - Dramasaki
— Yamasaki? — uma voz ecoa daqueles lábios secos, enquanto uma mão segurava a gola de suas vestes, tensionando o tecido com firmeza. Sua visão está turva, conseguindo apenas distinguir o elegante paletó listrado e os cabelos vermelhos.
— Eu!? — responde Yamasaki, piscando. De repente, a escuridão desce sobre seus olhos. Ele voltou ao seu quarto. O relógio de seu smartphone ao lado do travesseiro marca trinta minutos para o meio-dia. Aquela voz, aquela presença, não sai de sua cabeça. Num ato de lucidez, ele estica os braços, afastando o lençol que cobria seu corpo e revelando veias roxas. Pega um de seus remédios.
“Merda… o que será que foi aquilo?”
Ele pensa, engolindo o comprimido. Uma ideia súbita surge em sua mente.
— Azaael? Cê tá aí? Já se recuperou, caramba?
— Tô sempre aqui… — responde à voz. No instante seguinte, Yamasaki sente sua orelha sangrar após um leve arranhar em seus tímpanos.
— Porra… — murmura ele, levando a mão à orelha. Sente o sangue escorrer pelo braço e uma dor de cabeça intensa invadir sua mente.
— Que foi? Tá dodói é?
— Quê? Ah… porra… sua voz está horrível… o que tá fazendo? Para com isso! — ele indaga, levantando-se tonto. A mão no criado-mudo derruba os remédios no chão, quase arrastando seu smartphone junto.
— Minha voz? Caramba…
— Falei para parar…
— Mas não estou fazendo nada, cacete! — grita Azaael. Mais sangue derramado ao chão. Yamasaki sente um choque na cabeça, o que o faz dar um tapa em si, mas a dor não cessa; ela agora lateja.
— Não fala! Deixa… deve ser efeito colateral. Desde que você fez aquilo, nada funciona direito… — reclama ele, seguindo para a cozinha. Ao chegar perto da fenda que Azaael havia aberto há dois ou três dias no piso de seu apartamento, ele finalmente percebe.
— Que porra!? — fecha os olhos brevemente, engolindo em seco o estrago, e vai até a cozinha. Bebe água diretamente da torneira, como se tivesse atravessado o deserto de Shamo. A água parecia ser uma nova descoberta.
Ele está nu, sem roupa alguma, e pior, não trouxe seu smartphone. Caminha até a geladeira, pega uma coxa de frango e a devora fria. Sede… fome… ele lembra agora que é humano.
Maneja uma panela até o fogão e suspira profundamente. A louça continua lá, na pia, há dias, com um cheiro de comida podre. Ele lava cada uma, com uma feição emburrada, mas lava. Coloca a frigideira no fogão, ao lado da panela. Pega dois ovos enquanto joga o bacon no micro-ondas. Quebra os ovos na frigideira, despeja óleo sem qualquer cuidado e liga o fogão.
— Ovos fritos? Você só sabe fazer isso? Em 275 dias, vi você fazer 275 refeições à base de ovos fritos… — reclama Azaael novamente, irritando Yamasaki, que quase joga os ovos no teto.
— Caramba… e daí? Você nem come, caramba… ser só espírito deve ser bem cômodo, não? — ele diz, irritado.
— Na verdade, não… eu sinto fome, CARAMBA, só que não preciso comer para viver! Energia negativa me dá a mesma energia que a carne humana!
— Demônios comem humanos? — ele pergunta, sinceramente.
— No purgatório, sim, mas eu comia alguns quando caí aqui…
— Que nojo! — diz Yamasaki, rindo. Ao apito do micro-ondas, ele abre o pacote de bacon e despeja na frigideira.
— É melhor que ovos fritos!
O sangue já está seco em seus ouvidos e braços.
— Tiras de porco… e eu que sou nojento? Esse bicho vive na merda… — continua a reclamar Azaael, fazendo Yamasaki encolher os ombros a cada palavra.
— Você também come humanos, e provavelmente, os que comeu, viviam na merda… — comenta ele, observando a panela, sentindo o cheiro dos ovos e bacon.
— Eram mais limpos que você… garanto!
— Vem cá, você não tem nada para fazer não? Caramba… justo hoje, você vai me encher? Já não basta Arthur e Amai, será que não posso curtir o pouco de vida que terei? — indaga, pegando o sal e desligando o fogão.
— Dramasaki… bem, se quer que eu fique tranquilo, vamos fazer alguma coisa, pô! Você é um exorcista, não pensa em fazer nada do tipo hoje?
— Se ninguém me chamar!?
Da gaveta acoplada à pia, ele pega um garfo de cabo vermelho, o que ele sempre usa, independentemente do dia.
— Isso! Eu e você, como nos velhos tempos!
— Não! Sai fora, Azaael! — ele sabe que não será fácil lidar com ele após tanto tempo em silêncio.
— Mas um rabo de saia, você aceita o convite? Né, seu tarado? Eu vejo o que você vê, não esquece! — provoca Azaael, como se realmente se importasse.
— Não enche! Caramba… e não fale como se eu fosse um tarado! — Yamasaki responde, jogando ovos, bacon e sua coxa de frango fria em um prato branco de porcelana. A coxa de frango foi jogada da pia para a lixeira. — Bom, eu vou comer… quer ver a nova série que estreou? “A Eternidade de Ana”, é interessante…
— Ver série? Meh… bota aí…
— Aposto que você vai sentir saudades de uma idiotice como essas! — disse ele, sentando-se no sofá com o prato nas mãos e um travesseiro sobre o colo, tentando se acomodar. Com a mão livre no controle, ele apertou o botão que levava até a biblioteca online de filmes e séries em lançamento, escolhendo a mesma que havia mencionado.
— Eu? Hahahaha! Vou sentir falta de te atormentar, menino, mas… confesso que será uma experiência interessante e que lembrarei, esse tempo que vivo preso ao mais deprimido dos humanos! — respondeu Azaael enquanto Yamasaki colocava a série. O ambiente estava escuro e frio. Mesmo com a cortina meio aberta, nenhuma luz entrava, percebendo que o firmamento estava nublado. Talvez ele até pensasse que teria paz, mas, nos primeiros minutos da série, quando a protagonista vivia sua rotina, um instante de calma antes dos acontecimentos finais de sua comodidade, seu smartphone tocou lá no quarto. Dava para sentir a vibração sobre a cama, enquanto aquele toque irritante, colocado por Amai, ecoava mais e mais até onde ele estava.
— Merda! — ele fechou os olhos, mal levando a primeira garfada à boca.
Ele desarmou daquela paz que estava almejando alcançar e se forçou a comer enquanto a série tocava, mas em instantes, inacreditavelmente, seu telefone começou a tocar em conjunto. Ele não teria paz… percebeu que nunca teria…
Agora ele só teria folga no dia de sua morte. Teve a certeza quando a risada de Azaael, como uma chacota, começou a ecoar em sua mente.
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