Capítulo 52 - Encontros
O silêncio tomou conta do espaço entre eles depois da curta resposta dele. O caminho estreito de pedras levou-os até a beira do lago, onde o gramado se estendia em uma curva até encontrar as águas escuras, que refletiam o firmamento.
As lágrimas dos céus formavam círculos sobre a superfície. Até que Amai parou, respirou fundo e quebrou o silêncio com a mesma ousadia de antes:
— Qual é! Eu falei o meu objetivo, e você? Não vai nem me dar uma dica?
Os olhos, cheios de ambição e expectativa, pousaram nos dedos dele. Esfregava-os ansiosamente, buscando se agarrar a algo invisível, um gesto nervoso que o traía por inteiro.
— Não!
Seco, a voz firme demais para esconder o desconforto.
Seus ombros se tensionam, e quase recolocou as mãos nos bolsos do sobretudo, mas parou no instante em que o faria, recuar era admitir derrota.
O vento soprou sobre a margem, levantando um cheiro fresco de água, e naquele momento parecia que o próprio lago aguardava pela resposta que se negava a dar.
— Bem, eu só queria saber, o que te levou a continuar como exorcista? Você pode sair, não é como se tivesse amarras na ordem! — Acomodando-se no gramado sem se importar em sujar as vestes. A postura, relaxada, contrastava com a rigidez dele, que ainda refletia sobre a pergunta, de olhos perdidos no horizonte.
Um estalo seco ecoou em sua mente, como se alguém tivesse batido as mãos ao lado de seus ouvidos.
A dúvida se desfez em fragmentos, forçando-o a responder.
— Eu sei, mas estar na ordem é melhor do que não estar, acredite! — cada palavra soando como um disparo rápido e incontido.
Seus pés se moviam inquietos, saltitando a dois ou três centímetros do chão, como se quisesse gastar energia sem perceber.
— Hm… por quê? — Insistiu, inclinando a cabeça com curiosidade genuína.
— Porque é! Caramba, você precisa perguntar tudo?
O irônico?
A irritação é mais fruto da própria confusão do que da insistência. Por fim, cedeu, deixando-se cair ao lado dela. O peso amassou a grama molhada, e seus olhos foram atraídos pelos patos que flutuavam. A superfície do lago refletia as árvores ao longe, mas a chuva distorcia as imagens, criando movimentos quase microscópicos, como se cada gota fosse um pincel borrando a pintura.
Como se cada gota pudesse mudar a percepção da obra completa.
— E você? — Quebrando o silêncio de forma brusca — Se não quer assumir a liderança do seu clã, por que continua lá? Pode prestar um serviço comunitário, já que não precisa de dinheiro… algo sem compromisso.
Ele a olhou de relance, mas desviou depressa o olhar, fixando-o na grama próxima à sua mão.
Pequenas formigas marcham em fila, ignorando o peso da chuva e a presença dos dois, carregando um propósito que ele próprio não tinha.
— Estou acomodada, sabe… acho que sou do tipo de pessoa que precisa ser arrancada do ninho para aprender a voar, ou talvez eu mesma esteja me limitando… — murmurou, apertando a grama molhada entre os dedos, fitando-a como se buscasse força naquela textura fria — Ou talvez seja o medo de decepcionar meu pai… Ele é líder temporário, não recebeu a técnica do meu avô. Isso criou um clima horrível em nosso clã. Eu sou a esperança dele…
— Entendi. Você está sob muita pressão. Isso me lembra meu pai. Ele era um líder religioso e me fazia ter estudos diários sobre Eluminismo Libertário. Queria que eu fosse como ele, mas enfim… pais…
— Que fofo! — Inclinando-se para trás e exalando um sopro gélido que se misturou com o ar úmido da chuva — Acha que ele se orgulha de você?
— Ele!? Ah…
As palavras travaram em sua garganta. Em seu íntimo, um flash abrupto o engoliu: a memória de seu pai sendo morto por Gallael.
O impacto, o cheiro metálico do sangue, o silêncio esmagador após.
E, junto disso, a lembrança da cruz de prata que o pai sempre carregava no pescoço — agora ausente, perdida para sempre.
Yamasaki baixou os olhos para o próprio peito, sentindo o vazio onde antes aquele símbolo repousava.
Era esse o destino que havia escolhido, mesmo sem saber. A escolha que o afastava de tudo que o pai representava e, paradoxalmente, ainda o mantinha preso à sombra dele.
— Não! Mas enfim, eu já falei demais de mim! Me sinto exposto… — brincou, forçando um tom mais descontraído, como se a piada pudesse arrancar o peso que se acumulava em seu peito.
— Isso foi péssimo! Azedinho…
Um sorriso breve, voltando o olhar para o lago. Seus olhos refletiam a superfície, e, apesar do comentário zombeteiro, parecia satisfeita ou convencida do que havia conseguido arrancar dele.
— É… foi péssimo…
Era como se aquele instante entre tivesse se tornado um segredo apenas deles.
─── ── † ── ───
Enquanto, a quilômetros dali, a atmosfera era completamente diferente. Em um terreno baldio próximo ao distrito de Hiragana, um táxi velho e barulhento freou bruscamente sobre o cascalho encharcado.
Da porta traseira desceram Jarves e Antônio. O primeiro ajeitou o sobretudo amarrotado, os olhos varrendo os arredores com cautela; o segundo, indiferente ao pé-d’água, acendeu um cigarro cuja brasa a chuva apagou quase de imediato.
O lugar cheirava a ferrugem, sufocado pelo mato alto que engolia quase toda a fachada. A cada passo, a lama estalava sob as botas dos dois, soando como o prelúdio de algo que cedo ou tarde se entrelaçaria ao destino de todos.
— Bom, bom! Aqui é um bom lugar para treinarmos… — disse o fumante, avançando até o centro do terreno.
Ali, o espaço se abria árido, quase desértico, coberto apenas por uma vegetação rasteira que mal alcançava dois centímetros.
O vento levantava redemoinhos de poeira e o odor áspero de ferro oxidado.
— Faz um ano e meio que não sinto a adrenalina de usar poderes… e você? — perguntou-o, a voz carregada de expectativa.
Era, sem dúvidas, entusiasta da ideia…
— Eu? Bem… costumava treinar todos os dias com minha habilidade inata, mas acabei esquecendo certos feitiços… É como se lembrasse apenas do início ou do fim…
Então, lentamente, deixou sua aura transbordar: um azul profundo, quase noturno, espalhou-se em ondas, dançando como labaredas frias em torno de seu corpo.
— Como faremos? — Erguendo o olhar.
— Vamos começar com a extensão de energia. Técnicas inatas costumam gastar menos do que as não inatas, então foquemos nisso! — Arqueando as costas num alongamento. Seus olhos, atentos, cravaram-se nos pés de Jarves, como os de um predador estudando a presa — Vamos treinar reflexos e agilidade… ok? Vou lançar inúmeros projéteis contra você; tente reagir.
— Certo… — murmurou, a desconfiança ainda latejando no olhar.
Passou a mão pelos cabelos molhados e respirou fundo.
A energia ao seu redor se acendeu, crepitante, riscando o chão em traços elétricos de azul intenso.
Pisou firme, abrindo as pernas numa posição ampla, como um goleiro prestes a defender um gol de final de campeonato.
O ar vibrou entre eles, pesado, tenso, como se contasse os segundos até o primeiro disparo.
O que ele quer fazer? Será que esse doido tentará me matar? Pensou, enquanto uma aura vermelha, da cor de um velho vinho, rodeava seu parceiro.
Entre muitas aspas.
O que importava era que a assinatura de energia crescia, transformando-se numa liberação imensa.
— Extentio potentiam meam: cepi energiam meam, vicissim, fac me terram ad arbitrium meum formare posse! — imediatamente, a terra tremeu, a energia fluiu para dentro dela e, com a mão nua tocando o solo, criou um canal para que ela passasse.
Seu braço tornara-se um extrator de material e o direito, apontado para o rapaz, um liberador e transmutador de energia e matéria.
— Posso?
— Pode! — Sentiu uma onda de adrenalina percorrê-lo quando inúmeras esferas moldadas a partir do próprio terreno avançaram em sua direção — Grr! — Desviando com dificuldade.
Atirou as mãos contra o chão e rolou para o lado, apenas para ver as esferas despedaçarem árvores distantes, dilacerando seus troncos.
— Desvie e golpeie! Apenas os troncos das árvores, Jarves! Quando entrarmos, alguns serão exorcistas. Você terá que ser preciso! Não poderá abrir barreiras, pois o instante será mínimo. Então, pense rápido e seja letal! — instruiu, enquanto lutava para escapar, um a um, daqueles projéteis que caíam sobre ele como lâminas de guilhotina.
Cada projétil podia alcançar a potência de 59 megajoules.
— Merda… mas… como atacar, caramba? — indagou, refugiando-se atrás de uma árvore e sentindo o tronco estremecer sob a pressão do impacto — Meu feitiço inato… não serve para atacar!
— Quê?
Cessou o ataque na hora, genuinamente surpreso.
— Como? — coçou a cabeça — Cê tá zuando comigo?
— Ehr… Não! minha técnica inata é uma espécie de possessão… fui afastado porque não funcionava em demônios…
Sem graça, enquanto saía de trás da árvore e o encarava.
— Possessão? Só isso?
— Não é só, mas… não consigo estender nenhuma técnica além dessa — sentiu cada glóbulo vermelho recuar de suas veias, deixando-o momentaneamente fraco — Posso fazer uma possessão de seis segundos, com três segundos de atraso para uma nova possessão…
— Ehr… merda! Assim ficará difícil.
Falou ao sair de sua posição, erguendo-se e encarando o garoto de pé.
— Quer dizer, não poderemos dividir as tarefas… — Parecia pensativo, como se buscasse uma solução nas profundezas da mente — Teremos que fazer uma combinação! Posso usar o concreto do piso para criar projéteis, e você pode possuir os corpos, atirando-os nos meus projéteis. O que acha?
— Acho que seria eficaz! Com a distração, eu só iria direcionar os alvos…
Pelo menos…
— Mas você realmente não tem outra técnica de expansão?
— Não! — Convicto, soltando uma risada sem graça — Assim que me formei, fiz duas missões. Uma eu não consegui completar porque estava a serviço de uma família de nobres… e na outra, mal consegui concluir o exorcismo! — A lembrança lhe pesando nos ombros.
— Entendi. Bem, sua sorte é que isso não se trata de exorcizar.
— Não?
— Sim… mas não fique preocupado, você talvez não tenha compreendido todas as possibilidades do seu domínio inato — Enquanto pegava um dos raros matos altos e o puxava sem arrancar — Enfim, isso não é nada que eu saiba também. Um exorcista só entende suas técnicas quando ascende a um estado celestial! — Deixando sua aura se dissipar.
Até que enfim se cansou.
Caminhou até o rapaz e pousou a mão sobre seu ombro, que pesava de desânimo.
— Aliás, Jarves, o que te motivou? Você parecia tão capaz de matar, mas agora parece uma criança emburrada…
— Ah, não é importante!
— Quão é? Por que não? Vamos falar um pouco, meu amigo — O quão amigável parecia não apagava seus pecados e defeitos, mas ainda assim era um “cara legal”… entre muitas aspas.

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